Gênesis 39: VENCENDO A SEDUÇÃO DO PRAZER

Gênesis 39: VENCENDO A SEDUÇÃO DO PRAZER
(Da série: CRESCENDO COM JOSÉ DO EGITO, 2)

(Preparado para ser pregado na IB Itacuruçá, em 13.2.2005)

(1) José havia sido levado para o Egito, onde o egípcio Potifar, oficial do faraó e capitão da guarda, comprou-o dos ismaelitas que o tinham levado para lá. (2) O Senhor estava com José, de modo que este prosperou e passou a morar na casa do seu senhor egípcio.
(3-4) Quando este percebeu que o Senhor estava com ele e que o fazia prosperar em tudo o que realizava, agradou-se de José e tornou-o administrador de seus bens. Potifar deixou a seu cuidado a sua casa e lhe confiou tudo o que possuía.
(5-7) Desde que o deixou cuidando de sua casa e de todos os seus bens, o Senhor abençoou a casa do egípcio por causa de José. A bênção do Senhor estava sobre tudo o que Potifar possuía, tanto em casa como no campo. Assim, deixou ele aos cuidados de José tudo o que tinha, e não se preocupava com coisa alguma, exceto com sua própria comida.
José era atraente e de boa aparência, e, depois de certo tempo, a mulher do seu senhor começou a cobiça e o convidou:
— Venha, deite-se comigo!
(8-9) Mas ele se recusou e lhe disse:
— Meu Senhor não se preocupa com coisa alguma de sua casa, e tudo o que tem deixou aos meus cuidados.  Ninguém desta casa está acima de mim. Ele nada me negou, a não ser a senhora, porque é a mulher dele. Como poderia eu, então, cometer algo tão perverso e pecar contra Deus?
(10) Assim, embora ela insistisse com José dia após dia, ele se recusava a deitar-se com ela e evitava ficar perto dela.
(11-12) Um dia ele entrou na casa para fazer suas tarefas, e nenhum dos empregados ali se encontrava. Ela o agarrou pelo manto e voltou a convida:
— Vamos, deite-se comigo!
Mas ele fugiu da casa, deixando o manto na mão dela.
(13-15) Quando ela viu que, ao fugir, ele tinha deixado o manto em sua mão, (14) chamou os empregados e lhes disse:
— Vejam, este hebreu nos foi trazido para nos insultar! Ele entrou aqui e tentou abusar de mim, mas eu gritei. Quando me ouviu gritar por socorro, largou seu manto ao meu lado e fugiu da casa.
(16) Ela conservou o manto consigo até que o senhor de José chegasse à casa. (17) Então repetiu a história:
— Aquele escravo hebreu que você nos trouxe aproximou-se de mim para me insultar. (18) Mas, quando gritei por socorro, ele largou seu manto ao meu lado e fugiu.
(19-20a) Quando o seu Senhor ouviu o que a sua mulher lhe disse: “Foi assim que o seu escravo me tratou”, ficou indignado. Mandou buscar José e lançou-o na prisão em que eram postos os prisioneiros do rei.
(20b-23) José ficou na prisão, mas o Senhor estava com ele e o tratou com bondade, concedendo a simpatia do carcereiro. Por isso o carcereiro encarregou José de todos os que estavam na prisão, e ele se tornou responsável por tudo o que lá sucedia. O carcereiro não se preocupava com nada do que estava a cargo de José, porque o Senhor estava com José e lhe concedia bom êxito em tudo o que realizava.

