Tiago 4.13-17: A PERFEITA VONTADE DE DEUS

A PERFEITA VONTADE DE DEUS
Tiago 4.13-17

Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 16.7.2000 – noite

 

Todas as realizações humanas nada são
se construídas como humana afirmação.

1. INTRODUÇÃO
O maior problema que os cristãos enfrentam, na vivência da fé, pode ser sintetizado na seguinte pergunta: Como posso conhecer a vontade de Deus para a minha vida? Não há um dia em nossas vidas que não tenhamos que enfrentar este problema, já que estamos permanentemente tomando decisões.

2. ATITUDES DIANTE DA VONTADE DE DEUS
É possível que, diante do corre-corre da vida, esta expressão “vontade de Deus” tenha se tornado uma frase feita, do tipo “estou orando por você”, quando a pessoa não ora nem por si mesmo quanto mais pelos outros.
É possível que, ao dizermos, “se Deus quiser” ou “se for da vontade de Deus”, sequer estejamos pensando em nos submeter à Sua vontade, mas apenas empregando uma expressão formal como “bom dia” ou a “que Deus o abençoe”. Os seres humanos temos a imensa capacidade de nos realizarmos apenas no plano do discurso…
Por isto, em relação à vontade de Deus, podemos vislumbrar quatro tipos de cristãos.

2.1. A vontade de Deus como inexistente
Há cristãos que não consultam a Deus para nada.
Tiago se refere a essas pessoas como sendo aquelas que planejam as suas vidas, como se não existissem variáveis humanas e muito menos os atos de Deus (v. 13 — 13 E agora, vós que dizeis: Hoje ou amanhã iremos a tal cidade, lá passaremos um ano, negociaremos e ganharemos.)
O Deus em que crêem é apenas para ser louvado durante alguns minutos da semana, nunca para ser consultado. O Deus em que crêem é apenas para ser celebrado, nunca para ser obedecido. Deus, na verdade, não tem nada a ver com suas vidas.
Isto decorre de uma visão secularizada da vida. Há um valor na secularização, uma vez que Deus nos fez inteligentes e independentes. Precisamos colocar todo os nossos neurônios (e dizem que temos 100 bilhões deles) para funcionar. Quando a inteligência e a independência se tornam soberbas, como aconteceu por ocasião da tentativa da construção da torre de Babel, ela se torna soberba.
Tiago usa du(r)as palavras para descrever este tipo de atitude: presunção e jactância.
A presunção e a jactância fazem com que nos esqueçamos daquilo que também somos: uma fumacinha, que não resiste ao vento mais suave e se dissolve.
Apesar de saberem disto, há muitos cristãos que vivem como se Deus não tivesse vontade e um Deus que não tem vontade não é um Deus.
Obviamente, inevitavelmente a pergunta para quem procede assim é: são estas pessoas realmente cristãs?
Essas pessoas se esquecem que:
Todas as realizações humanas nada são
se construídas como humana afirmação.

2.2. A vontade de Deus como preexistente
Há cristãos que imaginam existir uma vontade pré-determinada de Deus para tudo.
Esta visão, oposta à anterior, é igualmente secularizada, com a diferença que gera muita ansiedade, quando não se consegue descobrir esta vontade pré-estabelecida.
Muitas pessoas imaginam que tudo o que acontece na vida de uma pessoa foi previamente estabelecida por Deus. No Livro dEle, acreditam, está escrito que na tarde do sábado X, chuvosa ou ensolarada, Fulano e Sicrano iriam comparecer perante o altar da Igreja Y para receber a bênção do pastor Beltrano, na presença de testemunhas já previamente escolhidas e de uma platéia composta por nomes também divinamente determinados.
Na verdade, esta visão — mesmo bem intencionada, porque pretensamente reconhecedora do poder de Deus — é a mesma de qualquer tipo de fatalismo, que ensina que todo ser humano tem um destino (uma espécie de DNA cósmico) a qual não pode fugir porque traçado por Deus. Trata-se de uma espécie de determinismo divino, que se aproxima de um determinismo histórico, econômico ou biológico.
Então, o jovem se pergunta: como quem devo me casar? Será com alguém aqui da Igreja ou com alguém de fora? Será com alguém que já conheço ou com que alguém que ainda vou conhecer? Quem de nós já não se fez tais indagações?

