Lucas 23.34: PERDOANDO PARA A PAZ, 2

PERDOANDO PARA A PAZ, 2
Lucas 23.34: 

Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 7.10.2001 (manhã)

1. INTRODUÇÃO
Philip Yancey escreveu, com razão (em Maravilhosa graça. São Paulo: Mundo Cristão, 2000, p. 109), que o que nos torna diferentes dos animais “não é a nossa capacidade de pensar, mas a nossa capacidade de nos arrependermos e perdoar”.
No entanto, a pergunta que tem que ser feita, como me foi lembrada por alguém que me ouviu sobre o assunto, é, entre outras, a seguinte: “Temos que perdoar os nossos inimigos, mesmo que eles não tenham se arrependido do mal que nos fizeram?” No fundo, esta indagação contém outra, quase em forma de resposta: “Deus pode perdoar aquele que não se arrependeu dos seus pecados? Eles não precisam ser trazidos ao arrependimento?”

Posso fazer um balanço de nossas atitudes diante do(s) erro(s) do(s) outro(s) para conosco nas seguintes categorias.
1. Ignoramos as ofensas, como se elas não tivessem acontecido, ou não levar em conta as ofensas cometidas contra nós.
2. Propomo-nos a não perdoar (a lembrar sempre, com ou sem ódio).
3. Dispomo-nos a perdoar, desde que haja arrependimento, por parte do ofensor.
4. Tomamos a iniciativa de perdoar, não importa a atitude do ofensor.

Quando, ao contrário, nós somos os ofensores, podemos tomar atitudes idênticas:
1. Ignoramos as ofensas que produzimos, embora sejamos peritos em nos oferecer como vítimas.
2. Fechamo-nos em nós mesmos, como se aguardássemos que os ofendidos sejam, além de ofendidos, ainda humilhados por nós.
3. Reconhecemos os nossos erros, que em conviver saudavelmente com as nossas limitações. Errar é humano, mas o pior dos erros é o não reconhecimento do erro.
4. Tomamos a iniciativa de reparar o erro, pedindo perdão e pagando o preço por nossas falhas (se conseqüências houve).

2. PASSOS PARA O PERDÃO, QUANDO NÓS SOMOS OS OFENDIDOS
Se queremos perdoar, há alguns passos neste percurso.

1. Faça o inventário das ofensas recebidas.
Se elas ficarem “adormecidas”, poderão voltar um dia. Simplesmente ignorá-las ou fazer de conta que não existiram não é a melhor atitude. Os relacionamentos devem ser edificados em meio à verdade. A vida não pode ser experienciada como um constante varrer o lixo dos comportamentos humanos para debaixo do tapete. Antes, as ofensas devem ser recolhidas e só então jogadas no lixo.
Só podemos esquecer as coisas que para trás ficam, quando sabemos quais são essas coisas. Sem as conhecer, elas nos acompanharão. Conhecendo-as, avançaremos para as coisas que estão diante de nós (Filipenses 3.13).
O caso de José do Egito é bastante instrutivo da sabedoria desta atitude. Ele recapitulou para si mesmo e para seus irmãos, e depois para o seu pai, todas as injustiças que sofreu (Gênesis 50).

2. Proponha-se a perdoar.
Não guarde ódio, que excita (provoca) contendas (Provérbios 10.12). É por isto que o insensato expande toda a sua ira, mas o sábio afinal lha reprime (Provérbios 29.11).
Como aconselha o apóstolo Paulo, o sol não se pode pôr sobre a nossa ira (Efésios 4.26). E a recomendação não é propriamente espiritual, mas existencial (de sabedoria de vida). A raiva não só pode levar ao homicídio, mas pode destruir por dentro o próprio ofendido.
Nosso modelo é o próprio Deus, que é misericordioso, perdoa a iniqüidade e não destrói; antes, muitas vezes desvia a sua ira e não dá largas a toda a sua indignação (Salmo 78.38).

3. Disponha-se a perdoar, toda vez que o ofensor pedir perdão. O padrão de Jesus põe um limite: Se, por sete vezes no dia, pecar contra ti e, sete vezes, vier ter contigo, dizendo: Estou arrependido, perdoa-lhe (Lucas 17.4). Trata-se de um limite ilimitado, pois que muito dificilmente uma mesma pessoa nos ofenderá sete vezes num mesmo dia. Ademais, sete é o número utilizado para designar quantidades ilimitadas. A mesma extensão aparece num dos seus diálogos com Pedro:
— Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?
— Não te digo que até sete vezes, mas até 70 vezes 7 (Mateus 18.21-22)
A tradução é simples: devemos repetir a operação de perdoar 490 vezes. Trata-se de um número inalcançável, como a dizer que devemos perdoar o próximo que nos ofende todas as vezes que ele nos pedir perdão.
A recomendação de Jesus é bastante clara: Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe (Lucas 17.3)

