A SENHA
Apocalipse 2.12-17
Pregado na Igreja Batita Itacuruçá, em 31.12.2001 (noite)
INTRODUÇÃO
Está difícil movimentar nossas contas bancárias nos terminais eletrônicos. Para ficar protegido dos ladrões digitais, precisamos gravar tantas informações secretas que acabamos, por vezes, trocando algumas delas. Em alguns bancos, temos que decorar duas senhas: uma com uma porção de números e outra com algumas letras, além de dados pessoais.
O pressuposto do sistema é que só nós possuímos as senhas. Há uma interessante correlação com a linguagem apocalíptica. O pressuposto de Jesus Cristo, cujas palavras aparecem nesta carta, é que os seus primeiros ouvintes/leitores sabiam o que era o maná escondido, a pedra branca e o novo nome. Mais que isto, estas expressões traziam aos seus ouvintes/leitores uma mensagem clara de desafio e esperança, completamente contemporânea aos nossos olhos e ouvidos.
1. UMA ADVERTÊNCIA AINDA NECESSÁRIA
Nossos irmãos pergameses ouviram rasgados elogios do seu Senhor (versos 12 a 13). Em Pérgamo, estava o centro do nascente culto ao imperador romano. Resistir tinha um preço muito alto. E eles resistiram. Bom seria que cada um pudesse ouvir de Jesus palavras como estas: “meu servo, gosto de saber que reténs o meu nome, que não negas a fé em mim, mesmo tendo que pagar com a própria vida”. Aqueles nossos irmãos antigos eram vencedores.
Havia, no entanto, uma ameaça poderosa, que começava a minar a fidelidade da igreja a Jesus Cristo. Eles toleravam, aceitando como normal, o comportamento de alguns membros da igreja que tinham se tornado balaamitas e nicolaítas. Para entender o balaamismo, temos que voltar ao Primeiro Testamento (Números 22 a 31).
Balaão foi alguém que alugou os seus serviços proféticos ao rei Balaque, inimigo de Israel. Num primeiro momento, Balaão, repreendido por uma jumenta, foi fiel a Deus e abençoou o seu povo. Mais tarde, no entanto, ele instruiu Balaque a como levar o povo de Israel à prostituição e à idolatria (Números 31.16). E o povo o seguiu.
Quanto ao nicolaitismo, ele aparece aqui como um termo genérico para o libertinismo, que propõe que o corpo e a alma não se comunicam; logo, segundo esta equivocada visão, o cristão está livre para fazer o que quiser com o seu corpo, sem que isto interfira em seu relacionamento com Deus.
Nesta carta de Apocalipse, os pergameses cristãos são advertidos a triunfarem sobre estes dois perigos. A advertência permanece contemporânea e somos convidados a sobre eles triunfarmos, pela palavra de Cristo. Quais eram os perigos e como eles ainda nos ameaçam contemporaneamente?
Entre os pergameses, alguns cristãos participavam ativamente das festas aos deuses imperiais. Eles não se limitavam apenas a comprar carnes sacrificadas nos templos pagãos, prática liberada por Paulo aos cristãos, desde que as suas consciências não os condenassem, mas se divertiam nos templos, entregando, durante a semana, seus corpos indiretamente à idolatria e diretamente à prostituição. No domingo seguinte, estavam nas casas de culto ao Senhor cantando que “digno é o Cordeiro”.
Se não se arrependessem, logo as práticas dos pagãos entrariam nas festas cristãs, de modo que daqui a pouco não haveria diferença entre a festa de um cristão e a festa de um pagão. Daqui a pouco na festa dos cristãos não haveria oração e não se falaria no nome de Jesus. Daqui a pouco na festa dos cristãos nada haveria que indicasse que os seus promotores eram tementes a Deus. Daqui a pouco os cristãos cederiam à pressão e seriam engolidos e devorados pelos pagãos. Passariam de vencedores a vencidos.
O problema não era a festa, que era apenas a porta de entrada pela qual Satanás alargaria o seu trono (verso 13a). O problema é que, quando isto acontecesse, o nome de Jesus seria negado e não haveria mais mártires, como Antipas (verso 13b).
O problema era a imoralidade tornando-se padrão. O problema era a santidade, de mente e corpo, ser riscada do ideal cristão. O problema era não haver mais diferença visível entre cristãos e não cristãos.
2. O MANÁ ESCONDIDO
As promessas que Jesus faz à igreja de Pérgamo servem também de convite a um estilo de vida realmente cristão. O Senhor da igreja está a dizer: “Meus filhos, vocês são uns vencedores, e vencedores continuarão se comerem do maná escondido que Deus tem para vocês e vencedores permanecerão se retiverem a pedra branca que eu lhes dou”.
Há promessa para o futuro, mas o futuro cristão começa sempre agora. A esperança cristã não é uma projeção da saúde, mas uma certeza que mobiliza o nosso presente.
Os cristãos não precisavam comer nas festas pagãs, porque tinham, como alimento, o maná oferecido por Deus. Como lemos na Torah (Êxodo 16.33 e outros), durante 40 anos Deus alimentou o seu povo, até chegaram a Canaã, com este cereal do céu (Salmo 78.24), que caía junto com o orvalho da madrugada. Moisés mostrou que, com esta provisão, o Senhor mostrou não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do Senhor viverá o homem (Deuteronômio 8.3).
Só o povo de Deus tinha este tipo de provisão, com sabor próximo ao mel (Êxodo 16.31). O seu Deus era diferente, logo o povo de Deus também o era. O povo não podia jamais desesperar, nem mesmo quanto ao seu sustento material.
