João 10.7-11, 14-16, 27-28: A CAMINHO DA VIDA ABUNDANTE

A CAMINHO DA VIDA ABUNDANTE
João 10.7-11, 14-16, 27-28

Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 21.10.2001 (manhã) e 4.11.2001 (noite)

1. INTRODUÇÃO
Entre as confissões que um pastor ouve, uma delas é esta:
— Minha vida anda tão sem sentido, que a única coisa que ainda não perdi foi a fé.
Para pessoas assim, diferentemente do que ensina a Bíblia, não permanecem a fé, a esperança e o amor (1Coríntios 13.13), só a fé. Não há mais nesse cristão a esperança que Deus é o Senhor que garante o chão para a caminhada; não há mais nesse cristão o amor que aquece os relacionamentos com o seu Senhor e com os seus irmãos. Resta uma fé residual, incapaz de gerar esperança, incapaz de produzir amor.
No entanto, ao descrever a natureza da vida prometida aos seus seguidores, Jesus a descreveu de várias formas. Ele a classifica como sendo:
. simplesmente vida (conforme João 5.40 — Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida.);
. vida eterna (como em João 6.47 — Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim tem a vida eterna.), e
. vida abundante (João 10.10b — Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância [ou Eu vim para que tenham vida e vida abundante].)

Quando nos reunimos para celebrar o Autor e Consumador de nossas vidas, a maioria dos rostos deixa transparecer esta vida transbordante, por meio de cânticos entusiasmadas e atitudes destemidas. Uma igreja celebrando com alegria é uma das cenas mais deslumbrantes que os olhos humanos podem contemplar.
É verdade que uns poucos não conseguem efetivamente celebrar, travados por perguntas sem respostas e encurvados sob as muitas preocupações. Essa minoria, no entanto, tende a ser maior quando lançamos os nossos olhares sobre a vida cristã normal. A experiência de muitos cristãos é a mesma do poeta bíblico:

Estou aflito!
Os meus olhos estão cansados de tanto chorar;
estou esgotado de corpo e alma.
A tristeza acabou com as minhas forças;
as lágrimas encurtam a minha vida.
Estou fraco por causa das minhas aflições;
até os meus ossos estão se gastando.
(Salmo 31.9b-10)

Se, algum dia, o poeta experimentou vida abundante, esta lhe foi roubada. Agora, não se sente mais repousando em pastos verdejantes, não se vê mais levado para junto das águas de descanso; não mais encontra refrigério para a sua alma; não mais se vê conduzido pelas veredas da justiça por amor do nome do Senhor (Salmo 23.1).
Quando se apresentou como o bom pastor (João 10), Jesus garantiu que a vida na qual o Seu amor nos lança é eterna, no sentido do tempo e na dimensão da intensidade. A vida cristã é eterna, porque durará para além da história. A vida cristã é eterna, porque sua qualidade ultrapassa a competência humana. As palavras de Jesus foram bem claras:

Em verdade, em verdade vos digo:
eu sou a porta das ovelhas (verso 7).
Se alguém entrar por mim, será salvo;
entrará, e sairá, e achará pastagem (verso 9).
Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância (verso 10).
Eu lhes dou a vida eterna;
jamais perecerão, e ninguém as arrebatará [roubará] da minha mão (verso 28).

É esta a vida que vivemos ou os seus adjetivos (abundante, eterna) nos foram arrebatados (tomados)?
Será mesmo possível a vida abundante ou se trata de uma promessa irrealizável no curso da existência terrena? Será que a vida transbordante prometida por Jesus é para ser experimentada apenas após a morte?
Se é verdade que o futuro nos aguarda para a plenitude,     a vida abundante começa no momento em que passamos a pertencer ao rebanho de Jesus Cristo. Nós não seremos de Jesus; nós somos de Jesus. A partir do momento em que entramos pela Porta [do curral das ovelhas], encontramos pastagem (verso 9). Como nos ensina o apóstolo Paulo, fomos lavados, santificados e justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus (1Coríntios 6.11).

2. A NATUREZA DA VIDA EM ABUNDÂNCIA
Precisamos definir o que é esta vida, da qual estamos falando. Jesus, nesse texto, não a conceitua.