4. Tome a iniciativa de perdoar. Mesmo que o ofensar não lhe peça perdão, perdoe-o.
Como me perguntou alguém, “o perdão está intimamente ligado ao arrependimento. Como perdoar o ofensor se ele não se arrependeu? Afinal, a Palavra de Deus também fala do arrependimento”. Em outras palavras, “todo o perdão da parte ofendida pressupõe arrependimento daquele que ofendeu. Como fica o perdão quando o arrependimento não se evidenciou?”
A atitude de Jesus na cruz responde de modo perfeito a este conjunto de indagações. Esperou Ele que a multidão que o crucificava pedisse perdão? Agredido física e emocionalmente, com toda a injustiça de que os seres humanos são capazes, contudo, Jesus dizia: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem (Lucas 23.34). Seus algozes não lhe pediram perdão, mas Ele os perdoou. Ele morreu em paz. Aqueles que aceitaram o seu perdão também morreram em paz. Seus assassinos e aqueles que consentiram com a sua morte não ficaram presos emocionalmente; Jesus os liberou para a vida, desde que quisessem.
Antes de Jesus, mais precisamente 17 séculos antes, José mostrou como devemos nos comportar, mesmo quando a violência, até aquela vinda do interior de nossas famílias, nos alcança.
Como sabemos, seus irmãos o desejavam morto, por arderem de ciúme e inveja dele. Num gesto de bondade, eles o venderam como escravos para uns beduínos palestinos. Estes o revenderam para patrões egípcios. No Egito, ele passou dificuldades diversas, inclusive a calúnia, e conheceu as masmorras dos faraós.
Como Deus estava com ele, o rapaz triunfou e chegou ao mais alto posto da política nacional. Seus irmãos foram bater na nova terra de José, como retirantes por causa da fome que dizimava as famílias da Palestina.
O primeiro-ministro reconheceu seus irmãos e armou um esquema para estar com eles. Diz a Bíblia que José, não se podendo conter diante de todos os que estavam com ele, bradou:
— Fazei sair a todos da minha presença!
E ninguém ficou com ele, quando José se deu a conhecer a seus irmãos. E levantou a voz em choro, de maneira que os egípcios o ouviam e também a casa de Faraó. E disse a seus irmãos:
— Eu sou José; vive ainda meu pai?
E seus irmãos não lhe puderam responder, porque ficaram atemorizados perante ele. Disse José a seus irmãos:
— Agora, chegai-vos a mim.
E chegaram-se. Então, disse:
— Eu sou José, vosso irmão, a quem vendestes para o Egito. Agora, pois, não vos entristeçais, nem vos irriteis contra vós mesmos por me haverdes vendido para aqui; porque, para conservação da vida, Deus me enviou adiante de vós. Porque já houve dois anos de fome na terra, e ainda restam cinco anos em que não haverá lavoura nem colheita. Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa sucessão na terra e para vos preservar a vida por um grande livramento. (Gênesis 45.1-7)
Em lugar fazer com eles o que lhes fizeram, José os abraçou e chorou com eles e ainda agradeceu a violência que cometeram contra ele, arrancando-se de casa, odiando-o tão fortemente.
José perdoou a seus irmãos sem que eles realmente tivessem se arrependido, como o demonstra a continuação da história.
Vendo os irmãos de José que seu pai já era morto, disseram:
— É o caso de José nos perseguir e nos retribuir certamente o mal todo que lhe fizemos.
Portanto, mandaram dizer a José:
— Teu pai ordenou, antes da sua morte, dizendo: Assim direis a José: Perdoa, pois, a transgressão de teus irmãos e o seu pecado, porque te fizeram mal; agora, pois, te rogamos que perdoes a transgressão dos servos do Deus de teu pai. José chorou enquanto lhe falavam.
Depois, vieram também seus irmãos, prostraram-se diante dele e disseram:
— Eis-nos aqui por teus servos.
Respondeu-lhes José:
Não temais; acaso, estou eu em lugar de Deus? Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida. Não temais, pois; eu vos sustentarei a vós outros e a vossos filhos.
Assim, os consolou e lhes falou ao coração (Gênesis 50.15-21).
Os irmãos de José não se arrependeram propriamente, embora tenham se prostrado. Eles agiram por medo, não por arrependimento. Assim, por não querer fazer justiça, que pertence a Deus, cujo lugar José não quis ocupar, o gerente-geral do Egito não permitiu que a amargura do seu coração.
Sabem por que? Ele tinha o Espírito de Deus. Até seu chefe (o Faráó) o reconheceu (Gênesis 41.38).
Se eu não perdôo, é porque vivo pelo meu próprio espírito, escravão de minhas emoções, acreditando no olho-por-olho, dente-por-dente, não pelo Espírito Santo.