José foi um homem cuja vida foi virada pelo avesso varias vezes. Ele saiu de um lar seguro, onde era protegido pelo pai, para  um poço em que foi posto pelo ódio dos seus irmãos. Num gesto de “generosidade”, não foi morto, mas vendido como escravo para traficantes de seres humanos. Depois de uma longa viagem, foi revendido para um membro da elite egípcia, encarregado do sistema penitenciário do país.
E sua vida continuou a mudar. Deus o transformou num rei Midas agradecido. Segundo a mitologia grega, o rei Midas pediu ao deus Dioniso um presente: que tudo o que tocasse fosse transformado em ouro reluzente. E recebeu o que queria: um ramo que arrancou de uma árvore virou ouro. Depois, pegou uma pedra no chão, logo transformada numa pepita reluzente. Quando chegou em casa e tocou as maçanetas da porta, elas também viraram maçanetas de ouro. Sua alegria durou pouco. Na hora do almoço, pegou um pedaço de pão que ficou duro como uma pedra de ouro. Pôs a carne na boca, mas a carne transformada em ouro rangeu entre seus dentes. Quando foi beber o vinho, desceu pela boca um líquido de ouro. Midas acabou amaldiçoando a estupidez do seu pedido e rogou ao deus Dioniso que desfizesse o encanto.  SCHWAB, Gustav. As mais belas histórias da antiguidade clássica: os mitos da Grécia e de Roma. São Paulo: Paz e Terra, 1994, v. 1, p. 101-103.
Com José, foi diferente. Quem o abençoava não era um deus mágico da imaginação querendo ensinar uma lição, mas o Deus real da história, que estava com ele. Por isto, a vida de José continuou a mudar. Misturado à escravaria, ele novamente se destacou. E Potifar, chefe do serviço real de carceragem, destacou-o para servir na sua própria casa. Na mansão, o alto funcionário do faraó do Egito, quando percebeu que o Senhor estava com ele (verso 3) tratou de promove, designando-o como seu mordomo.
O resultado é que, por causa de José, o próprio ministro do sistema prisional foi abençoado, inclusive suas propriedades agrícolas. As coisas iam tão bem que, com o tempo, até a mulher do patrão começou a gostar dele também. Aos poucos no entanto, o olhar dela se desviou de sua competência profissional para sua aparência corporal. Dentro de mais algum tempo, a patroa se apaixonou pelo escravo.
E a vida de José continuou a mudar. Achando que seria fácil torna seu amante, chamou-o, mas o empregado recusou o convite. José continuou na sua recusa, que tornava clara evitando ficar perto dela sozinho. Um dia em que teve que entrar, ela o agarrou, mas, atento e rápido, ele escapou. No entanto, a mulher conseguiu ficar com a sua capa, tendo ele escapulido com as roupas debaixo.
E a vida de José continuou a mudar. Foi fácil para uma mulher de sua posição inventar uma história que incriminasse o mordomo. O marido puniu, então, José, enviando “generosamente” para a cadeia, em lugar de mata em defesa da sua honra.

1. UM CORPO QUE CAI
O caminho da mulher de Potifar pode ser o nosso também. Muitas pessoas, homens e mulheres, têm trilhado a mesma senda do erro. O percurso da mulher de Potifar precisa ser evitado.

1.1. Anatomia da queda
A compreensão da anatomia da sua queda pode nos ajudar a ficar em pé e não cair como ela caiu.

1.1.1. A mulher de Potifar desejou José.
Talvez a mulher de Potifar tivesse hábitos adúlteros e José fosse mais um em sua lista. Talvez, e mais provavelmente, por causa do seu comportamento irresponsável, a mulher de Potifar tenha-se deixado encantar pela conversa e pelo porte físico do hebreu.
Há mulheres e homens assim que, de repente, são tomados por uma paixão arrebatadora, proibida ou não, capaz de levar-lhes a atitudes impensadas, sadias ou não. Não há nada de mais na paixão, desde que ela não controle.
Faltou à mulher de Potifar parar de desejar, porque desejava o que lhe estava interditado. Falta a homens e mulheres na mesma situação a decisão de parar de desejar.

1.1.2. A mulher de Potifar desejou José porque olhou para José.
Ela desejou porque olhou, olhou como não devia olhar. Depois que seu olhar a seduziu, ela tentou seduzir quem não a olhava. Na verdade, a mulher de Potifar deixou que seu olhar conduzisse sua vida. Podia não ser o olhar, porque podia ser o ouvir ou podia ser o ler.
José lhe era querido por seu porte físico e também porque lhe era proibido. Ele era solteiro, mas ela era casada. Ele era um escravo, mas ela era da aristocracia, num tempo em que não havia nenhuma (porque hoje há alguma) mobilidade entre as classes sociais. Para ela, aquela seria mais que uma aventura; seria uma conquista, uma afirmação da sua alegada superioridade.
Por todos estes aspectos, ela não parou de olhar para José, porque esta é a decisão: quem quer parar de desejar tem que parar de olhar. Há sempre convites ao olhar, a porta para o desejar. A campanha dos programas chamados de “reality shows” se firma neste convite: olhe. Há um anúncio na rua com a seguinte provocação para os assinantes de TV paga: “Se você for homem, assine o canal FX”. A publicidade pressupõe que se trata de um canal proibido, exclusivo para homens, certamente com imagens de sexo. Não faltam tentações.
Eis, portanto, o que deve fazer quem deseja o que não deve desejar: não olhe; desvie o olhar. A recomendação de Jesus deve ser entendida em sua radicalidade psicológica, não biológica: “Se o seu olho o fizer tropeçar, arranque-o e jogue-o fora. É melhor entrar na vida com um só olho do que, tendo os dois olhos, ser lançado no fogo do inferno” (Mateus 18.9). Afinal, sabia-o Jesus, são os olhos que iluminam o corpo (Mateus 6.22).