2.1. Certeza quanto ao passado
Segundo nos ensina a Bíblia, viver abundantemente é ter certeza quanto ao passado.
Uma das perguntas mais comuns que um pastor ouve, de membros da sua própria igreja e de outras, é:
— Já que não tenho prazer na vida cristã, será que eu sou mesmo salvo?
Se você está mergulhado na sombra destas indagações, a resposta é simples. Não importa a pobreza de sua experiência cristã contemporânea; se um dia, não importa há quanto tempo, entendendo o sacrifício de Jesus Cristo, você o convidou para ser seu Senhor e Salvador, é isto que vale.

Quem crê no Filho tem a vida eterna;
o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida,
mas sobre ele permanece a ira de Deus.
(João 3.36)
Você crê no Filho como Aquele que dá a vida?
Todos os que nEle cremos, fomos purificados DEFINITIVAMENTE por Jesus Cristo, pelo sangue derramado por nós. Nessa vontade é que temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas (Hebreus 10.10).
Selados pelo Espírito Santo, não podemos mais voltar ao estado anterior (a.C.). Depois que ouvimos a palavra da verdade, o evangelho da nossa salvação, tendo nele também crido, fomos selados com o Santo Espírito da promessa (Efésios 1.13).

2.2. Confiança quanto ao presente
Também como nos ensina a Bíblia, viver abundantemente é sentir confiança quanto ao presente. Esta confiança decorre de uma visão acerca de Deus, como esta cantada pelo profeta Isaías:

Desde a antiguidade não se ouviu,
nem com ouvidos se percebeu,
nem com os olhos se viu
Deus além de ti,
que trabalha para aquele que nele espera.
(Isaías 64.4)

A visão de Quem Deus é deve produzir em nós a confiança nEle. O profeta diz que Ele é um Senhor que trabalha para aquele que nele espera (Isaías 64.4). O apóstolo Paulo reescreve este texto de um modo igualmente profundo:

Jamais penetrou em coração humano
o que Deus tem preparado para aqueles que o amam.
(1 Coríntios 2.9)

Nenhum de nós é capaz de compreender o que Deus tem preparado para nós. Ele trabalha para nós. Saber disso nos deve encher de confiança. Para que temer as circunstâncias, por mais sombrias que possam parecer ou efetivamente sejam?

2.3. Esperança quanto ao futuro
Igualmente como nos ensina a Bíblia, viver abundantemente é nutrir, sem medo, esperança quanto ao futuro.
Precisamos confiar no Senhor e esperar nEle (Jeremias 17.7). Se olharmos para  o passado, o passado do povo de Deus e o nosso próprio passado, teremos esperança. A memória produz esperança (Lamentações 3.21).

Quando preparo uma mensagem, procuro visualizar alguns membros da igreja, para ver se as coisas que direi lhes farão sentido. Quando meditava sobre a afirmativa que viver abundantemente é nutrir esperança quanto ao futuro, pensei naquela irmã que cuida da sua tia já velhinha e desejosa que Deus a leve para as mansões celestes. Há esperança para a sobrinha? Qual é a esperança da tia? Podem elas viver abundantemente?
Pensei naquele irmão que vai fazer uma cirurgia para extrair um câncer ou naqueles irmãos que estão enfrentando, com pesadas terapias, os tumores que investem contra as células sadias dos seus corpos? Podem eles viver abundantemente, com expectativas tão pouco animadoras?
Pensei naquele pai cujo filho está agora no Afeganistão, sem poder mandar notícias para casa? Que esperança há para o rapaz, passível de ser morto por seu próprio exército? Que esperança há para o pai, cujo único desejo é abraçar de novo o seu garoto?
Pensei naquela família completamente decepcionada com sua igreja e com seu pastor e que hoje anda desgarrada, à beira de perder a fé no Jesus que um dia a todos salvou. Haverá uma chance para eles?
Pensei naquele jovem que luta para encontrar um emprego, mas não consegue e vive de favores. Há esperança para ele?
Pensei naquela jovem que sonha encontrar um namorado, que possa vir ser seu noivo e seu esposo, mas seu sentimento é de que ninguém a quer. Haverá um dia melhor para ela?
Pensei naquele cônjuge sem prazer de chegar em casa, tanta é a falta de carinho, tamanha é a falta de respeito, imensa é a solidão cercada por silenciosas paredes. Há esperança para casais assim?
Podem estas pessoas viver abundantemente? Será que a vida abundante é só para alguns escolhidos?
Então, voltei à Bíblia à procura do substantivo “esperança”. Encontrei-o 100 vezes, como nestas passagens:

