ENTRE DOIS COMPROMISSOS
Apocalipse 2.18-29
(Da série Carta a Igreja, 4)
Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 2.1.2000 – manhã
1. INTRODUÇÃO
A quarta carta fala muito de perto ao nosso quotidiano.
2. A QUEM SE FALA
A epístola é imaginariamente destinada aos cristãos de Tiatira (hoje Aquizar), cidade localizada a 65 km de Pérgamo. Das cidades das cartas, ela se destaca por seu intenso comércio e por suas inúmeras associações de profissionais (corporações, próximas das cooperativas de hoje). Lembram-se de Lídia, que comercializava tecidos em Filipos? Ele era de Tiatira (At 16.14).
Muitos cristãos participavam destas corporações. Eles tinham que participar para sobreviver. Eram elas que ditavam as regras do comércio e propiciavam os negócios. Fora delas não havia possibilidade de sobrevivência.
E este era o problema de Tiatira. Essas guildas (associações) exigiam muito de seus associados. Exigiam, por exemplo, que aceitassem suas regras comerciais e que participassem do seu estilo de vida, regado a festas idolátricas e orgiásticas.
3. QUEM FALA
Isto diz o Filho de Deus, que tem os olhos como chama de fogo, e os pés semelhantes a latão reluzente (v. 18b).
3.1. Quem fala é Jesus, o Filho de Deus.
Jesus afirma a sua divindade, uma reivindicação rara, mas necessária por aquilo que haveria de dizer. A religião cristã será verdadeira enquanto afirmar que Jesus é Deus. Quando abrir mão desta verdade, será uma religião qualquer, condenado a desaparecer. A divindade de Jesus dá ao cristianismo seu verdadeiro caráter, desde sua origem até sua glorificação, quando for levada em triunfo para o mundo celestial. Ela tem que proclamar a Jesus, nunca a si mesma.
3.2. Quem fala é Jesus, Aquele que tem olhos de fogo.
Jesus se apresenta como tendo olhos de fogo. Seus olhos faíscam de raiva diante do pecado e brilham de amor diante do pecador. Não há pecado que seus olhos não possam consumir; não há pecador que Ele não possa transformar.
Como cantou o poeta, ele esquadrinha o nosso andar e o nosso deitar e conhece todos os nossos caminhos. Ele viu a nossa substância ainda informe (Sl 139.3,16). Seus olhos de fogo nos penetram, para nos corrigir e para discernir nossas necessidades mais profundas.
3.3. Quem fala é Jesus, Aquele que tem pés de bronze reluzente.
Jesus se apresenta como tendo uma botina de bronze reluzente, com a qual é capaz de julgar (pisar) todos os seus inimigos, e todos os nossos inimigos, por mais poderosos que possam parecer.
Por mais ardilosos que sejam os esquemas humanos, ele os rompe. Por mais fascinantes que sejam as propostas humanas, ele não sucumbe. Podemos calçar estas botas para resistir aos esquemas e para esmagar as propostas que nos chegam como ondas poderosas ou como canções sedutoras.
4. O QUE SE FALA
Conheço as tuas obras, e o teu amor, e a tua fé, e o teu serviço, e a tua perseverança, e sei que as tuas últimas obras são mais numerosas que as primeiras. (v. 19)
4.1. Positivamente
Tiatira era uma igreja espetacular.
Tinha ela quatro marcas que poucas igrejas podem sustentar hoje: amor, fé, serviço e perseverança. Será que nossa igreja mereceria um elogio destes da parte de Jesus?
Mais que isto, a igreja crescia espiritualmente, que é o crescimento que interessa. Seu amor levava ao serviço; sua fé lhe levava à perseverança. Claro: se você ama a Deus, você cuida das pessoas. “O sinal de que você ama é a sua disposição em servir” (Stedman). Se você tem fé, você persevera, porque sabe que Deus está no controle de todas as coisas.
Como todos se envolviam a igreja crescia. Vida cristã é progresso. Jesus elogia o progresso da igreja, ao dizer que as últimas obras nas quais estava empenhada eram mais efetivas do que as primeiras. A igreja de Tiatira não se contentou com seu passado, mas se aplicava no presente.