2.3. A vontade de Deus como uma fantasia humana
Há cristãos que querem fazer coincidir a vontade de Deus com os seus próprios desejos.
Não há propriamente a vontade de Deus, que se torna um sinônimo para o desejo humano. A pessoa vai tocando a sua vida e tudo o que acontecer é por ela tomado como sendo uma expressão da vontade de Deus. Afinal, Ele está no controle de tudo. Não disse Jesus que “até mesmo os cabelos da [nossa] cabeça estão todos contados”? (Mt 10.30)
Quem pensa assim não teve, no fundo, a coragem de assumir seu estilo secularizado de vida. No fundo, trata-se do mesmo comportamento daqueles que acham não existir a vontade de Deus.

2.4. A vontade de Deus como um desejo para os homens
Há cristãos que vêem a vontade de Deus como algo que Deus deseja fazer com a cooperação deles.
Esta é a visão que precisamos ter. A vontade Deus é algo que Ele deseja fazer com a nossa cooperação, para o bem do seu mundo, para o bem da sua igreja, para o bem dos seus filhos.

3. O SENTIDO DA VONTADE DE DEUS
Este é o sentido da vontade de Deus: ela é a expressão daquilo que Ele deseja executar em nós e por nós. Entendê-la assim deixa-nos menos ansiosos diante de um mistério por vezes não revelado e, ao mesmo tempo, mais compromissados em colocar nossas vidas em sintonia com o seu propósito.

3.1. A soberania de Deus
A vontade de Deus é uma expressão da Sua soberania e com ela se confunde.
Por isto, recomenda Tiago (v. 17), todos os nossos atos devem estar submetidos à vontade de Deus. Aliás, mesmo que não o reconheçamos, nossa vontade é limitada pela vontade do Senhor. Nós pomos e Deus dis-põe. Apesar disto, Ele comanda a história, tanto a história geral quanto a nossa particular.
O fato de Ele comandar a história não significa que Ele tenha um plano traçado em detalhes para nós. Ele tem um propósito segundo a Sua vontade: “sermos para o louvor da sua glória” (Ef 1.11-12)
Em outros termos, a soberania de Deus, de onde deriva sua vontade, não é uma tirania sobre nós. Ele coloca Sua vontade e o homem decide o que fazer: aceitar ou rebelar-se.
Deus não pensou assim, no princípio:
Eu vou criar a terra e, depois, como sei que esta terra ficará sem forma e vazia, vou criar o homem. Depois, como sei que este homem vai ficar sozinho, vou fazer uma mulher para ele. Depois, eu vou mandar o diabo tentar este casal; este casal vai cair e, como castigo, vou expulsá-lo da minha presença. Como eu gosto desta gente, vou criar uma série de leis para trazer a humanidade à comunhão comigo. Como eu sei que não vai funcionar, vou eu mesmo, como Filho, à terra e morrer por todos os homens.
Deus pensaria e agiria assim se fosse humano.
Como não é, ele permite que nós disponhamos aquilo que Ele pôs. É por isto que acontecem tantas coisas conosco, todas obras nossas ou de outras pessoas, nunca manifestações da vontade de Deus.
Aqui está um dos nossos maiores problemas: queremos que Deus aja contra a liberdade de outras pessoas. Nós queremos sermos respeitados, mas as pessoas não nos querem respeitar. O desrespeito não é vontade de Deus.
As pessoas devem viver com dignidade, nunca nas calçadas ou nos bueiros, mas a ambição que exclui, pela falta de educação e trabalho, empurra os homens para a sub-humanidade. A miséria não é um flagrante da vontade de Deus; antes, é uma expressão de rebeldia ao Seu propósito.
As pessoas devem viver com integridade, nunca nos hospitais ou nas prisões, mas a quebra das leis biológicas ou das leis sociais enchem os leitos e os cubículos. A doença e a privação da liberdade não são uma demonstração da soberania de Deus; antes, são realidades que trazem tristeza imensa ao Seu coração.
A realização da vontade de Deus depende de nós e de outras pessoas.
A vontade do Pai, portanto, é dinâmica, nunca estática. O que é quer construir Ele quer construir conosco. O que quisermos construir devemos construir com Ele.

