Isaías 16.4b-5: NATAL, TEMPO DE JUSTIÇA

Natal, tempo de justiça
Isaías 16.4b-5

1. INTRODUÇÃO
Todos, cristãos e não cristãos, clamam por justiça. No caso deste texto, tomado hoje com muita liberdade para descrever a natureza do reino inaugurado por Jesus, o clamor, recortado de Isaías, vem de Moabe, um povo descendente de Ló (Gênesis 19.30-38).
Trata-se, pois, de um grito “pagão”, porque vindo de Moabe. O pleito de Moabe foi apresentado nos seguintes termos:

Quando o homem violento tiver fim
e a destruição tiver cessado,
havendo os opressores desaparecido16.
de sobre a terra,
então um trono será estabelecido
em benignidade,
e sobre ele no tabernáculo de Davi
se assentará em verdade um que julgue,
que procure a justiça
e se apresse a praticar a retidão.
(Isaías 16.4b-5)

Podemos tomar a primeira parte do texto (verso 4b) como uma descrição das vidas que levamos. Vivemos assaltados pela violência, em casas, nas ruas, nas/pelas instituições. Temos sido alvejados por forças, pessoais ou institucionais, que querem nos destruir, apenas porque imaginam que lhes somos uma ameaça. A opressão é uma tirania que se esconde sob varias faces e vem de varias fontes.
Não é por outra razão que a Biblia descreve a justiça como sendo o oposto de tudo isto, sendo, antes a:
. cessação da violência
. cessação da destruição
. cessação da opressão
De igual modo, podemos ler a segunda parte do texto (verso 5) como uma antecipação do tempo quando essa cessação ocorrerá, com a chegada do Messias. Como viver esta realidade, tendo ido o Messias? Como aceitar a idéia de um Deus amoroso, que permite que a violência, a destruição e a opressão nos acompanhem?
Muitos perguntam ainda hoje:
— Até quando terei que clamar como Jó: Eis que clamo: violência! Mas não sou ouvido; grito: socorro! Porém não há justiça. (Jó 19.7)

2. Precisamos celebrar a justiça de Deus. Celebranda-a, estaremos mais capacitados para confiar num Deus justo.
Ele mesmo julga o mundo com justiça; administra os povos com retidão (Salmo 9.8). O Senhor é justo, ele ama a justiça; os retos lhe contemplarão a face (Salmos 11.7).
Celebremos a justiça de Deus, nem que seja pela fé, mesmo que a nossa experiência não a esteja vendo. Louvemos todo o dia a Sua justiça (Salmos 35.28).
Sobre a natureza desta justiça em relação a nós, não nos esqueçamos que o Antigo Testamento é pródigo em dizer que Deus nos retribui segundo as nossas ações, recompensando-nos conforme a pureza de nossas mãos (2 Samuel 22.21; Salmo 18.20). Esta é a justiça da retribuição. No varejo, ela nos serve; no atacado, não, porque somos condenados.
No entanto, a justiça de Deus não olha apenas para o nosso caráter, mas também para o próprio caráter de Deus, essencialmente misericordioso. É por isto que Ele nos tolera. É por isto que não somos consumidos (Lamentações 3.22).
Em Deus, bondade e justiça andam de mãos dadas (Salmos 101.1: Cantarei a bondade e a justiça; a ti, Senhor, cantarei. Mesmo que ela pareça demorado em nos defender, nós sabedmos que Ele nos faz justiça (Lucas 18.7).

3. Devemos esperar que Deus faça justiça. Este é um desejo legítimo.
Temos que orar para que haja justiça, que será plena quando Jesus Cristo voltar.
Orar para que haja justiça, mesmo que parcial e limitada, pode nos incluir como objetos (e como temos sido!) e sujeitos (como é difícil percebe-lo!) da injustiça.
Como os moabitas, podemos pedir justiça sem a merecer.

4. Devemos buscar a justiça, porque ela é um valor do Reino de Deus.
Não por acaso, a palavra “justiça” aparece 371 vezes diretamente na Bíblia, um índice elevado, especialmente se nos lembramos que a palavra “amor” ocorre 245 vezes. O par de adjetivos justo/injusto figura 330 vezes.
A injustiça, especialmente a injustiça estrutural, é um atentado ao caráter absolutamente justo de Deus.
Um irmão nosso tem (e quem não tem?) uma causa de vários anos na Justiça do Trabalho. Ele já ganhou em todas as instâncias. Há mais um de um ano ele espera apenas receber o que já foi considerado um direito seu, mas o processo não chega ao seu fim e eie nao recebe o dinheiro que tanto precisa.
Nao podemos aceitar a injustiça nem contra nós nem contra ninguem. Diante da injustiça, devemos protestar e mesmo participar de movimentos pela justiça. (Salmos 82.3 Fazei justiça ao fraco e ao órfão, procedei retamente para com o aflito e o desamparado.)