Eis um exemplo para nós. Estamos perto de completar 64 anos. Isto diz muita coisa, que até aqui Deus nos abençoou e buscamos ser fiéis a Ele. No entanto, não podemos viver do passado, das glórias de ontem. Temos que fazer viva nossa história hoje. Devemos recordar o que já foi feito, por nós ou por outros, e fazer melhor.
Precisamos crescer numericamente, financeiramente, arquitetonicamente. Em termos de números de membros estamos estagnados há muitos anos. No ano passado, batizamos * pessoas. É muito pouco.
Em termos financeiros, absolutos e relativos, estamos andando de lado. O número de contribuintes é o mesmo há muito tempo: 313 pessoas, e somos 900 membros, contribuem a cada mês. Este número não sai disto. Os recursos financeiros nos limitam. Temos muita coisa para fazer, como adotar missionários no Brasil e no mundo, mas não temos dinheiro; como ampliar nossas obras sociais, na área da saúde e da educação, mas não temos dinheiro.
Arquitetonicamente estamos limitados. Este templo é bonito, mas não cabe nossos ministérios. Temos que usar salas do Colégio Batista (e não sabemos até quando!) para ensinar a Bíblia dominicalmente. Temos que usar o estacionamento do Colégio Batista (e não sabemos até quando!) para parar nossos carros. Nosso templo não comporta muito mais do que somos. Bom seria termos recursos financeiros sobrando para climatizar o santuário.
Precisamos crescer espiritualmente (que redundará nos outros tipos de crescimento), com mais gente lendo a Bíblia, com mais gente se comprometendo com os padrões bíblicos para a vida, com mais gente intercedendo uns pelos outros, com mais gente contribuindo financeiramente para a obra de Deus por meio da igreja, com mais gente se envolvendo na obra de evangelização, com mais gente se interessando pelos outros.
A igreja de Tiatira crescia. Seja este o nosso caminho também. Que nosso amor, nossa fé, nosso serviço e nossa perseverança cresçam a olhos vistos, para a glória de Deus. Ao dizer isto, estamos dizendo que você, que é a igreja, cresça em amor, em fé, em serviço e em perseverança, para a glória de Deus.
Vida cristã é progresso.
4.2. Negativamente
Mas tenho contra ti que toleras a mulher Jezabel, que se diz profetisa; ela ensina e seduz os meus servos a se prostituírem e a comerem das coisas sacrificadas a ídolos;
e dei-lhe tempo para que se arrependesse; e ela não quer arrepender-se da sua prostituição (v. 20-21).
No entanto, e outra vez o “mas” vem incomodar, aquela não era uma igreja sem mácula, como a nossa não é. Ela tolerava em seu meio um pecado capaz de levá-la à destruição; por isto, Jesus foi tão severo com ela.
Qual era este pecado, tão duramente tratado mas pouco explicitado (pelo menos, para nós)?
Havia na igreja alguém ensinando algo diferente dos fundamentos que os apóstolos lançaram. E a comunidade tolerava este falso (ou falsa) mestre. Seu nome simbólico era Jezabel, que conhecemos como estrangeira (filha do rei de Sidon, na Síria) casada com o rei Acabe. Ela contribuiu para que o culto a Baal, o deus da fertilidade a quem se prestavam cultos imorais, viesse a se tornar popular em Israel. Ela mesma sustentava mais de 800 profetas desse deus, os quais comiam no palácio. Ela enfrentou Elias.
O que ensinava a Jezabel de Tiatira? Ela ensinava que os fins justificam os meios!
Os profissionais da cidade pertenciam a corporações setoriais. Para sustentar suas famílias, os cristãos tinham que entrar nessas sociedades. Mas, como, se estas corporações tinham um deus-padroeiro e promoviam festas em sua honra, festas que começavam com muita comida e bebida e terminavam em orgias?