3.2. O tédio do futuro
Conhecer a vontade de Deus não é prever o futuro, mas pedir Sua orientação para o nosso presente.
O apóstolo Paulo diz que não sabemos pedir como convém (Rm 8.26) porque não conhecemos o futuro. Não conhecemos, nem devemos conhecer.
Apesar disto, sentimo-nos tentados a fazer da Bíblia uma bola de cristal. Por isto, é bom não esquecermos que conhecer o futuro, por mais sedutor que pareça, não passa de uma tragédia. É querer algo que nos é muito prejudicial, porque nos priva de nossa liberdade, gera medo em nós e bloqueia nossas faculdades mentais. O resultado, em lugar de paz, é um enorme tédio.
Portanto, o que devemos pedir não é o conhecimento do futuro, mas orientação divina para o presente. A orientação de Deus para as nossas vidas é uma promessa bíblica. Ensina o mesmo apóstolo que “o Espírito nos ajuda na fraqueza” e “intercede por nós com gemidos inexprimíveis”. Afinal, “aquele que esquadrinha os corações sabe qual é a intenção do Espírito: que ele, segundo a vontade de Deus, intercede pelos santos (Rm 8.26-27).
Deus nos orienta quando estamos dispostos a seguir Sua orientação.

3.3. A pro-posta de Deus
Podemos, ainda, pensar na vontade de Deus como sendo o alvo proposto por Ele para cada um de nós e, por nosso intermédio, para o mundo.
O que Ele quer é que nós executemos o bem. Quando não o fazemos, erramos o plano dEle para nós (v.17 — Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado.
)
A vontade de Deus deve ser o alvo para onde nos movemos.

3.4. A vontade universal e a vontade particular
A vontade de Deus pode ser entendida como sendo universal e particular.

A vontade universal está dada: devemos viver de modo santo e honrado e não como aqueles que não conhecem a Deus (1Ts 4.3). O propósito universal está dado: que vivamos para sua glória (Ef 1). O desejo universal está dado: que todos os homens se salvem (1Tm 2.3 — Pois isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade), razão pela qual fez manifestar a todos a sua graça salvadora (Tt 2.11).
Ninguém precisa ter qualquer tipo de dúvida quanto a esta vontade universal de Deus. Algumas pessoas retardam, talvez para nunca, aceitar a salvação oferecida por Cristo, alegando não ter chegado ainda a sua hora, indicando não ter sentido ser esta a vontade de Deus, entre outros subterfúgios. A Bíblia é tão clara neste ponto que ninguém poderá ter outra atitude senão a de submeter a esta vontade universal, vontade que Lhe fez vir ao mundo para ser Deus-conosco.
Se você, por exemplo, é um crente em Cristo, não precisa perguntar se deve se batizar ou não. Esta resposta já está dada: sim. Se você, por exemplo, é um crente, não precisa perguntar se seu namoro deve ser feito na presença de Deus. A resposta já está dada: é evidente que sim. Se você tem a oportunidade de amar o seu próximo, não precisa perguntar se isto é da vontade de Deus, porque é.

Por sua vez, a vontade particular será o resultado de uma construção em parceria. Esta vontade específica não está dada pela simples razão que Deus respeita a nossa liberdade, como nós devemos respeitar a dEle.
A vontade particular de Deus para nós tem a ver com decisões que tenham implicações morais. Decidir qual a cor da camisa ou o tipo de meia que vou usar amanhã para ir ao trabalho não tem implicações morais. Ir ou não ir ao trabalho, no entanto, tem um forte sentido moral, pelas suas conseqüências.
Esta vontade particular de Deus para nós pode ser convocadora ou orientadora.
Quando Ele quer algo específico de nós, Ele nos chama e nos indica a tarefa. Os maiores exemplos estão nas grandes chamadas da Bíblia: Abraão, Moisés, Davi, Pedro e Paulo (entre outras). Eles não tiveram nenhuma dúvida. Apenas duvidaram se eram capazes, mas nunca duvidaram que Deus os estava convocando.
Passei por uma experiência desta, quando decidi, no final de 1999, aceitar assumir o pastorado desta Igreja. Acho que Deus se equivocou comigo. Sem demagogia digo: não tenho as qualidades necessárias para a tarefa. Contudo, não tenho dúvida de que Ele me convocou e cumprirei a sua ordem (ordem que jamais gostaria — até hoje o digo — de ter recebido) com o maior prazer, sem nenhum peso pessoal, até o dia em que Ele quiser.
Esta é a vontade que convoca. E ele nos convoca para diferentes tipos de trabalho, na Igreja e fora da Igreja.
A outra dimensão da vontade de Deus é quando ela é nossa orientadora nas decisões que temos por tomar. Esta é a vontade que se manifesta como uma presença consultora. É como viajar à noite com céu de estrelas.
Há alguns anos fiz uma assim pelo estado de Goiás. Éramos dois alta noite num automóvel. Olhando para o alto, víamos as estrelas e uma nuvem, que parecia nos acompanhar. Olhando para a frente, víamos a estrada com suas marcas de sinalização e as placas das beiras. Foi fácil chegar ao destino final.
Gosto de pensar na vontade orientadora de Deus à luz destas imagens. A estrada é o caminho a ser percorrido. A luz é o Deus sempre presente a nos iluminar a jornada. A sinalização (no chão ou nas margens) é Deus indicando: “ultrapasse” ou “não ultrapasse”.
A luz e a sinalização concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito (Rm 8.28).

