Lucas 7.36-50: JESUS NOS PERDOA (UM MONÓLOGO)

Ele nos perdoa (Lucas 7.36-56)

(Da série Retratos de Jesus pelo que Ele fez, 3)

UM MONÓLOGO

Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 3.12.2006, noite

Retratos de Jesus pelo que Ele fez, 3

Lucas 7.36-56: Ele nos perdoa

Ainda me chamam de pecadora, quando ando pela rua. Na verdade, eu sou mesmo uma pecadora. Todos somos pecadores. Mas eu não sou uma pecadora como eu era antes. Não sou uma pecadora como eu era antes de ter um encontro com Jesus. Quero falar sobre este encontro. Eu era bem nova. Não tinha 30 anos ainda. Agora já passei dos 50 e estou pronta para partir.

Cresci sabendo que o Messias viria. Só não sabia que  tinha chegado. Os fariseus, que nós acreditávamos terem sido separados para nos conduzir a fé em Deus, diziam que o Messias viria, mas ainda não tinha chegado. Eles eram muito cuidadosos e não deixavam a gente se enganar. Meu pai dizia que há uns sete mil fariseus em Israel. Há dois milhões de judeus em Israel, mas os fariseus estão sempre atentos.

Eu moro perto de Jerusalém, numa cidade menor, e sei como a esperança no Messias era viva. O templo não deixava a gente esquecer. Aqueles milhares de peregrinos não deixavam a gente esquecer. Alias, o melhor que um morador da cidade pode fazer — ainda hoje é assim — é sair da cidade quando chega a Páscoa. Falta água, falta pão. Até minha cidade fica entupida de gente, do mundo inteiro. Que tristeza! São meus patrícios que ainda acham que o Messias virá, mas o Messias não virá.

Agora sei que Jerusalém era uma cidade perigosa para Jesus. Foi lá que o mataram. Eu não estava lá, mas minhas amigas estavam. Algumas amigas minhas estavam pertinho da cruz, quando o mataram. Algumas amigas minhas foram as primeiras a descobrir que Jesus tinha ressuscitado. Éramos todas discípulas de Jesus. Algumas tinham dinheiro e o seguiam para onde eu fosse. Algumas levavam comida para ele e os seus apóstolos. São muitas as minhas amigas: Maria de Betânia, aquela cujo irmão foi ressuscitado por Jesus, e eu estava lá; Maria de Magdala, que era possuída pelos demônios, mas Jesus a libertou; Maria de Jerusalém, mãe de João Marcos, que anda viajando com seu tio Barnabé e com o ex-fariseu Saulo de Tarso pelo mundo afora; aliás, a Maria, mãe de Tiago e José Barnabé, não conheci, mas ouvi falar; nem ela nem a Maria, esposa de Cleofas.

 

Ei, parece que só tenho amigas de nome Maria. Mas tenho outras amigas, e só falo nas discípulas do Messias: Suzana; Marta, a irmã de Lázaro; Joana, casada com Cusa, que tinha um cargo importante no Palácio de Herodes; Salomé, que também esteve no túmulo vazio. Amigas não me faltam. Mesmo aquelas que morreram guardo no meu coração. Um dia vamos nos encontrar quando meu Senhor voltar de vez.

Ai! A saudade vai me levando para longe, mas não posso esquecer do meu encontro com Jesus na casa do fariseu Simão.

Em minha cidade, eu ouvia falar de Jesus. Ouvia falar também de João Batista. Só que João Batista dizia que não era o Messias. Tinha cara de Messias, mas não era. Jesus não tinha cara de Messias. Não fazia todas aquelas coisas diferentes que João Batista fazia. Não conheci João Batista, mas conheci Jesus.

Ele veio a nossa cidade um dia. Acho que ele foi a todas as cidades de Israel, uma por uma, ensinando e curando. Acho que ele não descansava nunca.

Ele veio aqui. Juntou muita gente na casa onde ele estava. Muita gente mesmo. Era sempre assim. Eu fui vê-lo. Queria ver o homem de perto. Sabia que ele fazia milagres. Queria ver.