O maná se tornou um memorial permanente para o povo, para que as gerações futuras se lembrassem que seus antepassados foram alimentados diaramente pelo Senhor. A arca da aliança continha um vaso cheio de maná, talvez cozido ou assado para ser preservado (Êxodo 16.33), juntamente com o bordão de Aarão e as tábuas da aliança (Hebreus 9.4).
A arca desapareceu e junto com ele a porção de maná nela guardado. É por isto que ele é chamado aqui de maná escondido. Jesus se apresentou como maná, como pão do céu. Disse Ele: Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que todo o que dele comer não pereça. Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne (João 6.49-51).
Todos os seres humanos são convidados a tomar deste pão, não do pagão que perece, mas do pão que permanece. Eu moro em cima de uma padaria e enquanto escrevia esta mensagem, um cheiro de pão quente me alcançou. Todo o dia o pão é produzido e vendido. O que sobra é jogado fora, porque no dia seguinte é preciso fabricar novo pão. Diferentemente, Jesus Cristo é pão celeste, pão eterno, que não envelhece, que não precisa ser ingerido todo dia.
Sua vida, Sua morte, Sua ressurreição e Sua volta para Casa (no céu) é um convite ao todos os seres humanos, para que participem da ceia das Suas bodas, a festa do Cordeiro (Apocalipse 19.9). Quando ali estivermos, na festa do Messias, o maná escondido será revelado. Então, não só saberemos o que realmente era este pão que vinha do céu toda manhã, como comeremos dele.
Esta é a promessa para os cristãos. Para que e por que comer os manjares que os sem-Deus nos oferecem?
No aqui e agora, o maná que temos para comer é a Palavra de Deus, a espada aguda de dois gumes de Jesus Cristo (verso 12). É dela que temos que comer, se queremos vencer o mundo. Só a Palavra de Cristo vence o mundo. Só comendo dela, seremos alimentados pelos valores de Deus. Só comendo dela, seremos diferentes. É aquilo que comemos que nos constitui. Se comendo a Palavra de Cristo, ficaremos cheios dela. Espiritualmente falando, só o pão do céu é que deve nos alimentar.
3. A PEDRA BRANCA, COM UM NOME
A promessa-convite de Jesus continua. Os vencedores são aqueles que recebem uma pedra branca, com um novo nome escrito, o qual ninguém conhece senão aquele que o recebe.
Segundo nos informam os historiadores, a estrutura social do mundo antigo era constituída, simplificando, de duas grandes classes sociais: os cidadãos (ou patrões ou patronos) e os clientes. A cada dia, os pobres recebiam dos seus protetores alimento e dinheiro para as suas necessidades básicas. Eles também podiam receber presentes especiais. Para identificá-los, recebiam uma espécie de barra, feita de madeira, metal ou pedra, chamada tessera. Esta tessera era a senha que lhes dava acesso a muitos benefícios.
Era comum também no mundo antigo o uso de pedras brancas para servirem como bilhetes de entrada aos festivais públicos. Sem estas pedras brancas, não se tinha acesso às grandes festas promovidas pelos governantes das cidades.
Os irmãos de Pérgamo ouviram que tinham ao seu dispor uma pedra branca, uma senha de acesso direto a Deus, por meio de Jesus Cristo, através de Quem podem usufruir todas as bênçãos do depósito inesgotável do Trono do Pai. Essa senha está em nosso poder. Os cristãos não precisamos mendigar diariamente à porta de patrão algum. Nós temos já participamos da festa do Cordeiro, que não vai terminar jamais.
Esta pedra é, não por acaso, branca, a cor preferida de Deus. Essa cor indica o modo como devemos nos chegar a Ele, em santidade, em pureza.
Esta pedra branca tem uma inscrição, um nome novo, que será conhecido apenas por quem o recebe. A maioria dos comentadores entende que este nome é o nome de Jesus. Na festa do Cordeiro, Sua revelação terminará e nós O conheceremos de modo perfeito, não mais por enigma.
Ele revelará a cada um dos seus filhos o seu novo nome, indicando que Ele é pessoal, intransferível, como uma senha de banco. É no nome de Jesus que devemos confiar.
Informam-nos também os historiadores que, no mundo antigo, homens e mulheres tinham por hábito carregar um amuleto, feito de metal ou de uma pedra preciosa, a qual continha uma inscrição com o nome de um deus. Para aquelas pessoas, saber o nome deste deus lhes dava poder sobre este deus.
Nesta epístola, Jesus está dizendo: “Seus amigos pagãos carregam amuletos, com inscrições supersticiosas, nas quais confiam inutilmente, achando que serão guardados por eles. Vocês não precisam de nada disto. Vocês estão seguros na vida e da na morte porque conhecem o caráter e o nome do verdadeiro Deus”.
Os pagãos confiam em seus ídolos e em seus amuletos, o cristão confia no nome de Deus, por meio de Jesus.
CONCLUSÃO
Como os irmãos de Pérgamo, somos convidados a continuar vencedores.
Somos convidados a manter uma moral elevada, inspirada por Deus e realmente diferente, e não diferente apenas na forma
.
Ceia é o símbolo de que buscamos ser fiéis, alimentando-os apenas desse pão.
Em certo sentido, o maná escondido é o pão de Deus entregue aos cristãos e tomado simbolicamente quando da celebração da Ceia do Senhor. Jesus é o pão da vida e quem se alimenta deste pão não precisa de outro.