Romanos 1.11-18: A D�VIDA DO CRISTÃO

A DÍVIDA DO CRISTÃO
Romanos 1.11-18
Pregado na Igreja Batista Itacurucá, em 4.3.2001 (noite)

1. INTRODUÇÃO
Imaginei o apóstolo Paulo, acorrentado numa prisão por pregar o Evangelho, abrindo o jornal Valor, de 2.3.2001 (ou Financial Times, de 1.3.2001, que foi a fonte primeira) e lendo a seguindo notícia:
Segundo uma pesquisa feita pela agência de publicidade Young & Rubicam, com 45 mil pessoas, entre adultos e adolescentes espalhados por 19 países, as marcas de consumo são a nova religião da humanidade. É para elas que as pessoas estão se voltando em busca de significado para suas vidas.
As marcas de sucesso são aquelas que têm paixão e energia para mudar e mundo e converter as pessoas ao seu estilo de vida. Desde 1991, nos Estados Unidos, mais de 12 mil pessoas se casaram na Disneyworld e vem se tornando comum os aficionados na motocicleta Harley-Davidson serem enterrados em caixões da marca, como a dizer que essas máquinas são o sentido da vida.
Para a agência, uma das maiores do mundo, os criadores de marcas podem ser comparados aos missionários que espalharam o Cristianismo e o Islamismo ao redor do mundo. “Foi a paixão com que eles comunicaram suas crenças que levou pessoas a responder aos milhões, porque estas religiões eram baseadas em idéias poderosas que davam sentido e propósito à vida” — disse um dos diretores da Y&R. Do mesmo modo, as marcas de sucesso de hoje são aquelas que permaneceram não por sua qualidade ou credibilidade mas por um conjunto de crenças que elas se recusaram a abandonar.
Entre as marcas, a pesquisa cita Calvin Klein, Gatorade, Microsoft, MTV, Nike, Sony Playstation e Yahoo! como exemplo de marcas com crenças inegociáveis.
A propósito, pelo levantamento da agência, as dez marcas mais importantes do mundo são: Coca-Cola, Walt Disney, Nike, BMW, Porsche, Mercedes-Benz, Adidas, Rolls- Royce, Calvin Klein e Rolex.
Então, o apóstolo Paulo chama seu secretário e dita o seguinte parágrafo aos seus irmãos da cidade de Roma:

Muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom espiritual, para que sejais confirmados,  isto é, para que, em vossa companhia, reciprocamente nos confortemos por intermédio da fé mútua, vossa e minha.
Porque não quero, irmãos, que ignoreis que, muitas vezes, me propus ir ter convosco (no que tenho sido, até agora, impedido), para conseguir igualmente entre vós algum fruto, como também entre os outros gentios. Pois sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes; por isso, quanto está em mim, estou pronto a anunciar o evangelho também a vós outros, em Roma.
Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé.
A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça; porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. (Romanos 1.11-19)

Os construtores de marcas de consumo querem despertar a paixão nos consumidores, paixão por suas marcas. O apóstolo Paulo confessa a sua paixão pela pregação do Evangelho, causa pela qual conheceu prisões e privações, acoites e naufrágios, ansiedade e morte.
Paulo tinha a convicção que o Evangelho é o poder de Deus para a salvação dos homens. Paulo tinha certeza que somente pela fé os seres humanos são justificados e afastados da impiedade e da perversão. Paulo tinha o desejo de dizer isto pessoalmente a tantos quantos pudesse.

Por isso, lendo, neste exercício de imaginação, o jornal, Paulo ficou perplexo em saber que o Seu Evangelho foi trocado pela MTV como marca capaz de dar sentido à vida das pessoas, em saber que a cruz de Cristo foi substituída pela Coca-Cola como a marca do mundo.

Nós também nos devemos preocupar com esta pesquisa. Se ela for verdadeira, o Cristianismo estará condenado a ser uma religião inexpressiva do mundo. O futuro será ditado por aquilo que nós fizermos do Evangelho.
Podemos ceder à última tentação do capitalismo (título da matéria do Financial Times sobre o assunto), que é a de substituir a religião pelo consumo, ou podemos manter a paixão por Cristo. Esta é a escolha que temos por fazer.

2. PAULO, UM HOMEM COM PROPÓSITOS CLAROS
Comecemos por falar dos sentimentos, desejos e certezas de Paulo, que devem ser nossos também.