Bendito o homem que confia no Senhor e cuja esperança é o Senhor.
(Jeremias 17.7)

Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus
por meio de nosso Senhor Jesus Cristo;
por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé,
a esta graça na qual estamos firmes
e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus.
E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações,
sabendo que a tribulação produz perseverança;
e a perseverança, experiência;
 e a experiência, esperança.
Ora, a esperança não confunde,
porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo,
que nos foi outorgado.
(Romanos 5.1-5)

Vede que grande amor nos tem concedido o Pai,
a ponto de sermos chamados filhos de Deus;
e, de fato, somos filhos de Deus.
Por essa razão, o mundo não nos conhece,
porquanto não o conheceu a ele mesmo.
Amados, agora, somos filhos de Deus,
e ainda não se manifestou o que haveremos de ser.
Sabemos que, quando ele se manifestar,
seremos semelhantes a ele,
porque haveremos de vê-lo como ele é.
todo o que nele tem esta esperança
a si mesmo se purifica assim como ele é puro.
(1João 3.1-3)

O convite permanece: viver abundantemente é esperar no Senhor, como orando diariamente o grito de Jó:

Eu sei que o meu Redentor vive
e por fim se levantará sobre a terra.
(Jó 19.25)
Viver abundantemente é desafiar as tribulações e aprender com elas, sem se deixar confundir por elas e sem permitir vergar o corpo sob o seu peso, mas graças à presença sustentadora conosco do Espírito Santo, que derrama sobre os nossos corações o amor de Deus. (Romanos 5.1-5)
Viver abundantemente é saber-se filho de Deus e ter a certeza de que ainda não somos aquilo que seremos, mas que o seremos, porque purificados por Jesus Cristo (1João 3.1-3). A maioria das coisas é para nós um enigma (mistério), mas chegará um dia que tudo ficará claro para nós. Nessas horas, e nas boas também, precisamos nos lembrar positivamente que “os cristãos herdam de fato o destino que se vêem nos contos e fábulas: nós (sim, você e eu, os pecadores salvos) viveremos, e viveremos felizes, e pela graça infinita de Deus, viveremos para sempre” (PACKER, J.I. Growing in Christ. Citado por ANDERS, Max. A Igreja. São Paulo: Vida, 2001, p. 210).
Enquanto percorremos nosso itinerário pelos vales e pelas montanhas, as aflições permanecem, mas o sustento do Espírito também. E o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus (1 Coríntios 2.10).
Não podemos esquecer as palavras de Eliú, o único sábio da saga de Jó. Depois de ouvir os discursos dos amigos de Jó e do próprio Jó, ele prepara o discurso do Senhor, dizendo: Deus sabe todas as coisas (Jó 36.5 — BLH).
Viver abundantemente é esperar no Senhor, tire Ele ou não o espinho que dilacera a nossa carne. Se Ele o tirar, ficaremos livres da dor e daremos glórias a Deus. Se Ele não o tirar, conviveremos com a dor e seremos sustentados por Deus, a Quem também daremos glórias.

3. AS MARCAS DA VIDA EM ABUNDÂNCIA
Infelizmente, a vida rala é uma realidade para muitos cristãos.
Assim são as vidas dos cristãos centrados em si mesmos. Eles até oram, mas só oram para pedir alguma coisa boa para si mesmo, pouco para  ter comunhão, pouco para celebrar e raro para interceder pelos outros.
Assim caminham os cristãos controlados por suas próprias consciências, sem se deixarem incomodar pela voz de Deus. Eles até lêem a Palavra de Deus, mas preferem seguir sua própria consciência auto-suficiente e cheia de si mesma.
Assim sobrevivem os cristãos dominados pelos seus próprios temperamentos, não pelo Espírito Santo. Eles até desejam que o Espírito os domine, mas é um desejo medroso, um desejo derrotado, um desejo impaciente; por isto, logo desistem do Espírito, a quem trocam por seus instintos, temperamentos e conhecimentos.
Este tipo de existência é a mais perfeita tradução do que não é uma vida em abundância, conceito que precisamos retomar.
Por isto, se quiséssemos sintetizar numa expressão o que é vida em abundância, poderíamos nos contentar com esta: é vida de prazer, prazer em adorar a Deus, prazer em sermo moldado por Ele, prazer em servir.

