UMA VIDA DE FAZ-DE-CONTA
Apocalipse 3. 1-6
(Da série CARTA À IGREJA, 5)
Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 2.1.2000 – noite
1. INTRODUÇÃO
Se pudéssemos definir, numa só expressão, a comunidade cristã de Sardes, esta seria: a igreja do faz-de-conta.
2. A QUEM SE FALA
Sardes era uma cidade ainda marcada pela destruição, pois que fora atingida por um terremoto devastador no ano 17. O imperador Tibério a isentou de impostos por cinco para que fosse reconstruída. Ao final do século, já era considerada uma cidade onde se vivia bem, até com luxo. A cidade ficava a 60 km de Tiatira e por ela passavam importantes estradas imperiais.
Os irmãos de Sardes não tinham os judeus a lhes acusar. Não tinham nenhum grupo herege a minar suas bases. Não havia por ali nenhum falso apóstolo ou nenhuma autoproclamada poFetiza a dividi-los.
De tal modo vivia aquela igreja que era simplesmente ignorada, como se não existisse.
3. QUEM FALA
Isto diz aquele que tem os sete espíritos de Deus e as sete estrelas. (v. 1b)
Não por caso, Jesus se apresenta aos irmãos de Sardes como Aquele que tem os sete espíritos e as sete estrelas de Deus.
No Apocalipse, os sete espíritos são o símbolo da plenitude do Espírito Santo. Aquela igreja precisava viver do Espírito, que só Cristo pode conferir.
As sete estrelas são o símbolo da presença constante de Cristo por sua igreja. Aquela igreja precisava se lembrar que Jesus era seu Senhor.
Se queremos viver, precisamos do Espírito Santo. Se queremos ser relevantes, para nós mesmos e para os outros, temos que nos lembrar que Jesus é nosso Senhor e que Ele quer cuidar de sua igreja, que somos nós. Que bom saber que onde e como quer que estejamos uma das pontas da Estrela de Cristo pode nos iluminar, nos alçar e nos alcançar.
4. O QUE SE FALA
De Sardes Jesus começa apontando seu erro, mas reconhece virtude nela.
4.1. Negativamente
Conheço as tuas obras; tens nome de que vives, e estás morto. (…) Porque não tenho achado as tuas obras perfeitas diante do meu Deus. (vv. 1b, 2b)
O juízo de Jesus sobre os sárdios é curto e grosso: “vocês parecem que estão vivos, mas estão mortos”. Aquela igreja era, na verdade, contra todas as aparências, um cemitério espiritual. O cemitério é um lugar bonito, especialmente as alas das familias ricas, mas ali não há vida. Ninguém quer ir para esta beleza, feita de lápides, casas, árvores e sombras.
Eles estavam mortos e não sabiam… Aliás, os mortos não sabem que estão mortos. Não davam frutos e não sabiam… Não tinham o poder do Espírito Santo e não sabiam…
. Eles estavam escondidos atrás do nome de “cristãos” que ostentavam, mas não eram discípulos de Cristo.
Sardes tinha nome, tinha até prestígio, mas era tudo fantasia. Não havia vida real nela. A igreja tinha nome de cristã, mas não era cristã.
A propósito, o nome cristão começou de fora para dentro. O nome surgiu já em Antioquia (At 11.26). A palavra é latina e não grega: “cristiani”, em que o sufixo “ani” designa os partidários de alguém. Os cidadãos de Antioquia criaram o termo. Havia na cidade um grupo de pessoas que andavam aos bandos adulando o imperador Nero e eram chamados de Augustiani. O nome era, portanto, uma sátira.
Quando Paulo se encontrou com Herodes Agripa II, este debochou de sua argumentação, nos seguintes termos: “Por pouco me persuades a fazer-me cristão” (At 26.28). A terceira e última aparição do termo na Bíblia em 1Pé 4.16: “mas, se padece como cristão, não se envergonhe, antes glorifique a Deus neste nome”.
[Aliás, o nome batista também surgiu na Inglaterra do século 17 como um deboche, porque nossos ancestrais só batizavam adultos, mesmo que já o tivessem sido anteriormente. Eram então referidos como batizadores ou simplesmente batistas.]
