Gênesis 42-46: A VITÓRIA DO EQUILÍBRIO

(Da série UM VENCEDOR CHAMADO JOSÉ)

1. JOSÉ CONSPIROU PARA A BONDADE
“Eu sou José, alguém que poderia amar ou odiar, mas que preferiu amar”.

Ele reconheceu seus irmãos vários anos depois de sua venda como escravo. Não sabemos o que se passou no seu íntimo. Um desejo de justiça, agora em suas mãos, pode lhe ter passado pela mente, mas o seu caráter logo se revelou: ele podia ajudar seus irmãos com mais do que o alimento a ser vendido; ele podia trazê-los de volta junto com seu irmão Benjamim e seu pai, se estivesse vivo. Por isto, conspirou (chegando a mentir) para lhes fazer o bem.
Em sua conspiração, não se deu a conhecer. Chegou a lhes falar asperamente, embora, não fundo, quisesse beijá-los e voltar com eles a Canaã.
Depois, acusa seus irmãos de espiões e os detém por três dias, evitando com isto que saíssem pelo Egito e descobrissem a verdadeira identidade dele, o que poderia pôr em risco seu plano. Em seguida, põe-os à prova, para que lhe tragam também Benjamim.
Pouco depois, para demostrar sua severidade, algema Simeão, que participara ativamente do complô para matá-lo e o faz refém (Gênesis 37). Em seguida, despede-os, com uma boa provisão de alimentos, para que voltem a Canaã, mas sem o refém, para se certificar que voltariam.
Algum tempo depois, quando a comida acabou, os nove, agora dez, porque Benjamim estava com eles, retornaram ao Egito. De novo, ele os recebe numa festa, solto o refém. Neste almoço, Benjamim recebe cinco vezes mais alimento.
Só então sua conspiração para a bondade chegou ao clímax. José enche as bagagens dos irmãos, mas põe uma taça de prata na bagagem de Benjamim. Eles partem e José manda persegui-los e descobrirem o falso furto. São trazidos de volta. Trava-se um emocionante diálogo (Gênesis 44.15-34), ao final do qual José revela a sua identidade.
Em toda a história de José não há um momento sequer em que o ódio superou o amor.  Ela forma um contraste com aqueles que conspiram para fazer o mal. Ele conspirou para fazer o bem. Quem conspira para o mal recebe geralmenteo mal. José recebeu o bem (reviu seu irmão, abraçou de novo seu pai e reuniu sua família). Quem faz o bem pode receber o bem. Mas o melhor bem que recebe é fazer o bem.

2. JOSÉ ACERTOU AS CONTAS COM O PASSADO
Eu sou José, alguém livre do passado, mesmo que doloroso.
No Egito, mesmo no topo do poder, José era um estrangeiro sem notícias de sua terra e de sua família.
Havia muitas interrogações na vida de José. Que era feita da sua família? Seu pai tinha morrido? Seu irmão mais novo sobrevivera à companhia dos seus irmãos? A fome tinha chegado lá?
A história de José é a história das famílias que não puderam enterrar seus filhos, mortos pelos governos militares do Brasil, da Argentina, do Chile e do Uruguai.
A história de José é também a história de pessoas cujos passados são pesadelos. Um menino foi rejeitado ainda no ventre, e nunca mais se achou aceito por ninguém. Um cônjuge foi traído, e nunca mais confiou em ninguém. Uma morte de uma pessoa querida é vivida como uma morte que poderia ter sido evitada. Uma oportunidade não aproveitada pende como um espantalho sobre todas as oportunidades. Um filho que se desviou do bom caminho é um outdoor de acusação. Um amor não correspondido é um fantasma que assalta.
José tinha feridas abertas. Por que seus irmãos o odiaram? Teria o seu pai feito algo para salvá-lo?
Quando encontrou seus irmãos e ao não ser reconhecido, talvez por suas roupas oficiais, José se recordou dos sonhos que tivera com os irmãos  (Gênesis 42.9). Ali começou a fechar as feridas abertas da sua vida.
Leiamos o relato destes sonhos (Gênesis 37.5-10):

“Certa vez, José teve um sonho e, quando o contou a seus irmãos, eles passaram a odiá-lo ainda mais.
— Ouçam o sonho que tive”, — disse-lhes.
Estávamos amarrando os feixes de trigo no campo, quando o meu feixe se levantou e ficou em pé, e os seus feixes se ajuntaram ao redor do meu e se curvaram diante dele. Seus irmãos lhe disseram:
— Então você vai reinar sobre nós? Quer dizer que você vai nos governar?
E o odiaram ainda mais, por causa do sonho e do que tinha dito. Depois teve outro sonho e o contou aos seus irmãos:
— Tive outro sonho, e desta vez o sol, a lua e onze estrelas se curvavam diante de mim.

No primeiro sonho, os irmãos de José estavam com ele no campo e, de repente, como feixes, os irmãos se curvaram diante dele. No segundo sonho, os onze também se curvavam diante dele. A profecia continuava pendente, porque só dez estavam ali diante dele. Cf. GOLDBERG, Hillel Goldberg. Joseph’s dreams, Karl’s dreams. Disponível em <http://www.jewishworldreview.com/121097/goldberg1.html> Dentro de pouco tempo, esta parte da história de José deixaria de ser uma veia aberta.
Tido como morto, José estava vivo e tratou os vivos como vivos.
O passado deixou de fustigá-lo. Ele chamou o passado para o presente e resolveu as pendências todas.