1.1.3. A mulher de Potifar tanto desejou José que planejou seduzi.
Como não parou de olhar, ela precisou realizar o seu desejo. Ela apenas comprovou a lógica perfeita de Jesus: “Qualquer que olhar para uma mulher para deseja, já cometeu adultério com ela no seu coração” (Mateus 5.28).
Para ir além do coração, a mulher de Potifar planejou o ataque. Ela esperou a hora oportuna, quando não houvesse testemunhas para sua traição. A mulher de Potifar ainda tinha algum controle da situação; por isto, conseguiu esperar.
Enquanto esperava, insistia. Ela convidava “José todos os dias” (verso 10). Ela sabia que ninguém resistia uma tentação permanente, insistente e persistente. Ela contava com a fraqueza de José; um dia, ele cederia; uma dia, sua defesa ruiria; um dia, as barreiras desabariam.
Este é o programa da tentação. A mulher de Potifar conhecia a alma humana; só não conhecia a alma forte de José, mas nem todos querem ter almas fortes…
A tentação não enredou José, mas derrubou a mulher. Como José lhe disse “não”, ela perdeu o controle da situação, controle do qual até então se orgulhava. O desejo produz o desequilíbrio interior. Como diz Tiago, “cada um, porém, é tentado pelo próprio mau desejo, sendo por este arrastado e seduzido. Então esse desejo, tendo concebido, dá à luz o pecado, e o pecado, após ter se consumado, gera a morte” (Tiago 1.14-15).
Rejeitada, quis José assim mesmo. Recusada, agarrou, mas só conseguiu reter o seu manto, não o seu corpo. Repudiada, transformou seu desejo em ódio, a verdade em mentira, com o manto na mão. Na verdade, todo pecado inclui a mentira. Faz parte do script de todo pecado. Tente pecar sem mentir; não pecará. Em sua mentira, envolveu o próprio marido. Deve ter vivido o resto da vida com a culpa de ter odiado a quem dizia amar e de ter mentido a quem a amava.

1.2. Anatomia de uma escolha
Por que a mulher de Potifar escolheu este caminho? Suas atitudes eram a face clara da sua intimidade.

1.2.1. A mulher de Potifar colocou o estético acima do ético ao seduzir José.
Para ela, a busca e a vivência do prazer estão acima do dever; o momento vale mais que a duração; o agora não precisa do amanhã.
Sabemos que o estético é fundamental; não dá para viver sem a dimensão do prazer. Sem a contemplação da beleza nenhum humano ser sobrevive. A arte e a religião são lugares privilegiados da experiência do prazer, com a diferença que a religião não descura do dever. A Bíblia, que se lê com prazer, que fala de um Deus que se contempla e nos contempla, nos convida ao equilíbrio, não à negação, entre prazer e dever. O ensino bíblico é que não sejamos como a mulher de Potifar, e o somos quando pomos o estético acima do ético, em qualquer campo de nossa vida, e não apenas na área sexual. Um culto, por exemplo, não é apenas para nos dar prazer, mas também para nos ensinar a viver de modo santo, que é o modo que vale a pena, mesmo quando o modo santo nos põe em rota de colisão com desejos fugazes.