É triste, portanto, que o termo tenha caído no descrédito. O cristianismo se tornou uma religião mundial e muitos foram tornados cristãos sem o serem e muitos se consideram cristãos sem o serem. Tanto é verdade que em língua inglesa se prefere o termo “believer” e na portuguesa a palavra “crente” (que é muito genérica) para designar os cristãos verdadeiros e não meramente nominais (no nome apenas).
Como disse Calvin Miller, muitos cristãos são cristólatras, mas não realmente discípulos. Nós somos chamados a ser discípulos, que são testemunhas constantes e buscam a presença de Cristo. Os cristólatras buscam a felicidade. Os discípulos ousam disciplinar-se a si mesmos, visando fruir a felicidade do crescimento em Cristo. Os cristólatras são escapistas em busca de um atalho para o paraíso. Como os viciados em drogas, eles estão tentando tomar uma dose para fugir da depressão.
A igreja de Sardes era formada não de discípulos, mas de cristolátras. E você? Você é um cristão ou um cristólatra? Seja um cristão!
Eles estavam escondidos atrás das atividades que desenvolviam, mas não amavam a Deus e ao próximo.
Talvez se auto-elogiassem. Olha, como cantamos! Olha, como distribuímos cestas aos pobres! Olha, como o culto hoje está cheio! Possivelmente, a igreja transmitisse seus programas pelo rádio e pela televisão e certamente tinha uma página bem interativa na internet.
Ali tudo funcionava.
Os bancos estavam sempre limpos. As escadas de acesso tinham passadeiras e corrimãos. Ninguém reclamava do serviço de som. O pregador usava recursos audiovisuais para não cansar a platéia.
A ordem-de-culto era linda, com tudo previsto. Havia poucos batismos, mas era tudo muito bonito. A Ceia do Senhor, celebrada uma vez por ano, era marcada por muita simbologia e beleza, além de uma fina decoração.
As contribuições financeiras permitiam que a igreja desenvolvesse seu trabalho sem grandes dificuldades.
À porta, seu pastor orgulhosamente recebia cumprimentos e mais cumprimentos por sua igreja. Gostei muito! Adorei! Estava muito gostoso! Que maravilha!
As outras igrejas invejavam Sardes: sua freqüência, seu orçamento, seu templo, sua ordem-de-culto, sua participação denominacional. Sardes tinha um nome respeitável. Quando algum de seus membros iam visitar outras igrejas, recebia palavras de admiração. Ah! Você é de Sardes!
Como, então, Jesus, o que tem as sete estrelas, não via tudo isto acontecendo? Aquela era uma igreja que funcionava e Jesus não estava satisfeito.
A reputação daquela igreja diante dos homens não correspondia à avaliação feita por Jesus Cristo, que é a que importa. Diante dos homens, a obra dos crentes de Sardes era perfeita. Diante de Deus, não eram íntegras, não eram completas, não estavam sendo efetivamente realizadas.
Deus não vê como olhamos, mas Ele vê com o coração (1Sm 17.7), para ver o coração.
Daqui posso ver pessoas cantando com entusiasmo, mas não sei elas estão realmente entusiasmadas. Elas podem parecer entusiasmadas para mim, não, jamais, para Deus.
Você pode estar representando um papel para mim, ou para alguém da sua família ou para você mesmo ou até para Deus. Alguns são bons na arte da hipocrisia. Originalmente, o hipócrita (hipocrites) é um ator que desempenhava um papel (que não a sua própria história) no palco.
O cristão hipócrita é o cristão do faz-de-conta. Ele faz de conta que é seguidor de Jesus. Ele faz de conta que ama a seus irmãos. Ele faz de conta que tem interesse pelos pobres. Ele faz de conta que evangeliza. Ele faz de conta que dá o dízimo. Ele faz de conta que lê a Bíblia diariamente. Ele faz de conta que ora alguns minutos por dia. Ele faz de conta que é fervoroso.
Nós não podemos discernir o crente-faz-de-conta do crente-de-verdade.