Foi difícil. As pessoas não gostavam de mim. Eu me aproximava, elas faziam cara feia. Era como se só eu fosse pecadora. Às vezes, isto até facilitava. Consegui entrar. Fiquei a uns três metros deles. Dava para ver seu rosto. Dava para ver seus gestos. Dava para ver sua roupa. Dava para ver suas sandálias. Dava para ver o pó no pé dele. Nesta hora chegou um homem tetraplégico, deitado numa maca. Chegou, não; quase caiu. Uns amigos dele fizeram um buraco no teto e o colocaram aos pés de Jesus. Achei falta de respeito. Jesus não reclamou. Ele olhou para o homem na maca durante  alguns segundos. Todo mundo se calou. O que iria fazer? O que iria dizer. E ele disse ao homem: “Os seus pecados estão perdoados. Levante-se desta maca e vá pra casa”. E o homem pôs a maca sozinho nas costas e sumiu gritando “aleluia”.

Eu não conhecia aquele tetraplégico. Eu não sabia quais eram os seus pecados. Mas se Jesus podia perdoar os seus pecados, era mesmo o Messias. E  se era o Messias, podia perdoar os meus pecados também.

A minha ferida não era como daquele homem. A minha ferida era na alma.

Todos me achavam “pecadora”. Era como se eu não tivesse nome. Se a lei de Roma permitisse, acho que teriam me apedrejado.

 

Procurei saber mais sobre Jesus. Tinha discípulos dele na minha cidade. Eles me contaram de outras coisas que fez. Eles me falaram do que ele ensinou. Aprendi até a oração que ele ensinou: “Aba nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia. Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores. E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, porque teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém.”

Os ensinos dele foram me habitando. Eu podia ser perdoada, mesmo que continuassem me chamando de pecadora. Eu podia deixar de ser pecadora. Ele precisava voltar a minha cidade. Onde está ele agora? — perguntava eu. Preciso deste perdão.

Um dia orei, assim: “Aba, preciso de Jesus. Preciso que ele me perdoe. Quero outra vida para mim. Quero a vida que o Messias veio trazer”.

Chorei muito enquanto orava. Eu orava e chorava. E eu estava sozinha. Abri um salmo de Davi, que dizia: “Como é feliz aquele que tem suas transgressões perdoadas e seus pecados apagados! Como é feliz aquele a quem o Senhor não atribui culpa e em quem não há hipocrisia! Enquanto eu mantinha escondidos os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer. Pois dia e noite a tua mão pesava sobre mim; minhas forças foram-se esgotando como em tempo de seca. Então reconheci diante de ti o meu pecado e não encobri as minhas culpas. Eu disse: ‘Confessarei as minhas transgressões ao Senhor e tu perdoaste a culpa do meu pecado`.”

Foi uma descoberta. Arrependi-me dos meus pecados. Pedi perdão. Quando abri os olhos, senti um alívio muito grande. Não estava mais cansada. O Messias tinha vindo. Eu não estava mais sozinha. Eu não sei onde ele estava, mas ele estava comigo. Minha vida mudou.

Minha imaginação seguia Jesus, mas eu não sabia onde ele estava. Mas não importava; ele estava comigo.

Não foi fácil me livrar dos meus pecados. Na verdade, eu não me livrei dos meus pecados. Foi Jesus quem me livrou dos meus pecados, como levantou aquele tetraplégico da maca.

Minha alma estava tretraplégica. Minha alma era uma ferida só. Durante a vida só acumulei perdas. Perdas e abusos.  Meu corpo estava em pé; mas minha alma estava no chão. E ainda me chamavam de pecadora.

 

Então, fui perdoada por Jesus, mesmo ele distante, depois daquele encontro, em que eu não disse nada; só ouvi. Foi meio assustador. Mas mudou tudo para mim. Meu corpo continuava de pé, mas agora a minha alma estava de pé também. Ainda tinha cicatrizes, mas as feridas acabaram. Agora, eu podia sorrir de verdade. Agora, o julgamento dos outros não me importava; eu fui julgada pelo meu Aba; eu pedi perdão e ele me perdoou. O meu Aba me aceitou. Eu me aceito. Fui feita de modo especial por Deus. Glória ao Senhor.

Mas eu precisava dizer isto a Jesus.

Por onde ele andava?

Longas semanas se passaram. E Deus foi mudando a minha vida. Mudei até minha roupa e meus cabelos. Eu orava para que ele voltasse. Longos meses se passaram. E Deus foi moldando a minha vida. Deixei o passado no passado, para que as minhas  tristes lembranças não me acompanhassem mais. Se eu soubesse cantar, agora eu cantaria. E meus cantos seriam orações para me encontrar com Jesus em carne e osso outra vez. Esta era a minha oração. Será que meu Aba me responderia?