1.2.2. A mulher de Potifar só queria usar José
Para ela, as pessoas são seres ou corpos que podem ser utilizados e, depois, jogados fora;não há dignidade no outro, visto apenas como um objeto de satisfação.
A prova da sua visão pragmática está no fato que, não podendo usar José, acusou-o do que não fez, pondo injustamente em risco a vida do escravo outrora desejado. Ela só queria usar, sem nenhuma vergonha. Para ela, e para muitas pessoas, os fins justificam os meios.
Somos como a mulher de Potifar quando usamos as pessoas, para obter o que nos apraz. Somos como a mulher de Potifar quando tentamos tirar de Deus o que Ele nos pode dar, quando o transformamos numa caixa-de-bênçãos-24-horas, quando Lhe damos as costas por não termos recebido o que tanto pedimos.

1.2.3. A mulher de Potifar usou de sua posição superior para assediar José.
Ela é o chefe que assedia. E ao faze, dão ao outro a impressão que quem cede lhe é igual. No caso de José, ela tentava lhe dizer, ao lhe tentar, que se ele cedesse, deixaria de ser escravo, ascenderia socialmente, trabalharia menos, teria um futuro melhor. A mentira era parte integrante da sua tentação, que era assim mais forte.
Ela é o forte que diminui. Ela é como aquele ou aquela que recebe quem precisa de ajuda e se aproveita desta condição para diminuir o outro, afirmando a sua força pela fraqueza do outro. Há várias maneiras de se abusar do outro; o abuso sexual não é a única violência que se pode cometer. O abuso pode ser emocional, profissional ou espiritual. E todos que estão na condição da mulher de Potifar podem agir como ela.

***
Lendo de novo a história, pode parecer que a mulher de Potifar se saiu bem em sua maldade quase assassina. De fato, a história não lhe segue o itinerário; nada mais sabemos dela. A narrativa termina com a sua vitória e a derrota de José, preso.
No entanto, o texto lhe faz justiça, ao não lhe dizer o seu nome. Ela ficou na história como um ser menor, sem nome, apenas “mulher de alguém”. Seu anonimato pode ser tomado como o epitáfio dos maus, esquecidos como se estivessem mortos (Salmo 31.12). Seu nome, um dia tão em evidência, não pôde ser encontrado (Salmo 37.36). A memória da mulher de Potifar ficou entregue ao esquecimento (Eclesiastes 9.5 — ARA). Não há dúvida: A memória deixada pelos justos será uma bênção, mas o nome dos ímpios apodrecerá (Provérbios 10.7). O justo nunca será abalado e o ficará para sempre na memória (Salmo 112.6), porque o Senhor cuida da vida dos íntegros, e a herança deles permanecerá para sempre (Salmo 37.18).

2. UM CORPO QUE FICA EM PÉ
Não é, no entanto, o que parece. José passa de “rei” (como Midas) a prisioneiro. A prisão parece perseguir o filho de Jacó. Os interlúdios da sua vida são passados nas prisões, piores que o poço de Dota, porque  eram escuras, imundas e úmidas, não tinham banheiro nem banhos regulares de sol, propícias, portanto, ao surgimento das mais variadas doenças. Este sofrimento natural estava acompanhado do terror da possibilidade da morte, que podia ser decretada a qualquer instante. Foi o que José mereceu por ter ficado firme.
Não é que nos sentimos por vezes, ao termos tomado uma decisão certa, por termos ficado ao lado da verdade bíblica?

2.1. Anatomia da firmeza
E por que José permaneceu firme mesmo diante da tentação diária? Em nenhum momento, a sua defesa, diante do perigo iminente, se enfraqueceu. A mulher lhe convidava todos os dias, e como é duro resistir, a um convite persistente, especialmente quando aparentemente tão bom e particularmente quando se tem 20 anos, como provavelmente era a idade do rapaz. Se cedesse, teria a possibilidade de pôr a culpa na mulher; poderia até dizer que cumprira ordens superiores, como aqueles cruéis militares da prisão de Abu Grab.