Qualquer atividade que desenvolvamos só será legítima se for feita como uma expressão do nosso amor a Deus e ao próximo (Stott). É a motivação que traz a aprovação ou a reprovação ao nosso trabalho.
Qual tem sido a sua motivação na vida da igreja?
4.2. Positivamente
Mas também tens em Sardes algumas pessoas que não contaminaram as suas vestes e comigo andarão vestidas de branco, porquanto são dignas (v. 4)
Se a maioria estava condenada, havia uma minoria digna de elogio. Esta minoria era constituída daqueles que não tinham contaminado suas vestes e podiam vestir as mesmas roupas brancas de Jesus.
Na Bíblia, a veste branca é o símbolo da redenção. Os que chegarão da grande tribulação trajarão roupas brancas, diz o mesmo autor (Ap 7.14).
Essas pessoas são chamadas de dignas. Elas são dignas, não por seus esforços morais, mas porque tiveram suas roupas (vidas) lavadas no sangue de Jesus Cristo, o Cordeiro. Elas são dignas porque são redimidas.
Em Sardes, a maioria estava morta, corrompida pelo pecado apesar da aparência santa, e a minoria era digna, mas estava acuada e sonolenta diante dos seus irmãos.
E em Itacuruçá? De que lado está a maioria? Que a maioria seja composta por aqueles que não têm se deixado contaminar pela hipocrisia de achar que podem viver sem o poder vital do Espírito Santo. Aqui todos estejamos dignos de andar na presença de Jesus Cristo, vestindo as suas roupas.
5. O CONSELHO
Sê vigilante, e confirma o restante, que estava para morrer; porque não tenho achado as tuas obras perfeitas diante do meu Deus.
Lembra-te, portanto, do que tens recebido e ouvido, e guarda-o, e arrepende-te. Pois se não vigiares, virei como um ladrão, e não saberás a que hora sobre ti virei. (vv. 2-3)
A igreja precisa ter uma visão correta de si mesma. Você precisa ter uma visão correta acerca de sua vida com Cristo. Não podemos viver uma mentira, que nós contamos e acabamos acreditando nela. Será que somos mesmo uma grande igreja? Será que eu vivo mesmo na presença de Cristo?
Ser “vigilante” aqui significa acordar e ficar de pé. É dar um tapa no próprio rosto para acordar do sono. É tomar consciência do que é como igreja e como pessoa, deixando de enganar-se a si mesma. É enfrentar com honestidade seus problemas.
Confirmar o restante é completar as obras. Em outras palavras, continue fazendo o que vem fazendo, sabendo que você vem fazendo apenas o molho. O ingrediente essencial deve ser o amor a Jesus Cristo. O que fazemos deve ser com Jesus, por Jesus e para Jesus, como disse Madre Teresa de Calcutá. O resto é conseqüência, necessária conseqüência, mas conseqüência.
A expressão “tens recebido e ouvido” significa que você já sabe tudo a respeito de Cristo. Basta obedecê-lo. [Excurso evangelístico para os amigos de longa data do Evangelho…]
Desde quando você passou a fazer as coisas por fazer? Desde quando os valores do mundo passaram a lhe falar mais alto do que os valores do Alto?
Lembre-se: Jesus poderá vir como um ladrão, que não marca hora para assaltar. Isto acontecerá se você estiver embebido pelos valores do mundo que não percebe Cristo vindo ao seu encontro. Não reconhece mais Cristo. Ele é um estranho, indesejado até. Você não se deixa mais julgar por Cristo. Seu julgamento se tornou fora de moda e de propósito para você.
6. CONCLUSÃO
Por isto, [parodiando Ray Stedman,] posso dizer que:
Freqüentar a igreja é ótimo, mas isto não o salvará.
Você será salvo quando
se arrepender de sua auto-suficiência,
aceitar que sua esperança não advém de você mesmo
mas crer que Jesus lhe trouxe isto, ao se sacrificar na cruz,
e recebê-lo como Senhor e Salvador.
Isto acontece quando a vida do Espírito é comunicada a você.
É disto que a igreja de Sardes precisava.
É disto que Itacuruçá precisa.
É disto que você precisa.