3.1. Prazer em adorar
Adorar é reconhecer e conhecer Quem Deus é.
Temos confundido estilos de adoração com adoração, quando necessitamos da clara visão que adorar é reconhecer e conhecer quem Deus é. O profeta enuncia vários adjetivos para afirmar o caráter de Deus: benigno, glorioso, bondoso, generoso e misericordioso.

Celebrarei as benignidades do Senhor e os seus atos gloriosos,
segundo tudo o que o Senhor nos concedeu
e segundo a grande bondade para com a casa de Israel,
bondade que usou para com eles,
segundo as suas misericórdias e segundo a multidão das suas benignidades.
(Isaías 63.7)

Olhando para sua própria história e para a crônica do seu povo, o p(r)o(f)eta conclui que não há Deus como Aquele em Quem crê (Isaías 64.4).
Esta visão de Deus provoca nele um gesto contínuo: a celebração. Celebrar, na verdade, é expressar o reconhecimento de Quem Deus é. A expressão é uma decorrência do reconhecimento. Nosso louvor pode se tornar apenas um gesto aprendido culturalmente, quando ele tem que ser uma expressão de nossa fé no Deus que fez.
Pode parecer estranha a seqüência aqui sugerida: reconhecer e conhecer. Quando reconhecemos Quem Deus é, ficamos tão entusiasmados que nos pomos a caminho para conhecê-lO. Se o meu deus é pequeno, para que irei conhecê-lO? Se o meu deus é desinteressado, por que querei ter um relacionamento pessoal, intenso e duradouro com Ele?
Vida em abundância é vida que adora a Deus. E a única razão para a adoração é o prazer de estar com Ele. Adora quem se encanta “com a beleza do caráter de Deus” (C.S. Lewis).
O combustível da adoração é uma visão correta da grandeza de Deus; o fogo que faz o combustível queimar com calor extremo é o avivamento do Espírito Santo; a fornalha acesa e aquecida pela chama da verdade é nosso espírito renovado; e o conseqüente calor da nossa afeição é a adoração poderosa, que abre caminho por meio de confusões, anseios, exclamações, lágrimas, cânticos, exclamações, cabeças curvadas, mãos erguidas e vida obedientes (PIPER, John. Teologia da alegria. São Paulo: Shedd, 2001, p. 67-68).

3.2. Prazer em ser moldado
Ao reconhecer Quem Deus é, o profeta também traça o retrato completo do homem.

Mas agora, o Senhor, tu és nosso Pai,
nós somos o barro, e tu, o nosso oleiro;
e todos nós, obra das tuas mãos.
(Isaías 64.8)

Deus é o nosso Pai. Ele nos gerou. Esta certeza nos deixa extasiados diante da Sua presença e funda a nossa confiança e esperança nEle. Afinal, somos obra das Suas mãos.
Nossa celebração e nossa confiança e nossa esperança devem ir além do desejo de estarmos na presença dEle e ultrapassar a convicção acerca do Seu amor para conosco. Para que a nossa vida seja abundante, precisamos deixar que Deus nos molde. A vida em abundância é uma obra divina, não uma produção humana.
Aprendemos na Bíblia que devemos viver pelo Espírito e, por vezes, nos pomos a enumerar as ações que devemos tomar para viver pelo Espírito, como se nós fôssemos o Espírito. Sabemos que o que precisamos fazer é convidar o Espírito para nos convencer, converter e transformar.
É tentador inverter as coisas. Como seria melhor para nós, podemos pensar, se Deus fosse o barro e nós o oleiro! Ele responderia a todas as nossas orações… Nós teríamos tudo o que quiséssemos…
É tentador achar que o nosso temperamento não precisa (porque impossível) ser mudado… quando a Bíblia nos recomenda ter a mente (caráter) de Cristo.
É tentador imaginar que os padrões de Deus não são elevados e que podemos continuar com nossos baixos padrões e agradá-lO… quando a Bíblia nos conclama a sermos santos como Deus o é.
É tentador imaginar, porque feitos à imagem-semelhança de Deus, que somos capazes de nos moldarmos naquilo que devemos ser, esquecidos que esta imagem-semelhança foi estragada pelo pecado e que só Jesus Cristo, não nós mesmos, pode restaurá-la.
Vida cristã é mudança. Todo cristão tem duas histórias para contar. A primeira é uma história a.C. (antes de Cristo) e a segunda é uma história d.C. (depois de Cristo). Antes de Cristo, Deus não era o nosso Pai. Depois de Cristo, fomos feitos Seus filhos e começamos a ser mudados por Ele, num processo que só terá fim quando alcançarmos a perfeição.
Vida em abundância é vida que se deixa moldar por Deus.

