Ezequiel 37.1-14: SAÍDO(S) DA(S) SEPULTURA(S)

SAÍDO(S) DA(S) SEPULTURA(S)
Ezequiel 37.1-14: 

Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 15.4.2001 (noite)

1. INTRODUÇÃO
A Pascoa tem um mesmo sentido tanto no judaísmo quanto no cristianismo: triunfo sobre o sofrimento e mesmo sobre a morte.
Na perspectiva judaica, a Páscoa foi o convite de Yaweh para o povo hebreu deixar a escravidão, atravessar o mar, vencer o deserto e entrar numa nova terra e numa nova aliança com este Deus libertador. Celebrar a páscoa é  celebrar o Deus que trouxe vida a um povo que gemia nos vales  do Egito.
Na perspectiva cristã, a Páscoa é a renovação do convite de Deus para a vida, não mais apenas ao povo judeu mas a todos os povos e pessoas da terra. Jesus Cristo, por sua vida, morte e ressurreição, possibilita que homens e mulheres voluntariamente experimentem liberdade e plenitude.
Podemos assim sentir a Páscoa como ressurreição, que é o retorno de uma pessoa à vida. Este retorno é uma ação de Deus, pois só Quem cria a vida pode recriá-la. Há um texto no Antigo Testamento, também chamado de Primeiro, sendo o Novo o Segundo, que descreve o ato recriador do Senhor da história. É a visão que o profeta Ezequiel de um vale de ossos secos (Ezequiel 37.1-14).

2. A EXPERIÊNCIA HUMANA DO VALE DOS OSSOS SECOS
O profeta foi levado a um vale cheio de cadáveres ressequidos, com os esqueletos já calcinados e com os ossos já separados um do outro. Havia ossos em sepulturas e ossos fora das sepulturas. Não havia qualquer sinal de que um dia neles houvera vida. Esses ossos — aprendeu o profeta — era toda a casa (isto é, povo) de Israel.
Ezequiel sabia que assim que o povo se sentia, abandonado por Deus, não tendo qualquer motivo para esperança, a mínima que fosse. Na verdade, o povo abandonara a Deus, que Este jamais abandona os seus. Israel passava por esta experiência, de absoluta falta de sentido para a sua existência, porque desobedecera a Deus. Sua rebeldia lhe estancara a fonte de vida.
O povo vivia no mais completo déficit de esperança. Quando não temos esperança, giramos em torno de nós mesmos, sem saber para onde ir. A desesperança nos outros nos assusta, até aqueles que a temos. Nossa própria desesperança nos paralisa. A desesperança nos contagia.
Esta experiência não se restringe apenas a este contexto histórico, porque nós podemos atualizá-la. Por circunstâncias diversas, podemos nos sentir vivendo em meio a ossos secos e, pior, podemos nos ver como os próprios ossos secos. Buscamos um motivo para sorrir e não o encontramos. Tentamos vislumbrar a luz no final do túnel, mas nem a imaginação nos ajuda. Buscamos uma razão de ser para nossos relacionamentos, mas não achamos qualquer estímulo para continuar tentando.
Foi para estes que Jesus deixou o Seu Espírito, consolador e sustentador. É com estes que o Espírito Santo quer viver para fazer a vida retornar, restituindo a cada um a alegria da salvação. Tenho insistido neste ponto, sempre para dizer que não perdemos a salvação, que é dom que já nos foi concedido, mas perdemos a alegria da salvação, perda que nos impede de fruir autenticamente a salvação. Esta perda pode alcançar velhos cristãos velhos e novos cristãos.
É possível que se Ezequiel olhasse para a Igreja de Cristo hoje também visse corpos vivos e saudáveis, mas também esqueletos e ossos soltos. Também na Igreja de Jesus Cristo, há pessoas rebeldes e desinteressadas em viver segundo o propósito de Deus. Também na Igreja de Jesus, há pessoas dominadas pelo desânimo, pelo medo e pela tristeza, que é uma contradição em termos, quando não provocada por patologias psíquicas.
Mais que isto: esta visão do vale descreve a natureza humana. Sem Cristo, somos cadáveres, corpos sem vida. Sem Cristo, somos condenados a viver no cansaço do afastamento de Deus. Foi para estes que Cristo morreu e ressuscitou.
Para quem não aceitou Seu sacrifício de morte, a vida é um vale de ossos secos.
Para todos estes, Deus tem uma promessa: a de retornar a vida.
Se a visão nos mostra a nossa fragilidade e a nossa natureza, ela também nos ensina que não podemos viver por nós mesmos (verso 3). Deus nos fez suficientes. No entanto, esta suficiência tem uma única limitação, que é não pode ser apartar de Deus. Quando o homem se afasta de Deus, é cometido por uma insuficiência que asfixia e mata.
Esta visão também nos mostra que nenhum de nós pode chegar à condição de não poder mais ouvir a palavra de Deus. A evidência desta realidade é que Ele enviou seu mensageiro para pregar aos ossos secos (verso 4). Se você se sente como se estivesse naquele vale, como parte deste vale, eis que a palavra de Deus lhe vem agora. Ouça-a.

