Gênesis 1.26-27: HOMEM, PRESENÇA E SAUDADE DA TRINDADE

Gênesis 1.26-27: HOMEM, PRESENÇA E SAUDADE DA TRINDADE
(Pregado na IB Itacuruçá, em 19.3.2000, manhã)

1. HOMEM, PRESENÇA DA TRINDADE
A história teológica da criação do homem está no primeiro capítulo da Bíblia (Gn 1.24-31).
Eis o que ela diz.

E disse Deus: Produza a terra seres viventes segundo as suas espécies: animais domésticos, répteis, e animais selvagens segundo as suas espécies. E assim foi.
Deus, pois, fez os animais selvagens segundo as suas espécies, e os animais domésticos segundo as suas espécies, e todos os répteis da terra segundo as suas espécies. E viu Deus que isso era bom.
E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se arrasta sobre a terra. Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
Então, Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra. Disse-lhes mais: Eis que vos tenho dado todas as ervas que produzem semente, as quais se acham sobre a face de toda a terra, bem como todas as árvores em que há fruto que dê semente; ser-vos-ao para mantimento. E a todos os animais da terra, a todas as aves do céu e a todo ser vivente que se arrasta sobre a terra, tenho dado todas as ervas verdes como mantimento. E assim foi.
E viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom.

Certa vez, reescrevi para as crianças, num livro não publicado, esta história. Quero lê-la paras as crianças hoje.

O MUNDO DE DEUS
(Gênesis 1 e 2)
Era uma vez…
um mundo todo escuro,
onde nunca parava de chover.
Era um mundo muito feio:
não tinha sol, não tinha lua,
não tinha rio, não tinha rua,
não tinha criança, não tinha gente,
não tinha brinquedo, não tinha escola,
não tinha boneca, não tinha bola,
não tinha nada.

Você não ia gostar de viver num mundo assim.
Deus também não estava gostando
e resolveu mudar tudo.

Primeiro, Ele fez o dia e logo depois a noite.
Deus viu o que fez e gostou.

Então, Ele separou as águas
e fez os mares, as praias,
os rios e as cachoeiras.
Deus viu o que fez e gostou.

Então, Ele criou a terra,
cheia de matas, morros e montanhas,
cheia de pedras, planícies e plantações.
Deus viu o que fez e gostou.

Então, Ele plantou na terra
muitas sementes e muitas árvores,
muitas flores e muitas frutas.
Deus viu o que fez e gostou.

Então, Ele colocou os peixes nos rios e nos mares,
e soltou as aves na terra e nos ares.
Depois, fez os animais de estimação e os bichos da floresta.
Deus viu o que fez e gostou.
Mas o que Deus mais gostou de fazer
foi criar as crianças.
Então, Deus viu o que fez e disse:
— Como elas são bonitas.

É isto que nós somos: a maior das criações de Deus. Como nos ensina o apóstolo Paulo, somos feitura (poema, obra de arte) de Deus, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas. (Ef 2.10)

Os seres humanos são diferentes dos animais. Segundo a Bíblia, Deus criou os animais segundo suas próprias espécies. No entanto, fez o homem à sua imagem e semelhança de Deus. Em outras palavras, os animais são semelhantes a si mesmos; o homem é semelhante a Deus. O ser humano, portanto, é da espécie de Deus.
Deus fez o homem para ser semelhante (próximo, amigo) dEle. Deus o fez para ter intimidade com Ele.
O autor sagrado fala do homem como sendo imagem e semelhança de Deus. As duas palavras podem significar a mesma coisa, mas podem indicar algumas características. Podemos pensar semelhante e imagem como atributos diferentes.
O homem é imagem de Deus no uso da razão. Deus é um ser racional e o homem também. Por isto, buscamos sempre agir menos por impulsos e mais pela reflexão, considerando as conseqüências de nossos atos.
O homem é imagem de Deus na capacidade de conhecer, pensar e agir. O conhecimento molda o ser humano, inclusive seu cérebro. O cérebro não apenas produz conhecimento, mas é por ele produzido, como demonstram recentes pesquisas no campo da neurobiologia. O homem, diferentemente dos animais, não toma as mesmas decisões nas mesmas circunstâncias; ele age igual ou diferentemente, como resultado de sua capacidade de refletir.
Mais que isto, o homem é semelhança de Deus.
O homem é semelhança de Deus por causa da sua liberdade. Assim como Deus é livre, o homem também o é: livre até para não ser semelhante de Deus, livre para viver para as boas obras, livre para não amá-lO.
O homem é semelhança na necessidade de se relacionar. Assim como Deus tem prazer em se relacionar com a sua criação, o ser humano tem necessidade de se relacionar com o Seu Deus e Criador e com seus semelhantes. Está na sua constituição.
Nós somos imagem e semelhança de Deus.
Por isto, podemos cantar e render a Deus forte louvor.

