CRISTIANISMO É JUSTIÇA E PIEDADE
Lucas 2.25
(Da série O CÂNTICO DE SIMEÃO, 1)
Pregado na Igreja Batista Itacuruca, em 3.12.2000 – manhã
1. INTRODUÇÃO
A Bíblia é plena de expressões sintéticas capazes de definir perfeitamente algumas de suas personagens.
De Enoque se diz que “andou com Deus e não apareceu mais, porquanto Deus o tomou”. (Gênesis 5.24)
Noé foi um homem em quem os olhos do Senhor acharam graça, uma vez que era “homem justo e perfeito em suas gerações, e andava com Deus”. (Gênesis 6.8)
De Abraão se diz que ele creu em Deus, que isto “lhe foi imputado como justiça” e, que por isso, “foi chamado amigo de Deus”. (Tiago 2.23)
A pergunta de Faraó aos seus servos sobre José resume o conceito que tinham dele: “Poderíamos achar um homem como este, em quem haja o espírito de Deus?” (Gênesis 41.38)
Sobre Moisés a declaração é que Deus lhe falava “face a face, como uma pessoa fala com o seu amigo”. (Êxodo 33.11)
Jó é apresentado como um “homem íntegro e reto, que temia a Deus e se desviava do mal”. (Jó 1.1)
Davi é descrito como homem segundo o coração de Deus. (1Samuel 13.14)
Estêvão é apresentado como um homem “cheio de graça e poder”, que “fazia prodígios e grandes sinais entre o povo” (Atos 6.8)
Há um profissional, Cornélio de Cesaréia, cuja vida é resumida como sendo um homem “piedoso e temente a Deus com toda a sua casa, e que fazia muitas esmolas ao povo e de contínuo orava a Deus” (Atos 10.1)
O autor de Atos, Lucas, informa que “Deus, pelas mãos de Paulo, fazia milagres extraordinários. (Atos19.11)
Que frase nos resumiria a cada um de nós?
Esperamos que sejamos como uma destas pessoas retratadas na Bíblia ou como este senhor que pegou Jesus no colo. Ora, havia em Jerusalém um homem cujo nome era Simeão; este homem era justo e piedoso e esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava sobre ele. (Lucas 2.25)
2. UM HOMEM JUSTO
Poucas pessoas, como vimos, merecem na Bíblia estes adjetivos, especialmente este: “justo”.
Em Sodoma, uma grande cidade para os padrões da época, Deus não encontrou sequer dez justos (Gênesis 18.32)
O profeta Ezequiel, referindo-se ao povo de Israel, lembra que Deus procurou apenas uma pessoa justa, capaz de interceder pelos outros e não encontro. E busquei dentre eles um homem que levantasse o muro e se pusesse na brecha perante mim por esta terra, para que eu não a destruísse; porém a ninguém achei. (Ezequiel 22.30)
2.1. Ser justo é viver como se deve viver
Simeão é apresentado como um homem justo. Uma pessoa justa é aquela que se vive como se deve viver. Um cristão sabe como deve viver. Por vezes, ele descamba ora para o excesso ora para a escassez, seja o excesso em forma de vaidade, seja a escassez em forma de impiedade. Há cristãos que se portam como ímpios e, ao fazê-lo, são piores que os ímpios, porque conhecem o caminho da integridade, enquanto os outros nunca experimentaram o delicioso sabor da justiça.
Esses cristãos se afastam a si mesmos de Cristo e perdem a maior das alegrias, que é a alegria da salvação. Esses cristãos impedem o acesso de outras pessoas a Cristo e por isto vão acertar contas com Deus. Esses cristãos decepcionam seus irmãos em Cristo e lhes servem de pedra de tropeço, pelo que também vão responder diante de Deus, como nos adverte Jesus. Qualquer que fizer tropeçar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho, e se submergisse na profundeza do mar. Ai do mundo, por causa dos tropeços! pois é inevitável que venham; mas ai do homem por quem o tropeço vier! (Mateus 18.6-7)
Um dia desses alguém me disse que teve que sair da igreja para pode ser íntimo de Deus, porque na igreja seus irmãos o afastavam do Senhor. Se houve, de fato, este tipo de escândalo, quero dizer que estão errados o afastado e o afastador. A igreja, apesar de nós, é o projeto de Deus para a edificação dos seus filhos e ninguém pode se considerar feliz fora do projeto de Deus. O cristianismo do “eu e Deus” não é cristianismo, que é sempre “Deus, nós e eu”, preferentemente nesta ordem. Pode haver crescimento no “eu e Deus”, mas será um crescimento atrofiado (torto, manco).