3.3. Prazer em servir
Quando olhamos para o mundo em que vivemos, custa-nos imaginar que foi criado perfeito por Deus. Na verdade, o mundo está para ser construído. A paz está para ser construída. A justiça está para ser construída.
Deus está fazendo a Sua obra com a cooperação de muita gente, cristãos e não-cristãos. Talvez Ele preferisse os cristãos, mas os cristãos gostam muito de adorar… e pouco de agir. Jesus orava, ensinava e curava. E é o Seu modelo que devemos adotar.
O mundo é o campo de nossas ações. Há muitas áreas, mas quero mencionar apenas três.
Começo pela oração intercessória. A transformação do mundo começa pela oração. Precisamos falar a Deus acerca dos nossos desejos de paz e de justiça. Precisamos falar a Deus acerca das necessidades dos outros. O suprimento divino é uma decorrência da oração.
Devemos orar mais pelo mundo e pelos outros em nossos encontros pessoais com Deus. Podemos também formar um grupo de oração em casa ou na igreja, dedicando, por exemplo, uma hora por dia para orar pelas pessoas.
Vida em abundância se evidencia na preocupação efetiva com os destinos dos outros. O serviço ao outro é fonte de alegria.
Há sempre uma boa causa na qual nos envolvermos. Sempre haverá uma oportunidade para passarmos da teoria à prática, tanto no plano individual quanto no plano coletivo. Por exemplo, há sempre um irmão ou irmã precisando de um acompanhante enquanto se recupera de uma cirurgia. Estamos cheios de teóricos, teóricos pagãos, que não citam a Bíblia, e teóricos bíblicos, que usam o Livro de Deus, mas que passam ao largo dos caídos da vida.
Há sempre um lar precisando de um culto, uma pessoa precisando ser aproximada de Cristo. Em João 10, Jesus diz que há muitos que ainda não fazem parte do Seu aprisco.

Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco;
a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz;
então, haverá um rebanho e um pastor.
(João 10.16)

Como seu vizinho ou seu colega ou seu amigo vai ouvir a voz de Cristo e receber o convite para entrar no rebanho de Jesus Cristo, se você não tomar a iniciativa de apresentar um ao outro?
Que tal formar um núcleo no seu trabalho, na sua escola ou na sua casa, para apresentar Jesus? Estes núcleos poderão se reunir semanalmente ou mensalmente, no local e horário mais conveniente para os seus convidados.
As pessoas estão ávidas de Jesus e muito O retemos.
Vida em abundância é vida que serve, porque contagiada pelo amor de Cristo para ser contagiante com o amor de Cristo.

4. O CAMINHO PARA UMA VIDA EM ABUNDÂNCIA
Conferindo as promessas de Jesus em João 10 com as experiências de que somos atores e testemunhas, observamos que há cristãos que têm permitido que a qualidade de suas vidas cristãs seja roubada. Eles têm ouvido a voz dos ladrões (estranhos), que não dão a vida pelos seus seguidores (verso 12), nem os conhecem (verso 15)
O conteúdo destas vozes é bom conhecido e têm a aparência de boas verdades a serem seguidas. Eis o que nos dizem os ladrões da vida abundante:

— Você está sozinho no mundo e tem que se virar. Deus deixou as regras; siga-as.
— Você deve seguir a voz da sua consciência. Você não pode abrir mão da sua liberdade de tocar a sua vida.
— Você conquistou a sua independência; siga em frente. Você não precisa fazer parte de nenhum rebanho.
— Você precisa deixar de ser egoísta: num mundo como este, com tanta escassez, você acha que pode ter vida abundante.
No entanto, a leitura das promessas de Jesus (João 10) nos lembra verdades opostas, as quais, estas sim, porque vindas de Deus, devemos obedecer.