1. Paulo se sentia, segundo seu texto, um devedor para com os que não tinham ainda recebido o Evangelho de Jesus Cristo. Ele não se lamentou que outros não tenham ido, embora devessem. Ele tomou a tarefa para si.
O seu encontro com Jesus no caminho de Jerusalém para Damasco fez nascer nele um sentimento de débito profundo, débito de alegria, em relação a Cristo. Paulo não é um devedor constrangido, chateado por ter que pagar uma dívida, mas um devedor feliz e interessado em compartilhar sua experiência com outras pessoas, para que essas passassem a ver o mundo com os olhos transformados que agora tem.
É desta paixão que decorre a sua prontidão para anunciar o Evangelho. Só as ordens expressas do seu Senhor impediam-no de comunicar esta boa nova. Ele mesmo não estivera ainda em Roma porque Deus não lho permitiu.
Esses sentimentos de Paulo devem ser os nossos. Com eles, as pessoas vão procurar Jesus Cristo para orientar suas vidas, nunca uma marca de roupa.

2. Em relação, portanto, aos seus irmãos romanos Paulo tinha alguns desejos, que também devem ser os nossos em relação aos irmãos de nosso bairro.
O apóstolo lhes queria comunicar algum dom espiritual, que é diferente do dom espiritual (carisma) referido em 1Coríntios 12. Aqui, trata-se da comunicação do conteúdo do Evangelho, visando o fortalecimentos dos cristãos.
Paulo sabia que, ao fazê-lo, receberia o consolo de ver outras pessoas nascendo para a salvação e se desenvolvendo para o conhecimento da graça. Não acontece assim conosco? A fé é sempre uma experiência de mutualidade. Este é, por exemplo, o tema do Filipenses: a fé não é para ser vivida na misantropia, mas na solidariedade.
O apóstolo queria, principalmente, conseguir algum fruto. Ele queria comunicar o conteúdo e ser fortalecido, mas queria ver resultado do seu ministério, pessoas retrazidas para o palco da glória de Deus. Esta era a sua alegria.

3. Paulo se movia deste modo por causa de duas convicções básicas na sua trajetória.
A primeira era a certeza do significado do Evangelho como poder de Deus para a salvação de todos os que crêem. Neste sentido, a teologia de Paulo não guardava qualquer espaço para um relativismo imobilizador. Só havia salvação pelo Evangelho. Só Jesus Cristo era o caminho; não havia outro. Paulo tinha orgulho do poder do Evangelho.
A segunda convicção paulina era que essas pessoas só poderiam ser salvas se fossem evangelizadas. Elas só poderão crer se forem alcançadas com a boa notícia. Neste sentido, a conseqüência prática da teologia do poder do Evangelho era assumida como tarefa dele, não missão para os outros. A fuga desta conseqüência é uma das desgraças do Cristianismo. A lógica é clara: o Evangelho é o poder de Deus; as pessoas precisam ouvir este evangelho para serem salvas; eu preciso comunicar este evangelho a estas pessoas, se quero ser coerente com o que creio.
A terceira percepção paulina diz respeito à inclusividade do Evangelho. Este é o ponto que ele quer destacar quando menciona os judeus e gregos como o publico-alvo de sua pregação. A inclusividade étnica é apenas uma indicação da universidade deste Evangelho, não só no plano étnico, mas no intelectual, econômico, familiar, etc.

4. Paulo queria muito ir a Roma, mas até aquele momento fora proibido por Deus. O único impedimento à paixão evangelizadora de Paulo era o próprio Senhor do Evangelho. Todos os outros impedimentos ele buscava contornar. Os exemplos são inúmeros: se o dinheiro estava curto, ele fazia tendas; se o templo se fechava, ele ia para a escola; se a multidão o chamava para falar no estádio, ele ia sem medo.
Quem tem nos impedido? Deus ou os homens?

3. ROTEIRO DA EVANGELIZAÇÃO
Se estamos convencidos que devemos sentir, pensar e agir como Paulo, de que modo podemos colocar em prática nossas convicções e desejos?
A evangelização, em todos os tempos, requer criatividade.
Há dois tipos de pessoas que precisam do Evangelho: as acessíveis e as inacessíveis.