Eu muito me preocupo com as pessoas novas na fé, que lêem a Bíblia, mas também lêem nossas vidas. O que estão elas lendo? Integridade ou duplicidade? Discurso sobre amor e prática contrária ao amor? Palavras sobre hospitalidade e atitudes de hostilidade? Há pessoas que começam animadas na fé, mas o comportamento de alguns de nós é para elas como um alfinete espetado num balão insuflado…
Por isto, precisamos buscar reproduzir as qualidades de Simeão. O que a Bíblia diz dele se aplica a você? Você é uma pessoa justa?
2.2. Ser justo é ser o que se é
Ser justo ou íntegro é pesar apenas o que diz pesar; é ser o que se parece ou parecer o que se é. E nós só podemos ser justos quanto justificados por Deus por meio de Jesus Cristo, aquele a quem o Novo Testamento chama de Justo (Atos 3.14, Atos 7.52, Atos 22.14, Colossenses 4.11, Tiago 5.6, 1João 2.1, Apocalipse 16.5).
Portanto, o primeiro nível da justiça é ser justificado por Deus. É justo quem vive pela fé no Justo. Como nos ensina o apóstolo Paulo, no evangelho é revelada, de fé em fé, a justiça de Deus, como está escrito: “Mas o justo viverá da fé”. Pois do céu é revelada a ira de Deus contra toda a impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em injustiça. (Romanos 1.17-18) Fora da fé em Cristo não há justiça possível. Deixe de crer que você será justo. Jesus Cristo já tornou você justo, exigindo como único sacrifício de sua parte crer que Seu sacrifício único na cruz é suficiente para a sua salvação. Antes da cruz, Simeão foi justificado pela fé que esperava. Você pode ser justificado pela fé que é algo concreto em Cristo Jesus.
O segundo nível da justiça é gerar frutos próprios de pessoas justificadas. Uma laranjeira dá laranja como algo natural, sem esforço especial. Um abacateiro gera abacate como parte da sua natureza. De igual modo, um cristão deve produzir naturalmente (isto é, como parte da sua essência de fé) frutos de justiça.
Uma pessoa não justificada pode dar frutos parecidos com frutos de justiça, mas uma pessoa justificada não tem como não dar este tipo de fruto. Se você dá frutos que parecem justos, mas não foi justificado por Jesus Cristo, seus frutos parecem justos mas não são, porque têm começo e fim em você. Visam dar glória a você mesmo. Não é a justiça que justifica e salva. É a graça de Deus. Você precisa da graça de Deus para dar frutos verdadeiramente justos.
Se você se diz cristão e não dá frutos de justiça, e como tais avaliados por Deus e pelas pessoas que o cercam, você lamentavelmente não é um cristão. Há muitos cristãos que se acham justos mas não são.
3. UM HOMEM PIEDOSO
Só pode ser justo aquele é piedoso. Por isto, não temos como ser justos e ímpios, ao mesmo tempo.
Ser piedoso é ser, como traduzem outras versões, temente a Deus. Piedoso é alguém cuidadoso em relação a Deus. Piedoso é quem leva Deus a sério.
Ser piedoso é estar atento às manifestações de Deus em nossas vidas. Só as pessoas piedosas vêem os atos poderosos de Deus. Muitos em Israel esperavam a chegada do Messias, mas só creram nEle aqueles que eram piedosos.
3.1. Ser piedoso é ser íntimo de Deus.
Eis o que é ser piedoso: é ser íntimo de Deus, tendo um relacionamento com Ele como Senhor e irmão.