2. HOMEM, SAUDADE DA TRINDADE
O apóstolo Paulo também disse de outra forma a mesma verdade do Gênesis, ao cantar:

Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em Cristo; como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele em amor (Ef 1.3-4)

Não conseguimos, no entanto, andar nas boas obras, para as quais fomos criados, nem conseguimos ser santos e irrepreensíveis diante de Deus em amor.
Nossa história de amor foi interrompida por um lamentável fato, chamado queda.
Nós temos hoje dificuldade de olhar o ser humano nesta dupla perspectiva: a da criação e a da queda.
Nossas dificuldades de nos relacionarmos uns com os outros advêm, em parte, desta falta de perspectiva.
Na queda, a imagem e a semelhança de Deus foram expulsas do ser humano. Delas ficou apenas a saudade.
Podemos pensar esta realidade de duas formas.
Podemos pensá-la como sendo um quadro pintado por um grande artista, do qual só restou a moldura. Deus nos fez sua imagem e semelhança. Nossa recusa apagou de completamente esta imagem e semelhança. Vivemos da saudade delas, de que nos lembram a moldura. Ainda vivemos na moldura de Deus, mas não conseguimos mais reproduzir seu retrato em nós.
É a queda que explica nossas decepções com o ser humano.
Se eu perguntasse: quem não agüenta o ser humano? a maioria se arrolaria no rol dos que não convivem com a idéia de que o homem se porte como se porta.
Deus também se cansou, como ainda lemos em Gênesis.

Viu o Senhor que era grande a maldade do homem na terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era má continuamente. Então, arrependeu-se de haver feito o homem na terra e isso lhe pesou no coração. E disse o Senhor: Destruirei da face da terra o homem que criei, tanto o homem como o animal, os répteis e as aves do céu; porque me arrependo de os haver feito. (Gn 6.5-7)

Esta seção de Gênesis 6 continua de uma maneira maravilhosamente surpreendente e dá o tom do Evangelho da Redenção.

Noé, porém, achou graça aos olhos do Senhor. (Gn 6.7)

Estamos, pois, vivos porque fomos alcançados pela graça de Deus. Como também celebrou o apóstolo Paulo:

Deus, sendo rico em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele, e com ele nos fez sentar nas regiões celestes em Cristo Jesus, para mostrar nos séculos vindouros a suprema riqueza da sua graça, pela sua bondade para conosco em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus (Ef. 2.5-8)
Deus restaurou nossa imagem e semelhança. Sua obra não está completa. Falta a moldura.
A queda foi muito profunda. Ainda gememos as dores da queda.

Sabemos que toda a criação, conjuntamente, geme e está com dores de parto até agora; e não só ela, mas até nós, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, aguardando a nossa adoração, a saber, a redenção do nosso corpo, porque na esperança fomos salvos (Rm 8.22-24a).

Somos um retrato pintado por um grande artista, mas que está sem moldura. A obra está pintada, mas não tem grandeza. O fruidor tem que imaginar a moldura. Não se sabe onde terminam os traços do pintor. Não é assim que nos devemos nos auto-retratar, se somos honestos?