3.1. Alcançando os acessíveis
Como, por exemplo, alcançar pessoas acessíveis?

1. Primeiramente, devemos orar por aquelas pessoas com quem temos relacionamento, com o desejo de lhes comunicar o dom do Evangelho. Alguém, um dia desses me perguntou:
— Adianta orar por uma pessoa, se ela, no exercício do seu livre-arbítrio, rejeita o Evangelho? O Espírito Santo pode realmente incomodá-la?
— Adianta! O  Espírito Santo, por meio de nossa intercessão, poderá dirigir para esta pessoa a atenção do seu afeto convencedor. O Filho está à porta e bate. (Apocalipse 3.20) Devemos pedir para que Ele insista neste toque.
Nós também não podemos desistir, nem que leve 30 anos o nosso interesse. William Carey pregou mais de uma década até que houvesse a primeira conversão no país onde servia como missionário.

2. Em segundo lugar, devemos falar. Nós devemos nos comunicar, se queremos comunicar aos nossos vizinhos, amigos ou parentes, o dom do Evangelho. Nossa fala deve ser coerente com a nossa vida e a nossa vida deve desembocar em nossa fala.

3. Em terceiro lugar, devemos encontrar fórmulas para pôr essas pessoas em contato com a proclamação pública da mensagem.
A igreja deve criar essas oportunidades, como chás, jogos de futebol, cultos nos lares, cultos temáticos, congressos temáticos e espetáculos artísticos, por exemplo. Quando estas oportunidades se apresentarem, devemos participar delas de modo a torná-las efetivamente em ocasiões e espaços para que as pessoas sejam educadamente confrontadas com o oferecimento do dom do Evangelho.

4. Em quarto lugar, devemos lutar junto com as almas dessas pessoas para que elas possam se desenvolver. O trabalho de evangelização não termina quando uma pessoa se batiza. A responsabilidade do evangelista não cessa neste momento. Antes, deve prosseguir até que essa pessoa possa caminhar com suas próprias pernas para trazer outras pessoas a Cristo. Precisamos cultivar aqueles a quem Jesus por nosso intermédio cativou

3.2. Buscando os inacessíveis
E o que fazer com aqueles com quem temos pouco ou nenhum acesso?
Além dos cuidados anteriores (oração, comunicação direta, apresentação de Jesus e empenho pessoal), precisamos encontrar fórmulas criativas, para entrar nas casas cada vez mais cercadas e nos apartamentos cada vez mais inatingíveis.
Não podemos obviamente esquecer que os mais importantes arautos do Evangelho a este tipo de público são seus vizinhos crentes, verdadeiramente compromissados com Jesus. É o amor a Cristo, na convicção que é a fé nEle que salva, que fará com que nosso tempo se multiplique, nossa timidez seja controlada e nossa incompetência seja superada. Nem a criatividade supera o amor.
Nem por isso, podemos deixar de lado a criatividade. Tenho pensado em que poderíamos criar um cadastro de endereços eletrônicos (e-mails) dos moradores do nosso bairro. De posse desses endereços, poderemos mostrar que existimos como Igreja, poderemos convidar as pessoas a virem até nós e poderemos encaminhar mensagens, diretas e discretas, sobre o Evangelho de Jesus Cristo, a quem anunciamos.
Tenho pensado que poderíamos cadastrar (ou identificar) os grupos específicos de nosso bairro (empresários, idosos, crianças, adolescentes, jovens, profissionais) e propor programas específicos para eles.
No entanto, só farão algo aqueles que tiverem a mesma paixão do apóstolo Paulo.

4. CONCLUSÃO
Entre as dificuldades que o Cristianismo enfrenta, uma é a estagnação. Temos crescido menos que a população. Se tirarmos o crescimento em conseqüência da adesão dos nossos filhos (que já estão conosco e não precisamos atrair), o índice é ainda mais pífio.
No caso das batistas brasileiros, houve nos anos 60 do século passado uma interessante campanha: 1 + 1 = 500 mil. O alvo era modesto: basta um batista levar uma pessoa a Cristo e os batistas dobrariam de extensão numérica. Infelizmente, o alvo só foi alcançado muitos anos depois. Até hoje orbitamos em torno do um milhão.
Esta história geral é a história de muitas igrejas locais. Pensemos então nelas, no que têm feito para que as marcas de consumo sejam menos atraentes que a cruz de Cristo.
Agora, pensemos nos membros válidos da Igreja, que são aqueles que têm dado a Deus oportunidade de lhes falar por meio da participação na vida comunitária eclesial.

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