Jezabel ensinava: tudo bem; o importante é ganhar dinheiro. Não havia problema em aceitar as pressões das guildas. Deus saberia compreender. Afinal, negócio é negócio, religião é religião. Deus não podia atrapalhar os negócios. Como é que os crentes iam dar dízimos?
Os crentes de Tiatira não concordavam com Jezabel, mas a toleravam em seu meio. Alguns já estavam vivendo como ela mandava, e daqui a pouco toda a igreja adotaria seu estilo. O primeiro erro da igreja era tolerar o erro; o seguindo seria práticá-lo, aceitando como seu.
A queda começa assim.
“O que os negócios exigem, o que as profissão demandam e o que todos os exércitos buscam de nós não é nossa alma, mas nossa competência; eles não precisam de nosso culto, mas de nosso trabalho duro. Quando nós aprendemos de uma vez por todas este essencial ordem de valores, fazemos melhor nossos trabalhos e temos úlceras de menos. As idolatrias, sejam elas grandiosas ou pequenas, nos deixam doentes” (Stedman). Que adianta ganhar o mundo inteiro e perder a alma (Mt 16.26)?
A situação era difícil. Jesus deu tempo a Jezabel para que se arrependesse e para que os cristãos reorganizassem as suas vidas (e dei-lhe tempo para que se arrependesse), mas ela continua no seu pérfido ensino de que era possível servir a dois senhores (a Deus e aos negócios) e que um não tinha a ver com o outro.
Há ainda hoje cristãos que pensam e/ou vivem assim. Eles têm um deus na vida profissional e outro deus na vida religiosa. Esta duplicidade não é possível. Daqui a pouco o deus religioso estará submetido ao deus profissional.
5. O CONSELHO
Eis que a lanço num leito de dores, e numa grande tribulação os que cometem adultério com ela, se não se arrependerem das obras dela;
e ferirei de morte a seus filhos, e todas as igrejas saberão que eu sou aquele que esquadrinha os rins e os corações; e darei a cada um de vós segundo as suas obras
Digo-vos, porém, a vós os demais que estão em Tiatira, a todos quantos não têm esta doutrina, e não conhecem as chamadas profundezas de Satanás, que outra carga vos não porei;
mas o que tendes, retende-o até que eu venha. (vv. 22-25)
Do conselho de Jesus aos irmãos de Tiatira, queremos derivar apenas dois;
1. Jesus não tolera o pecado para sempre. O salário do pecado é a morte, sabemos com o apóstolo Paulo (Rm 6.23).
Se você está convivendo com o pecado, fique incomodado e se arrependa. Seja ele qual for, Jesus lhe dá um tempo, mas não brinque. Ele esquadrinha todo o seu ser, para lhe purificar. Deixe-se purificar por Jesus.
Se é a idolatria do dinheiro, que lhe leva uma conduta inadequada no mundo dos negócios, largue esta vida. É melhor ser pobre (como Esmirna) do que rica. Suave é o pão da mentira, mas depois sua boca se encherá de pedrinhas (Pv. 20.17).
Se é a idolatria do corpo, que lhe tem levado ao sexo ilícito, largue estas práticas. O seu corpo é o santuário onde habita o Espírito Santo de Deus (1Co 6.19), que lhe pede pureza.
2. Jesus não nos põe carga pesada demais para carregarmos.
Jesus diz que não vai pedir nada aos cristãos de Tiatira do que o que já lhes fora ensinado. Eles deviam permanecer naquelas virtudes essenciais (amor, fé, serviço e temperança). Era daquilo que precisavam.
Nenhum novo legalismo lhe seria acrescentado. O Evangelho não é uma carta de leis, mas uma enciclopédia que só tem um verbete: graça. É para viver sob esta graça que Ele nos pede que nos afastemos do pecado.
6. CONCLUSÃO
Nós temos que viver no mundo, mas não podemos abrir do jeito divino de viver nele. Mesmo em meio a nossa feita de decisões sobre decisões, precisamos aprender a viver na presença de Cristo, fruindo dos seus olhos sobre nós, nunca como ameaça, mas sempre como companhia graciosa.