3. JOSÉ TEVE EQUILÍBRIO NAS EMOÇÕES
“Eu sou José, alguém amado por Deus”.

José teve força para tratar seus irmãos como se não os conhecesse. (Gênesis 42.7)
Muito emocionado, por duas vezes teve forças para se retirar e chorar em segredo, de modo a não pôr em risco sua conspiração para a bondade (Gênesis 42.24) ou a poder esperar a a hora de se derramar diante do irmão mais novo (Benesis 43.30); nesta oportunidade, chorou e lavou o rosto, controlando-se (Gênesis 43.31).
Quando chegou a hora de se revelar, esgotada a sua resistência, diz a Bíblia que

“A essa altura, José já não podia mais conter-se diante de todos os que ali estavam, e gritou:
— Façam sair a todos!
Assim, ninguém mais estava presente quando José se revelou a seus irmãos. E ele se pôs a chorar tão alto que os egípcios o ouviram, e a notícia chegou ao palácio do faraó. Então disse José a seus irmãos:
— Eu sou José! Meu pai ainda está vivo?
Mas os seus irmãos ficaram tão pasmados diante dele que não conseguiam responder-lhe.
— Cheguem mais perto” –, disse José a seus irmãos. Quando eles se aproximaram, disse-lhes:
— Eu sou José, seu irmão, aquele que vocês venderam ao Egito!
(Gênesis 45.1-4)

O forte José, quando chorou, chorou de verdade.

Pouco depois,

“Então ele se lançou chorando sobre o seu irmão Benjamim e o abraçou, e Benjamim também o abraçou, chorando. Em seguida beijou todos os seus irmãos e chorou com eles. E só depois os seus irmãos conseguiram conversar com ele. Quando se ouviu no palácio do faraó que os irmãos de José haviam chegado, o faraó e todos os seus conselheiros se alegraram”.
(Gênesis 45.14-16).

Quando os depediu para irem buscar as suas famílias, ainda teve o bom humor para recomendar: “Não briguem pelo caminho!” (Gênesis 44.24)

. José não se sentia vítima, embora fosse; ele não desenvolvou a auto-comiseração. Ele não queria que tivessem pena dele.
Diante da dor, podemos nos converter em lágrimas abundantes. José preferiu chorar em determinados momentos, mas seguir firme a sua trajetória de vida.

. José tinha uma auto-estima equilibrada. Ele sabia o seu valor; não era o que pensavam dele que determinaria o que ele ia pensar dele; não era o que lhe faziam que determinaria o que ele faria.
Diante de como somos rejeitados, podemos nos achar zeros à esquerdas, incapazes crônicos. José confiava em si mesmo; sabia, por exemplo, que era capaz de interpretar sonhos.

. José entendeu que a vinganca (mesmo que sob o nome de justiça) é arma para o outro. A José não interessava em encontrar culpados para sua tragédia, deixando este assunto para Deus.
Diante do mal que nos fazem, podemos nos igualar aos maus ou ficar centímetros ou metros acima deles. José preferiu ficar quilômetros acima dos seus irmãos, aos retribuir a maldade com uma imensa e incondicional bondade.

. José cresceu com o sofrimento.
Podemos sair mais fracos ou mais fortes do sofrimento. José saiu forte.

4. JOSÉ COLOCOU DEUS NO CENTRO, NÃO NA PERIFERIA
“Eu sou José, aquele que Deus enviou para uma missão”

O segredo de José está nesta convicção, registrada pelo narrador bíblico:
“Agora, não se aflijam nem se recriminem por terem me vendido para cá, pois foi para salvar vidas que Deus me enviou adiante de vocês. (…) Mas Deus me enviou à frente de vocês para lhes preservar um remanescente nesta terra e para salvar-lhes a vida com grande livramento. (…) Assim, não foram vocês que me mandaram para cá, mas sim o próprio Deus. Ele me tornou ministro do faraó, e me fez administrador de todo o palácio e governador de todo o Egito.”
(Gênesis 45.5,7,8 )

. José passou pelas mais variadas situações, a maioria infelizes, precedendo a vitória. No tempo da derrota, sabia que Deus estava em ação, mesmo que silentemente. No tempo da vitória, sabia que era Deus em ação com o seu megafone.
Deus está conosco sempre.

. José não buscou culpados para suas desgraças, sabedor que Deus as transformaria em graças.
Pessoas nos fazem mal, mas Deus pode transformar estes males em bênçãos, se nós O mantivermos no centro de nossas vidas.

. José se tornou ministro do Egito por sua habilidade de advinhador de sonhos, mas esta habilidade lhe fora dada por Deus.
Temos nossos talentos, como profissionais e ganhamos dinheiro, mas ganhamos dinheiro porque Deus nos deu talentos para ganhá-los.

. José se via como parte do plano maravilhoso de Deus para abençoar as pessoas.
É assim que devemos nos ver.

plugins premium WordPress