3. PASSOS PARA O PERDÃO, QUANDO NÓS SOMOS OS OFENSORES
E quando nós somos aqueles que provocamos os danos nas vidas dos outros? Devemos ser cuidados também aqui, porque é muito difícil notar que erramos, que ofendemos, que magoamos, que destruímos.
Há poder em nossas palavras…

1. Faça o inventário das ofensas que cometeu.
Preste atenção. Veja se alguém mudou com você. Verifique se não ofendeu, voluntariamente ou não. Não seja escravo de uma ofensa, muito menos de um mal-entendido.
Não prestar a atenção em nossas próprias palavras e atitudes é uma fuga que só produz infelicidade… em você mesmo e nos outros.
Não seja um trator a passar por cima das emoções dos outros, nem mesmo por uma boa causa.
Ore ao Senhor para lhe dar uma percepção correta da vida, especialmente da vida relacional.

2. Disponha-se a pedir perdão.
Tenha a humildade de reconhecer seu(s) erro(s). Tenha a coragem de tomar a iniciativa, mesmo que isto lhe seja humilhante. Saiba que uma nova vida vai se lhe descortinar.
Há pessoas que ofendem as pessoas em público e depois acham que lhe bastam apenas pedir perdão a Deus. A recomendação de Jesus é clara demais, a este propósito. Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta (Mateus 5.23-24).
Quando você ofendeu, não pediu as palavras, não mensurou as conseqüências. Antes, partiu para cima do inimigo (com ou sem aspas) e lhe disse ou fez o que achava que devia. Esta mesma disposição deve estar presente na reparação do erro.
Ore ao Senhor para mudar a sua perspectiva de vida, uma perspectiva corajosa, capaz de assumir os riscos de pedir perdão. Não pergunte primeiro por suas chances de ser perdoado. Mesmo sem chances, busque o perdão.

3. Insista em ser perdoado.
Não peça perdão burocraticamente, para mostrar sua “virtude” de buscar o perdão. Peça perdão, acreditando que esta atitude fará bem a você e àquele a quem você ofendeu.
Telefone. Escreva. Mande um recado direto e claro. Visite. Corra ao encontro de quem você ofendeu, mas corra logo. Hoje, de preferência. Agora, se for possível. Se o Espírito Santo tocou você agora, nem espere este culto terminar. Levante-se e saia para uma nova vida.
Ore ao Senhor para lhe dar o desejo do perdão.

4. Perdoe quem não lhe perdoa.
Se aquele a quem você magoou tem dificuldade em lhe perdoar, perdoe-o por ser assim tão duro com você. Não se magoe com a mágoa do outro. Ponha-se um pouco no lugar dele.
Ore ao Senhor para lhe dar o fruto do espírito da misericórdia. Peça perdão ao Senhor pela ofensa que cometeu. Peça ao Senhor que intervenha e mude o coração do outro. Ore, perdoe e aguarde.

4. CONCLUSÃO
Não nos esqueçamos que a iniciativa de Deus, em nos perdoar, foi unilateral porque não tínhamos condições sequer de tomar a iniciativa de Lhe pedir perdão. O Senhor é longânimo e grande em misericórdia, que perdoa a iniqüidade e a transgressão (Números 14.18).
Tenhamos a coragem de pedir perdão a Deus e começar ou recomeçar com Ele uma nova caminhada. Nós podemos recuperar a alegria da salvação.
Tenhamos a coragem de pedir perdão àquele a quem ofendemos. Nós podemos recuperar a alegria da comunhão.
Tenhamos a coragem de perdoar àqueles que nos ofenderam. Nós podemos retomar o prazer de viver em comunidade, na família e na igreja.
Queiramos viver em paz com todos. Afinal, se alguém disser: “Amo a Deus”, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê (1 João 4.20). Não façamos Deus mentiroso.
Quando oramos, não pedimos a Deus que nos perdoe do mesmo modo como perdoamos a todos que nos devem? (Lucas 11.4). Confessemos, pois, os nossos pecados uns aos outros e oremos uns pelos outros, para sermos curados (Tiago 5.16a).
Peçamos ao Espírito Santo para que nos ajude a dar fruto próprio de pessoas arrependidas e compromissadas com uma vida de, com, pela e para a fé.

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