Acordei na mesma hora naquele dia. Depois do café da manhã, saí para fazer umas compras no mercado. E então fiquei sabendo: Jesus estava na cidade.

Meu coração parece que ia explodir. Onde? Onde? Onde? Ninguém sabia, mas eu precisava saber. Levei as coisas para casa e saí procurando.

Fiquei sabendo que ele iria jantar na casa do fariseu Simão. Fiquei decepcionada. Como Jesus poderia comer com esta gente, com esta gente que me sufocara a vida toda, por esta gente que nunca me falou de perdão, com esta gente que nunca me falou de alegria?

Voltei para casa. Deixei meu coração em silêncio.

Eu estava agindo como os fariseus. Jesus veio para mim. Jesus veio para eles também. Jesus me perdoou e eu precisava perdoar os meus ofensores também. Quem sabe Simão não estava também interessado em conhecer a Jesus. Era a chance dele. Que ele a aproveitasse.

Eu precisava ir à casa de Simão. Eu precisava me encontrar com Jesus.

Não seria fácil. Mulheres não podem participar de banquetes. Aquilo é coisa para homens.

Almocei. A tarde chegou. A noite vinha e eu precisava estar lá. Tomei banho. Pus minha melhor roupa. Olhei minha mesa cheia de frascos de perfumes. Peguei o de alabastro. Era o mais cheiroso. Eu nunca o tinha usado. Me calcei. Me preparei e fui. Cheguei. Fiquei ao longe, por um pouco.

Vi os convidados chegando. Passados uns minutos, chegou Jesus. Estava acompanhado por duas pessoas, que eu não conhecia. Agora, sei que eram Tiago de Alfeu e Simão Pedro.

Esperei mais um pouco. Não chegava mais ninguém e fui me aproximando. Será que me deixariam entrar? Fui entrando e pude ouvir a voz de Jesus, que eu já conhecia. Ele contava uma história sobre como era o reino do Senhor Deus. Estavam todos embevecidos. Por isto não notaram a minha presença. Vi logo o fariseu Simão e Jesus ao seu lado. Estavam todos recostados sobre as almofadas, no chão. Todos estavam descalços. Fui entrando e me sentei no chão atrás do fariseu e de Jesus. Logo, ele parou de falar. Os empregados começaram a pôr a comida. Alguns me viram, mas não falaram nada.  Todos se reclinaram à mesa, como é o nosso costume. Poucas casas têm mesa; a minha mesma não tem. As mesas são bem baixinhas. Todos se acomodaram, com os corpos reclinados para a esquerda, encostados nas almofadas, os pés para trás. O lado direito estava livre para os movimentos. Então, comeram. Comeram quase em silêncio. E eu, ali atrás, esperando a hora de acabar. Meu coração batia com mais força, como se fosse sair pela boca. Se me pedissem para falar, a emoção não deixaria. Eu estava perto de Jesus. Ele à mesa e eu no fundo da sala, mas a refeição continuava.

Então, minha mente começou a se agitar. Eu decidi que agradeceria o amor de Jesus por mim ungindo seus pés com o perfume que eu tinha trazido. Será que ele aceitaria esta homenagem de uma pecadora como eu. Ele devia saber que eu era uma pecadora. E eu nunca dissera a ele que minha vida fôra transformada pelo nosso Aba. Graças a Ele.

Será que ele ficaria constrangido? Tive vontade de me levantar e fugir, mas aquela era a oportunidade que Deus me dera. Fiquei confusa. E a refeição continuava.

Para Maria, de Betânia, quando ungiu a Jesus na sua casa, deve ter sido mais fácil. Ela estava em casa. Jesus a conhecia, mas eu não. Além disso, ela sabia do que eu tinha feito. Naquele momento eu não sabia de nada.

Com os olhos já cheios de lágrimas, fui me aproximando de Jesus. Não consegui segurar meu choro silencioso, choro de emoção, choro de alegria, choro de felicidade. Minhas lágrimas caíram sobre os pés de Jesus, mas ele não reclamou. Foi tudo em silêncio. Eu não estava preparada para aquele momento. Não levei uma toalha. Ninguém me deu uma toalha. Nessa hora, estavam todos olhando para mim, e eu, com a cabeça baixa, chorando, chorando, chorando, não mais silenciosamente, mas em voz alta. Todos deviam estar olhando. Os empregados deviam estar olhando. Mas Jesus não reclamou. Seus pés ficaram molhados com minhas lágrimas. E, sem pensar, com os meus cabelos, meus longos cabelos naquela época, com os meus cabelos eu enxuguei minhas próprias lágrimas. Então, beijei os pés de Jesus. Era minha reverência. Era minha afirmação de que ele era o Messias. Os fariseus podiam duvidar, mas eu nunca duvidei desde o primeiro encontro. Eu estava diante de Deus e eu precisava adorar a Deus. E eu o adorei com as minhas lágrimas. E eu o adorei com os meus cabelos. E eu o adorei com os meus beijos. Tudo sem palavras. Então, abri meu frasco de perfume e derramei o alabastro sobre os pés do meu Senhor. Jesus não me disse nada. Entendo. Seria desonroso falar com uma mulher como eu numa festa daquela sem ser convidada. Mas ele falou.