2.1.1. José se manteve firme porque sabia que Deus é santo.
A chave da sua integridade está expressa no verso 9: como, pois, cometeria eu tamanha maldade e pecaria contra Deus? Ele sabia que Deus é santo. Menos privilegiado que nós, que temos centenas de textos bíblicos a nos afirmar esta verdade, ele o sabia pela tradição recebida e pela própria experiência. Antes de Moisés, ele sabia que o Deus santo quer se relacionar com pessoas santas: eu sou o Senhor, o Deus de vocês; consagrem-se e sejam santos, porque eu sou santo (Levítico 11.24). Consagrem-se, porém, e sejam santos, porque eu sou o Senhor, o Deus de vocês. Obedeçam aos meus decretos e pratiquem. Eu sou o Senhor que os santifica (Levítico 20.7-8) Vocês serão santos para mim, porque eu, o Senhor, sou santo (Levítico 20.26).
Por conhecer a Deus, José sabia do significado do pecado. Ele tinha uma idéia clara do pecado, sem concessão ao relativismo, sem apelo a auto-justificativas. Faltar à honestidade para com o seu senhor era pecar contra Deus. Ceder à sedução da sua senhora era pecar contra Deus.
A força do pecado está em nossa ignorância de quem Deus é. O pecado nos derruba toda vez em que nós usamos adjetivos para torna o que ele não é: um atentado contra Deus. Toda vez que perdemos a noção de que o maior prazer de um ser humano é conhecer a Deus ganhamos a noção de que o pecado não é tão trágico assim. E quanto perdemos esta noção, nos afundamos nele e nos afastamos de Deus.

2.1.2. José se manteve santo porque sabia que Deus estava com ele.
Tudo que lhe acontecia, especialmente a prosperidade em meio à dificuldade, sabia-o José, vinha de Deus.
Seu sucesso no campo gerencial era apenas uma evidência, mas não a única do modo como se sentia amado por Deus. José não percebia o seu trabalho apenas como um ganha-pão, mas como um ganha-almas. Seu trabalho era para abençoar pessoas. Sua vida era para abençoar pessoas.
Sabendo-se amado por Deus, ele não trocaria o amor leal de Deus pelo amor falso de uma senhora da elite. Não precisava do prazer do pecado para suprir as suas necessidades, preenchidas sempre por Deus, que o livrara da morte tantas vezes.
Se Deus estava com ele, seria fortalecido para viver, mesmo que lançado de novo numa masmorra. Apesar de aparentemente vencido, tinha confiança que seria honrado em sua decência, o que ocorreu. Segunda a linda síntese sagrada, José ficou na prisão, mas o Senhor estava com ele e o tratou com bondade, concedendo a simpatia do carcereiro. Por isso o carcereiro encarregou José de todos os que estavam na prisão, e ele se tornou responsável por tudo o que lá sucedia. O carcereiro não se preocupava com nada do que estava a cargo de José, porque o Senhor estava com José e lhe concedia bom êxito em tudo o que realizava (20b-23).
Deus estava no comando de sua vida, mesmo que parecesse que estivesse desamparado e injustiçado.

2.1.3. José se manteve íntegro porque tinha uma visão correta acerca da vida.
Além de sua visão de Deus, José, formoso de porte e de aparência (verso 6b), sabia da efemeridade da beleza. Tinha ele, portanto, uma boa visão de si mesmo. Sabia que não podia dirigir a sua vida pelos seus olhos; não podia ser dirigido por sua beleza; não podia ser conduzido por seus músculos.
Além da insustentável leveza de qualquer beleza, José sabia que desculpas não o eximiriam do seu pecado. Um homem “levado” e “comprado” poderia usar estas circunstâncias para se deixar derrotar pela auto-comiseração (“Já que ninguém gosta de mim, a vida que se dane, a moral que se arrebente; vou é ser feliz agora, nem que seja por um momento. Não me resta mais nada na vida mesmo”). Ceder à mulher de Potifar era sua chance, mesmo que fugidia, de dar a volta por cima ou de parecer que dava a volta por cima…
Se não tivermos uma visão correta acerca de nós mesmos, vamos nos afundar. Vamos nos relacionar com um deus que não existe; vamos nos deixar levar pelas aparências; vamos usar a nossa fraqueza para justificar as nossas fraquezas.

2.2. Estratégias da vitória
A sabedoria deste jovem é extraordinária. Podemos todos nós, não importam as nossas idades, aprender estratégias de vitória sobre as tentações.