4.1. Recuperando o entusiasmo
Nós não estamos sozinho no mundo. Deus deixou as regras, ajuda-nos a cumpri-las e, se necessário, quebra-as em nosso favor.
Não importa que o Ladrão diga que não somos amados pelo Bom Pastor, pois, com a autoridade de Quem nos deu sua própria vida (verso 11), Ele nos garante que nos ama e quer que nos alimentemos de novo da sua pastagem (verso 9).
Não importa que o Ladrão tente nos enganar, dizendo que devemos seguir nossa própria consciência. Devemos, antes, nos lembrar que a chamada consciência é formada pela cultura em que vivemos e pelas experiências acumuladas, num pesado círculo que nos aprisiona.
Só há um modo de quebrar esta corrente. É rededicando nossas vidas ao Sumo Pastor de nossas almas. Só assim nossos corações voltarão a palpitar diante da presença de Deus, seja no templo, seja fora dele. Em muitos cristãos há a mesma lembrança do salmista:

As minhas lágrimas têm sido o meu alimento dia e noite,
enquanto me dizem continuamente: O teu Deus, onde está?
Lembro-me destas coisas
— e dentro de mim se me derrama a alma—,
de como passava eu com a multidão de povo
e os guiava em procissão à Casa de Deus,
entre gritos de alegria e louvor, multidão em festa.
(Salmo 42.3-4)

No entanto, em nós outro deve ser o nosso sentimento:

Como suspira a corça pelas correntes das águas,
assim, por ti, o Deus, suspira a minha alma.
A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo;
quando irei e me verei perante a face de Deus?

(Salmo 42.1-2)
Ao rededicar nossas vidas ao Senhor, passamos a viver em Sua presença, diante da Sua face, sabendo que

Quão amáveis são os teus tabernáculos, Senhor dos Exércitos!
A minha alma suspira e desfalece pelos átrios do Senhor;
o meu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo!
O pardal encontrou casa, e a andorinha, ninho para si, onde acolha os seus filhotes;
eu [encontrei] os teus altares, Senhor dos Exércitos, Rei meu e Deus meu!
(Salmo 84.1-3)

Reapresentemos nossas vidas diante de Deus e recuperemos o entusiasmo de sermos conduzidos pelo Sumo Pastor.
Precisamos nos emocionar diante de Deus. Precisamos tremer diante da Sua presença. Precisamos gritar de alegria diante da manifestação do Seu poder para conosco.
Estamos em sequidão de estio (Salmos 32.4)? Estamos vivendo uma vida cristã rala? Voltemos ao aprisco. Voltemos ao altar.

4.2. Comprometendo-nos em reconhecer e conhecer a Deus
Jesus nos diz como vive aquele que tem vida abundante. Segundo Ele, vive em transbordância aquele que reconhece a voz do Bom Pastor, distinguindo-a de outras vozes por mais sedutoras que pareçam (versos 2-4); segue o Sumo Pastor, e nunca o Ladrão, e alimenta-se da Palavra do Pastor (verso 9), não de outras palavras.
O prazer de quem tem vida transbordante é conhecer a Deus mais e mais. O Ladrão diz: “Olhe para o pastor de sua igreja”. Jesus diz: “olhe para Deus”. O mercenário diz: “mire-se nos irmãos de sua igreja”. Jesus diz: “olhe para Deus”.
A fonte da vida transbordante é Deus. Conhecê-lO é, portanto, ter vida uma vida que  excede de prazer.
Minha sugestão é que há dois estágios no nosso relacionamento com Deus. O primeiro é o do reconhecimento de Quem Deus é? Como o conseguimos? Olhando nossas próprias histórias e as histórias dos homens e das mulheres da Bíblia. Lendo a Sua Palavra, reconheceremos Quem Ele é, pois nEla Ele se revela de modo perfeito a cada um de nós. Lendo a Sua Palavra, somos orientados, tanto por textos clássicos, que conhecemos de cor, quanto por aqueles que chamo de “pérolas perdidas”, como a oração de Jabes (1Crônicas 4.10) ou a escolha de Jotão (Assim, Jotão se foi tornando mais poderoso, porque dirigia os seus caminhos segundo a vontade do Senhor, seu Deus — 2 Crônicas 27.6).
Além de reconhecer Quem Deus é, precisamos conhecê-lO. Devemos nos lançar, portanto, ao segundo estágio neste relacionamento. Na Bíblia, aprendemos a reconhecer Quem Deus é, mas é por meio da oração que nós O conhecemos como sendo efetivamente o nosso Deus. Pela Bíblia, penetramos na mente de Deus. Pela oração, alcançamos o Seu coração. Pela Bíblia, Deus molda o nosso pensamento. Pela oração, ele muda o nosso caráter. A Bíblia é a razão de Deus. A oração é a sua emoção. A Bíblia nos orienta a como viver e a oração nos faz viver efetivamente.
Não há fórmula mágica para a vida em abundância, que vem pelo reconhecimento e conhecimento de Deus, que vêm pela leitura da Sua Palavra e pela oração.
Tem vida abundante quem está conectado com a mente de Deus e refestelado no coração do Pai.