3. A EXPERIÊNCIA DA DÁDIVA DA VIDA
A experiência da ressurreição não é uma experiência humanamente provocada. É Deus quem ressuscita. No caso de Lázaro, uma experiência de ressurreição detalhadamente descrita pelo Novo Testamento, não como uma visão, mas como uma realidade, o poder de Deus, por meio de Jesus Cristo, o tirou de lá. Ele não saiu sozinho. Um morto não pode agir, mas Deus pode fazer um morto viver.
Se queremos ver instalada em nossa de novo a esperança, precisamos saber Quem Deus é, precisamos reconhecer o Seu poder. Ao fazer Sua promessa, Ele repete: Então, saberão que eu sou o Senhor. Deus é o Seu Senhor? Deus é Aquele que fala e faz, fala e faz porque tem poder para falar e fazer acontecer.
Este Senhor, fique tranqüilo, como fez no Êxodo hebreu, toma a iniciativa de nos desexterminar e nos fixas na terra de felicidade, da alegria e da paz (versos 4 e 12). O povo sentia exterminados os seus desejos, vistos como impossíveis de serem realizados.
Nesta visão, o verso mais impressionante é o 12. Sabereis que eu sou o Senhor, quando eu abrir a vossa sepultura e vos fizer sair dela, o povo meu. Se ele não abrir o sepulcro, não há chance de os cadáveres saírem por si sós. Se estamos na sepultura, não podemos sair mais dela. Eis que Ele vem e nos tira de lá. Deixe Deus tirar você da sepultura da incredulidade, da sepultura da desesperança. Há muitos lázaros a quem Jesus Cristo diz: “Sai daí e vem prá cá!”, mas que preferem ficar lá enrolados nos panos da morte.
Deus age assim conosco em conseqüência do seu amor. E aqui precisamos aprender ainda algo a respeito do Seu caráter. Seu desejo de amor não despótico, arbitrário; Ele respeita a nossa escolha. Se eu quiser ficar na sepultura, Ele me deixa lá. Se ouvir a Sua voz, Ele me arranca rapidinho de lá.
No verso 14, Deus sintetiza sua promessa, garantindo que porá nos ossos secos (em nós, podemos dizer) o Seu Espírito. Temos aqui entrando em nós o fôlego da vida. Seu Espírito nos criou um dia; Seu Espírito nos recriou um dia, oferecendo o novo nascimento para a salvação, para o reencontro. Não podemos dar vida a nós mesmos, mas Ele nos sopra a vida.
A Sua vida tem apenas o fôlego da criação? É muito, mas é pouco. A Sua vida tem apenas o fôlego da salvação? É muito, mas ainda é pouco. O verso 9 fala de quatro ventos. Gosto de pensar nestes quatro ventos como a plenitude de Deus.
A cada um de nós ele deu o dom da vida, ao nos criar, por um processo biológico. Este é o primeiro vento.
Quando morreu e venceu a morte naquela manhã de domingo, Jesus Cristo nos recriou, num processo espiritual. A partir de então, passamos a ter um relacionamento com Ele. Nós, ramos, passamos a estar ligados no Tronco-Jesus. Este é o segundo vento.
Quando subiu para abraçar o Pai, o Filho deixou o Seu Espírito para nos convencer do nosso erro e nos mostrar nossa rebeldia e nos empurrar para o Caminho da Verdade. Todos temos este Espírito morando conosco. Est e é o terceiro vento.
No entanto, coabita com nossa natureza espiritual a natureza do velho ser, do velho homem, da velha mulher. Trava-se em nosso coração uma verdadeira guerra, guerra que, por vezes, abafa o Espírito Santo, encurralando-o apenas numa das artérias que irriga o coração. Quando isto acontece, tornamo-nos tristes e esquecidos que nossa missão é portar a graça, para nós mesmos e para os outros. Quando permitimos que o Espírito sopre dentro de nós e vá dominando todas as áreas de nossa vida, nós experimentamos o quarto vento de Deus, vento que precisa soprar sempre.
Quando isto acontece, tornamos a Páscoa uma experiência viva. Quando isto acontece, permitimos que a ressurreição de Cristo cumpra o seu propósito em nossas vidas.

4. CONCLUSÃO
A Páscoa/Ressurreição nos diz Quem Deus é. E quando sabemos Quem Ele é, deixamos de ser ossos secos, mas corpos vivos, cheios de esperança.

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