2.2.1. José não gostou de ser desejado.
José devia estar emocionalmente fragilizado; sua auto-estima tinha tudo para roçar o chão. Rejeitado pelos irmãos, transformado em mercadoria, tudo o que queria era fazer o seu trabalho. Não tinha nada, nem mesmo sua túnica colorida, dada pelo seu pai. Eis que, então, a patroa o cobiça. Mesmo sabendo que aquele seria um amor impossível, poderia ter se sentido lisonjeado. “Finalmente, alguém olha para mim como gente”, poderia ter pensado. Muitas quedas começam aí. Homens ou mulheres rejeitados são presas fáceis para os sedutores de plantão porque, secretamente também, curtem a curtição.
Se queremos vencer como José, devemos rejeitar o prazer de sermos desejados. Mesmo as admirações secretas devem ser podadas, porque um dia elas podem deixar o segredo e se insinuar. José cortou o mal pela raiz; ele cortou o mal em si mesmo, já que não podia cortar na mulher que o tentava.

2.2.2. José não deixou de viver por causa da tentação.
Para não ser acusado de negligente, José entrou na casa para fazer o seu trabalho. José não ficou paralisado diante do perigo, mas o enfrentou. Ele não tinha escolha. Não tinha outro para ir; aquele era o seu lugar de escravo.
No entanto, ele fez algo notável. Ele evitava ficar perto dela (verso 10). Ele se conhecia o suficiente para saber quem está em pé deve ficar atento para não cair (1Coríntios 10.12). Esta foi sua maneira de resistir ao diabo (Tiago 4.7). E Deus, que é fiel, confirmou sua decisão e o guardou do maligno (2Tessalonicenses 3.3). A promessa divina continua válida. E Deus aguarda que desenvolvamos nossos cuidados, para dificultar a ação de Satanás sobre as nossas vidas; não lhe podemos dar moleza, porque ele está em volta de nós para nos tragar (1Pedro 5.8).

2.2.3. José não perdeu a noção do certo e errado.
Num país estrangeiro aquilo que aprendeu como certo na sua terra podia não valer agora. José não caiu neste erro; ele não confundir verdade com erro; não relativizou o errado. Por mais justificativas que tivesse para o seu ato, não o cometeu, porque manteve uma visão correta acerca do pecado. Ele não trairia apenas o Potifar, mas trairia o Deus que estava com ele.
Em termos mais modernos, não era libertino, achando que o que o corpo faz não tem nada a ver com a alma. Toda a sua vida estava nas mãos de Deus: sua beleza e história; seu corpo e sua mente; seu físico e sua alma. Deus era mesmo o seu Senhor. Tudo o que pensava ou fazia era espiritual. O trabalho era o território da soberania de Deus sobre a sua vida, não apenas um ganha-pão. Seus relacionamentos eram o campo em que Deus agia livremente e ele obedecia prazerosamente.

2.2.4. José não teve medo do preço a ser pago por sua decisão.
Toda escolha tem um preço. Ceder à mulher de Potifar poderia ter um preço, que José não sabia qual, descoberto ou não. Não ceder tinha um preço imediato: a ira da mulher viria sobre ele, como veio.
Fazer o certo não era nutrido pela eventual recompensa. Mesmo que não fosse recompensado por fazer o certo, ele faria o certo.
O preço foi a prisão imediata, mas poderia ser a morte, e a nódoa que ficou sobre a sua biografia. A injustiça nunca foi reparada. A biografia de José ficou injustamente para sempre manchada.
Só lhe importa um julgamento: o de Deus. Mesmo quando José saiu do poço para o topo, dez anos depois, não consta no texto bíblico seguinte que tenha ido buscar Potifar para lhe punir pela injustiça por causa da mentira da sua mulher.
Há um preço pela obediência a Deus a ser pago no tribunal dos homens. No entanto, o que importa mesmo é ser absolvido no tribunal de Deus, diante do qual todos comparecemos a cada dia. Ele parecia ler o que nós podemos, isto é, o apóstolo Paulo nos ensinando: Pouco me importa ser julgado por vocês ou por qualquer tribunal humano; (…) o Senhor é quem me julga. (…) Esperem até que o Senhor venha. Ele trará à luz o que está oculto nas trevas e manifestará as intenções dos corações. Nessa ocasião, cada um receberá de Deus a sua aprovação (1Coríntios 3.3-5).

***
Quem queremos ser?
A mulher de Potifar, sem nome, escrava do desejo, tornado seu deus?
José, com um nome e uma longa história vivida na certeza que Deus estava com ele?

plugins premium WordPress