3. Aprendendo a viver
A vida em abundância decorre também de outro tipo de compromisso; o compromisso com a arte de viver.
Temos permitido que o Ladrão nos roube a cena da abundância, quando deixamos de olhar para o Bom Pastor e passamos a olhar para as ovelhas. Há pessoas tão observadores dos outros, que se esquecem de olhar para Deus. A sabedoria que a Palavra dEle nos inspira é contemplar os atos de Deus em nossas vidas. Quando o fizermos, concluiremos que não há Deus como Ele, que trabalha por aqueles que nEle esperam (Isaías 64.4).
Com esta perspectiva inaugural, poderemos olhar para as coisas e para as pessoas, para as coisas que Deus fez para usufruir o que estas coisas têm para nos dar; para as pessoas que Deus criou, para fruir com elas as manifestações do cuidado do Senhor para conosco. É sábio olhar para as pessoas assim.

Temos permitido que o Ladrão nos roube a cena da abundância, quando ele insiste para que esperemos demais das pessoas. Na verdade, trata-se de falta de sabedoria. É falta de sabedoria esperar delas gratidão, porque o índice bíblico de pessoas gratas é de apenas 10% (Lucas 17.12-19). É falta de sabedoria esperar santidade das pessoas, porque o ensino bíblico é que não está em nenhum de nós fazer o bem que desejamos (Romanos 7.21). Somos todos criações de Deus, mas fomos todos corrompidos pelo pecado, e assim continuamos até hoje, mesmo depois nos convertermos a Jesus Cristo como Salvador e Senhor.

Temos permitido que o Ladrão nos roube a cena da abundância, quando deixamos de fazer coisas dignas para os outros e para nós mesmos. Eis o que nos diz o Senhor em Sua Palavra:

Por esta razão, também nós, desde o dia em que o ouvimos,
não cessamos de orar por vós
e de pedir que transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade,
em toda a sabedoria e entendimento espiritual;
a fim de viverdes de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado,
frutificando em toda boa obra e crescendo no pleno conhecimento de Deus;
sendo fortalecidos com todo o poder, segundo a força da sua glória,
em toda a perseverança e longanimidade;
com alegria, dando graças ao Pai,
que vos fez idôneos [para] parte que vos cabe da herança dos santos na luz.
(Colossenses 9.10-12)

O Ladrão, no entanto, está sempre a nos dizer que podemos cultuar sozinho a Deus, que podemos ser felizes sozinhos. Esta é a sua forma de nos enganar para nos dominar. Ele sabe que, sozinhos, somos fracos.

Precisamos nos comprometer com a arte de bem viver, que consiste em ter os olhos fixos em Jesus, em avaliar as pessoas como elas verdadeiramente são (ou como nós verdadeiramente somos) e em conviver com as pessoas, para nos fortalecermos em nossa caminhada de vida transbordante.

5. CONCLUSÃO
A vida abundante é só para quem está bem? Ou é também para quem está enfermo, para quem está desempregado, para quem está envolvido em algum tipo de situação de solução difícil?
A promessa de Jesus sobre a vida transbordante é uma possibilidade para todos aqueles que são do Seu rebanho.
Devemos ter cuidado com o Ladrão, que tenta nos roubar a abundância de vida, para que vivamos uma vidinha cristã, rala. Também nessa circunstância, a promessa de Jesus permanece clara, ao nos garantir que ninguém nos arrebatará da Sua mão.
Talvez você esteja esperando as coisas melhorarem, para você mergulhar na vida abundante. Digo-lhe, no entanto, que uma vida tranqüila não é necessariamente o território mais propíscio para o desenvolvimento da transbordância cristã. Mergulhe na vida abundante. Só então as coisas vão melhorar, não importam os espinhos na carne, porque a vida que transborda é a vida sustentada pela Graça.