Quando somos íntimos de Deus, os frutos de justiçam brotam de nós naturalmente. Quando somos íntimos de Deus, Sua Palavra flui de nós sem que façamos força. Quando somos íntimos de Deus, todos ao nosso redor vêem a luz que nós projetamos.
Somos íntimos de Deus quando temos prazer em gastar tempo com Ele. Somos íntimos de Deus quando preferimos seguir os seus valores aos princípios reinantes na sociedade em que vivemos. Somos íntimos de Deus quando somos íntimos daqueles que foram íntimos dele. O que é que sabemos de Enoque? Somos capazes de recontar a experiência de Noé? Temos feito o mesmo caminho que Abraão fez, ou não temos a menor idéia de onde morava e para onde foi enviado? Vivendo num mundo secularizado como o Egito de José, temos aprendido a viver com ele viveu? Temos estado face a face com Deus, como Moisés? Em que Jó é um modelo para nós? Temos tido a disposição de Estêvão ou não sabemos que foi “esse cara”? Temos nos inspirados nos erros e nos tropeços de Davi? Como profissionais podemos ser contados na centúria de Cornélio ou nunca ouvimos falar deste militar romano? Temos permitido que, por nosso intermédio, Deus opere, como fez com Paulo? Homens normais como nós, estes homens foram íntimos de Deus. Como Enoque, todos andavam com Deus.
É aqui que começamos a fracassar e é aqui que morremos no deserto. Os cristãos temos sido íntimos dos passos dos nossos times de futebol, aos quais acompanhamos como se fossem parte de nossas vidas, quando devíamos ter intimidade com as notícias do Reino de Deus. Os cristãos temos sido íntimos dos astros da música e da televisão, sabendo quem gravou que disco, quem se separou de quem, quem está namorando quem hoje, como é o quarto do ator X ou da atriz Y, quando devíamos acompanhar em detalhes os atos de Deus na Sua palavra e na história contemporânea. Os cristãos temos sido íntimos das telenovelas, acompanhando seus capítulos como se fossem história, sofrendo as dores fictícias das suas personagens, quando pouco sabemos sobre a maior novela da história, que foi o drama da vida, morte, ressurreição e ascensão de Jesus Cristo. Os cristãos temos sido frívolos (superficiais) demais. Os cristãos temos levado os deuses deste mundo a sério e brincado com o Deus em quem dizemos crer.
3.2. Anatomia do fracasso evangélico
Vivemos um momento muito especial como evangélicos no Brasil. Os números indicam que somos um expressivo contingente populacional. Há muitos justos no Brasil, como Simeão no antigo Israel. Devemos dar graças a Deus por aqueles que vão sendo salvos, porque no céu há alegria quando um filho se reconcilia com o Pai (Lucas 15.10).
No entanto, precisamos nos incomodar com a seguinte pergunta: se o Brasil é cada vez mais de Cristo, por que continua ele tão miserável, tão corrupto, tão injusto e tão violento? Mais que lamentar, nós temos que chorar… de vergonha, porque não temos feito nenhuma diferença neste país.
Nosso erro tem sido colocar a estética acima da ética. Os evangélicos em geral entendem que ser cristão é adorar a Deus, seja este culto movido pela razão, seja este culto regado pela emoção. Não! O prazer da adoração faz parte do ser cristão, mas se ela não fluir para a vida serão apenas barulho diante de Deus, nunca adoração. Estética (beleza, emoção, prazer, culto contagiante) sem ética é lata vazia jogada num corredor. Adoração sem virtude é tentativa de manipular magicamente a Deus, não adoração, que dê glórias vivas (e não apenas de palavras) ao Senhor de nossa peregrinação.
Por isto, nosso país vive uma crise particular de integridade, que inclui a população evangélica, que tem se esquecido de ser como Simeão. Parece que cremos na possibilidade da convivência entre a justiça e a impiedade por parte de uma mesma pessoa.
Enquanto vivemos deste modo, o Brasil será como é.
4. CONCLUSÃO
Temos sido como Simeão?
Como você me avalia? Que nota você dá a você mesmo? Só Deus sabe se esta nota corresponde ao que você é. Por isto, atribua-se a nota correta.
Temos sido mestres em dar nota aos outros. Por que não nos avaliarmos também?