No plano pessoal, devo evitar cometer injustiça e, se cometo, devo me comprometer com a reparação.

Nossa oração deve ser a do salmo 23 (verso 3), que nos guie pelas veredas da justiça por amor do seu nome.

Diante de Deus, precisamos ter a coragem de orar, como o poeta bilbico: Faze-me justiça, Senhor, pois tenho andado na minha integridade e confio no Senhor, sem vacilar (Salmos 26.1). Olhando para cima, para os lados e para dentro de nós mesmos, podemos orar com este tipo de humildade? O salmista afirmava: Tenho praticado juízo e justiça; não me entregues aos meus opressores (Salmo 119.121) Posso eu fazer o mesmo?

5. Devemos julgar como Deus julga
Deus nos julga (e também aos outros) com benignidade. Ser benigno é proprio do seu carater.
Como nao faz parte do nosso, como poderemos julgar
Julgar com benignidade é julgar como queremos ser julgados.
Devemos julgar com benignidade, já que não conseguimos julgar com retidão.

6. Devemos nos esforçar para que nossa busca pela justiça não se converta em ódio. O ódio nada tem de positivo.
Li uma historinha que destaca o poder que o ódio pode alcançar.
Um velho avô disse a seu neto, que veio a ele com raiva de um amigo que lhe havia feito uma injustiça:
— Deixe-me contar-lhe uma história. Eu mesmo, algumas vezes, senti grande ódio daqueles que ‘aprontaram’ tanto comigo, sem qualquer arrependimento daquilo que fizeram. Todavia, o ódio corrói você, mas não fere seu inimigo. É o mesmo que tomar veneno, desejando que seu inimigo morra. Lutei muitas vezes contra estes sentimentos. É como se existissem dois lobos dentro de mim. Um deles é bom e não magoa. Ele vive em harmonia com todos ao redor dele e não se ofende quando não se teve intenção de ofender. Ele só lutará quando for certo fazer isto, e da maneira correta. Mas, o outro lobo, ah!, este é cheio de raiva. Mesmo as pequeninas coisas o lançam num ataque de ira! Ele briga com todos, o tempo todo, sem qualquer motivo. Ele não pode pensar porque sua raiva e seu ódio são muito grandes. É uma raiva inútil, pois sua raiva não irá mudar coisa alguma! Algumas vezes é difícil de conviver com estes dois lobos dentro de mim, pois ambos tentam dominar meu espírito.
O garoto olhou intensamente nos olhos de seu avô e perguntou:
— Qual deles vence, vovô?
O avô sorriu e respondeu baixinho:
— O lobo mais forte, que é aquele que eu alimento mais freqüentemente.
É mais uma vez perfeita a recomendação de Tiago:
Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar. Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus. Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma. (Tiago 1.19b-21)
Ao discutir sobre clonagem, o médico Dráuzio Varela lembra que o ser humano não é apenas um conjunto de genes, mas nossa consciência é o resultado da interação de nossos genes com o meio em que vivemos. Quero fazer uma comparação, para dizer que o Espírito Santo já foi implantado em nós, na regeneração. O que nos constitui como cristãos é o que fazemos com este Espírito implantado em nós. Se permitimos que Ele nos leve, seremos cristãos. Se o escondemos, estaremos longe do cristianismo. Se fazemos da impureza e da maldade a nossa prática, mesmo em nome da prática da justiça, estamos apenas perto do Reino, mas não no reino. Justos e mansos, eis o desafio para quem é do genoma do Espírito Santo.

7. CONCLUSÃO
Sabemos que a nossa injustiça traz a lume a justiça de Deus (Romanos 3.5), como sabemos também que Deus não é injusto, nem mesmo quando aplica a sua ira sobre nós. Nossa atitude seja como a do salmista: Sinto-me na força do Senhor Deus; e rememoro a tua justiça, a tua somente (Salmos 71.16).

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