Não falou comigo primeiro. Falou com o anfitrião. Simão parecia decepcionado que Jesus não me tivesse proibido. Deve ter pensado que uma pecadora como eu não podia fazer aquilo. Ele podia. Ele era um separado. Mas não sei o que falaram. Não entendi bem o que conversaram.  Minha emoção não me deixou ouvir. Sei que Jesus contou uma história curta e depois apontou para mim. Vão me expulsar, pensei. Eu já me preparava para fugir, embora minha vontade fosse ficar ali, com Jesus. Ele continuou falando com Simão, mas também não consegui ouvir direito. Sei que falou em perdão. Eu estava a ponto de explodir: eu tinha me encontrado com o Messias pela segunda vez; eu o tinha adorado, como os pastores o adoraram ainda na manjedoura, como os magos o adoraram quando era um bebê em Belém.

Então, Jesus falou comigo. Sua voz não me esquecerei. Seu olhar nunca perderei. Seus gestos sempre registrarei. Ele me disse:

— Os seus pecados estão perdoados.

Eu pulei. Eu me sentia perdoada por ele, mesmo à distância, mas agora ele confirmava que os meus pecados estavam perdoados. Completamente perdoados.

Guardei cada palavra, mas uma confusão começou na sala.

Eu estava de pé. Jesus estava de pé. Estavam todos de pé.

Procurei me retirar. O que eu queria fazer tinha feito. O que eu queria ouvir tinha ouvido.

Antes que eu saísse, ele ainda me disse:

— Sua fé salvou você. Vá com o meu `Shalom`.

Depois eu soube que Simão não tinha sido hospitaleiro de modo completo. Nossa hospitalidade se mostra de muitas formas: um anfitrião deve dar uma bacia para o seu convidado lavar seus pés empoeirados. Um bom israelita, quando recebe alguém, unge os seus cabelos com óleo, para mostrar sua admiração e respeito. Todo convidado é recebido com um beijo no rosto. Simão, me disseram depois, não fez nada disto.

 

Acho que ele queria experimentar a Jesus, ver se realmente era o Messias. Quando fiz aquilo que fiz, ele deve ter achado que Jesus não sabia quem eu era. Pobre Simão. Como Jesus não saberia quem eu era?! Pobre Simão. Nunca mais teve uma oportunidade de ter os seus pecados perdoados, como eu tive.

Depois desses encontros aprendi muito sobre Jesus. Eu me tornei uma discípula dele.

Aprendi que não recebi o perdão dos meus pecados pelo que eu fiz, ao beijar e ungir os pés de Jesus. Fui perdoada porque aceitei o perdão que ele me ofereceu. Meu beijo foi um gesto de gratidão. Eu não fui perdoada porque amei; eu amei porque fui perdoada.

Aprendi que Jesus me aceita, sempre me aceitou. Tive problemas para me aceitar, mas Jesus me aceitou. Conheci muita gente como eu, machucada pela vida. Gente que não se aceita. Como eu gostaria que elas conhecessem a Jesus. Suas vidas tomariam outro rumo.

Aprendi que Jesus capacita a gente para uma vida em que os pecados não nos dominam mais. Eu ainda peco, mas o pecado não me governa. Sempre que peco, dou meia volta e começo a viver de novo.

Por tudo isto, continuo com minha paixão por Jesus. Ele já partiu, mas vamos nos encontrar de novo.

Ao contar esta história, preciso dizer algo mais, porque não a conto para mim mesmo, mas para quem me ouve, não importa quando e onde: não importa qual seja o pecado de uma pessoa, Jesus o perdoa. Ele nasceu e morreu para isto.

Ele me perdoou e perdoaria Simão, se Seimão não se achasse tão santo e tão perfeito.