4. PASSOS PARA DISCERNIR A VONTADE DE DEUS

Passo 1
Disponha-se a entender a natureza da vontade de Deus.
Se queremos fazer a vontade de Deus, precisamos entender a sua mente. O Deus soberano não é tirano. O Deus inteligente não anula a nossa inteligência. O Deus amoroso não toma decisões por nós, pois que nos fez livres.
Não pensemos na vontade de Deus como um pacote fechado que precisamos abrir. Antes, pensemos nesta vontade como o desejo de Deus para nós e para a humanidade.

Passo 2
Disponha-se a confiar na vontade de Deus.
Depois de conhecida a vontade Deus, universal ou particular, precisamos nos dispor a confiar nela, o que significa nos dispormos a fazer esta vontade. Se buscamos conhecer Esta vontade e não nos dispomos a fazê-la, estamos brincando com Deus.
Mesmo que a vontade de Deus não coincida com a nossa
, nosso compromisso deve ser cumpri-la.

Passo 3
Disponha-se a gastar tempo em oração.
Só orando poderemos evitar que nossas vontades sejam transformadas por nós em vontade de Deus.
Não basta orar “se for da vontade de Deus” ou “Se Deus quiser”. Precisamos reservar tempo para perguntar a Ele qual é a Sua vontade. Se queremos obedecer, precisamos saber qual é a ordem a ser cumprida.

Passo 4
Disponha-se a estudar sistematicamente a Bíblia.
A Bíblia é o sinal de trânsito de Deus. Precisamos conhecer este Código, que só conheceremos estudando.
Como no caso da oração, isto exige tempo e disciplina.

Passo 5
Disponha-se a usar competentemente a sua inteligência.
Fomos feitos capazes para discernir a vontade de Deus. Éramos assim até nos rebelarmos contra Deus, abrindo mão de nossos direitos e os transferindo para a serpente.
Assim, nossa incompetência em entender a vontade de Deus decorre de um fato histórico e atual: nossa razão foi e está corrompida. Deus nos deu a capacidade de pensar/pesar os lados de uma questão para tomrar decisões sempre corretas. No entanto, esta capacidade foi corrompida pelo pecado. Esta vontade foi feita para coincidir com a vontade de Deus, já que somos sua imagem e semelhança. Por isto, não podemos discernir com perfeição a mente de Deus.
O pecado corrompeu a nossa vontade, mas não nos cassou a inteligência. Quanto mais a usamos, mais nos tornamos a imagem de Deus, mais nos aproximamos dEle. Não há nada de errado em usar a inteligência, pelo contrário. Se a usamos em conjunto com a oração e com a leitura da Bíblia, ambas atividades que requerem também a razão, discernimos mais claramente a vontade de Deus para nossas vidas.

Passo 6
Disponha-se a ouvir as experiências dos outros.
Algumas pessoas passaram por experiências próximas às nossas. Por que não as ouvir?
Eis o que devemos fazer: ouvir as experiências dos outros, cotejanda-as entre si; considerando-as junto com nossas orações; conferindo-as com as experiências milenares da Bíblia.
Devemos tomar cuidado para nos tornarmos dependentes das experiências e conselhos dos outros. As decisões são sempre individuais.

Passo 7
Disponha-se a correr os riscos das decisões.
Quando estamos dispostos a agir segundo a vontade de Deus, mesmo que erremos, Ele cuidará de nós.
Todas as grandes decisões da vida devemos tomá-las de acordo com a vontade de Deus.

5. CONCLUSÃO
Nosso compromisso básico é transformar as nossas vontades para podermos experimentar a perfeita vontade de Deus (Rm 12.2 — transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.)
A perfeita vontade de Deus consiste em reconhecermos que só fazemos aquilo que Ele quer, como ensina Tiago, e que, também como ensina Tiago, devemos nos empenhar em fazer a Sua vontade, que é fazer o bem, vivendo segund os seus valores..

INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
SMITH, M. Blaine. Conhecendo a vontade de Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 1998.
AZEVEDO, Israel Belo de. Como Deus age. São Paulo: Exodus, 1997.

plugins premium WordPress