3. HOMEM, PRESENÇA E SAUDADE DE DEUS
Precisamos entender a natureza do ser humano, natureza dupla, porque imagem e semelhança de Deus, mas imagem e semelhança ruídas (decaídas) e imagem e semelhança restauradas.
O homem, portanto, vive na presença e na saudade de Deus.
Por isso, agimos como agimos. Por isso, nos decepcionamos e decepcionamos.
Um dia desses um de nossos irmãos, recentemente chegado a fé em Cristo, telefonou, acolhendo minha sugestão, para um aniversariante que não conhecia e de quem não era conhecido. Foi recebido com rispidez (“por que você está me telefonando se nem me conhece?”) Não preciso dizer que o irmão ficou decepcionado.
Um dia desses um de nossos irmãos, recentemente chegado à nossa comunidade, deu de cara com um funcionário público, membro da Igreja, o mesmo que o tratar muito mal numa repartição pública. Não preciso dizer que o irmão ficou decepcionado.
Um dia desses… e os exemplos poderiam ser multiplicados…
Quantas pessoas não falam mais de seus problemas pela experiência de uma confissão num grupo de poucos se tornar do conhecimento de muitos!
Quantas pessoas não freqüentam mais nossa igreja por não suportar a hipocrisia (falar muito de amor e vivê-lo pouco) reinante entre nós!
Quantas pessoas… e outros exemplos poderiam ser publicados…

Para que haja conexão (e este é o tema subjacente aos meus sermões desde fevereiro), a cada um de nós falta viver aquilo que prega. E se estou em falta com alguém, sendo incoerente com aquilo que prego, de antemão peço o seu perdão. Se magoei alguém publicamente, pedirão perdão publicamente, se for admoestado.
A cada um de nós, falta também uma boa doutrina acerca da natureza humana, pelo que vou resumi-la agora.

1. Feitos para a perfeição na Criação, escolhemos a imperfeição na Queda. Felizmente fomos alcançados pela misericórdia redentora de Deus. Nossos fomos alcançados, porque Deus achou graça em nós, a exemplo do que sentiu por Noé.

2. Nossa imagem e semelhança originais foram restauradas pela Graça. Assim, quem está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo (2Co 5.17). A obra desta recriação só ficará completada no nosso encontro final com Jesus Cristo. Até lá viveremos duas personalidades (a do homem novo e a do homem velho, com elas se revezando no pódium…)
Estamos, de certo modo, viciados numa certa antropologia pregada pelas telenovelas, em que o herói é herói sempre e o bandido é bandido sempre.  Nossa antropologia deve ser a bíblica. O ser humano não é sempre bom. O ser humano não é sempre mau. Somos as duas coisas ao mesmo tempo. Somos capazes de viver papéis de bandidos e heróis num mesmo capítulo da vida.
Parte de nossas decepções advém da falta de compreensão desta faceta da natureza humana.

3. Apesar de ser o que somos, Deus nos olha como olhou Noe: com graça. Precisamos olhar os outros com graça. Não é com esses olhos que queremos ser olhados? Por que não olhamos assim também? Olhemos para o outro e para nós mesmos como pessoas redimidas, sobre quem a queda ainda afeta.

4. CONCLUSÃO
Você está decepcionado com alguém?
Já parou para pensar em quantas pessoas estão decepcionadas com você?
Ajude estas pessoas a se livrarem do lado sombrio da sua natureza. Não procure se livrar delas, afastando-se, desacreditando para sempre delas. Isto vai apenas afugentá-lo para a amargura e para a infelicidade.
Peça a Deus para lhe ajudar na sua própria luta em procurar viver os padrões dEle. As pessoas terão prazer em se relacionar com você.
Busque a conexão.
Peça a Deus para lhe ajudar a amar, seguindo o perfeito e singular exemplo de Jesus Cristo.
Só assim nossa Igreja andará em santa união.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO
Mensagem disponível em www.prazerdapalavra.com.br

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