Tito 2.15-3.8: PROCLAMAÇÃO

A VISÃO MINISTERIAL DA PROCLAMAÇÃO
Tito 2.15-3.8
Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 9 e 16.3.2003

Depois que uma guerra termina, cada um de nós mantém algumas imagens dela. A que ficou comigo, no contexto da invasão norte-americana ao Afeganistão, era a desafiadora e corajosa entrevista coletiva que o embaixador talebão oferecia à imprensa mundial todo dia no Paquistão. Dezenas de microfones eram espetados na mesa e ele dava sua versão sobre o curso da guerra. Quando acabava seu trabalho, ele pegava seu jipe e desaparecia. Os  jornais e telejornais do mundo inteiro reproduziam as informações do embaixador, sempre otimistas sobre a resistência afegã. Aos poucos, no entanto, com o governo que representava sendo esmagado, o embaixador não apareceu mais, porque não tinha mais a quem representar e não tinha mais o que dizer.
O apóstolo Paulo se compara e nos compara a este tipo de funcionário publico, quando nos chama de “embaixadores de Cristo, como se Deus estivesse fazendo o seu apelo por nosso intermédio” (2Coríntios 5.20). É por intermédio dos seus embaixadores que Cristo se apresenta ao mundo. O embaixador talebão teve que deixar a cena porque não tinha mais o que dizer, uma vez que seu governo tinha acabado. Há muitos cristãos que podem ser comparados àquele embaixador, embora o Reino de Deus continue inabalado.

PORQUE TEMOS PROCLAMADO POUCO O EVANGELHO DE JESUS?
Como todos nos recordamos, Jesus começou seu ministério proclamando que o Reino de Deus tinha chegado; Ele terminou seu ministério transferindo aos seus discípulos, que somos todos nós, este ministério de proclamação. No entanto, boa parte de nós não passará num auto-teste simples: temos proclamado, como devíamos, o Evangelho de Jesus?
Por que?
Quero sugerir, a partir de Tito 2.15-3.8, três tristes tópicos de respostas a esta pergunta.

Tito 2
15 ¶ Dize estas coisas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze.
1 ¶ Lembra-lhes que se sujeitem aos que governam, às autoridades; sejam obedientes, estejam prontos para toda boa obra,
2  não difamem a ninguém; nem sejam altercadores, mas cordatos, dando provas de toda cortesia, para com todos os homens.
3  Pois nós também, outrora, éramos néscios, desobedientes, desgarrados, escravos de toda sorte de paixões e prazeres, vivendo em malícia e inveja, odiosos e odiando-nos uns aos outros.
4  Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos,
5  não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo,
6  que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador,
7  a fim de que, justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eterna.
8  Fiel é esta palavra, e quero que, no tocante a estas coisas, faças afirmação, confiadamente, para que os que têm crido em Deus sejam solícitos na prática de boas obras. Estas coisas são excelentes e proveitosas aos homens.
9 ¶ Evita discussões insensatas, genealogias, contendas e debates sobre a lei; porque não têm utilidade e são fúteis.

1. Nossas vidas não nos têm recomendado (versos 15 e 2).
O apóstolo Paulo nos lembra que precisamos de autoridade para proclamar. Depois de reapresentar sinteticamente o ideal da vida cristã e afirmar que a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens (Tito 2.11), o grande escritor deixa o seu desafio primeiramente a Tito e por intermédio dele a todos os cristãos: Dize estas coisas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze (verso 15).
A autoridade de que precisamos é espiritual, moral e intelectual.

1.1. A autoridade espiritual já nos foi dada. Quando enviou seus discípulos, Jesus lhes deu autoridade para fazer o que Ele fazia (Mateus 10.1, Marcos 6.7). Quando voltou para o Pai, o Filho (Jesus) prometeu que a autoridade para o testemunho seria conferida aos discípulos por meio do Espírito Santo (Atos 1.8). Quando este Espírito se derramou sobre os discípulos, a promessa foi cumprida. O apóstolo Pedro, no seu discurso naquele maravilhoso dia, lembrou que a promessa era para ele, para seus contemporâneos, para os seus filhos e para todos os que estão longe, para todos quantos o Senhor, o nosso Deus, chamar (Atos 2.39). Quem são estes chamados? O próprio Pedro responde: chamados são aqueles que se arrependem, são batizados em nome de Jesus Cristo para perdão dos seus pecados e recebem o dom do Espírito (Atos 2.38).
Nós já temos autoridade espiritual para convidar homens e mulheres ao arrependimento, ao batismo e à vida no poder do Espírito Santo. No entanto, muitos cristãos têm engavetado esta autoridade, em lugar de agir como os apóstolos que, com grande poder continuavam a testemunhar da ressurreição do Senhor Jesus, pelo que grandiosa graça estava sobre todos eles (Atos 4.33).
Esta autoridade está em vigor quando nossa mensagem e pregação não consiste de palavras persuasivas de sabedoria, mas de demonstração do poder do Espírito (1Coríntios 2.4). Só experimentamos o poder do Espírito Santo quando estamos conectados com Deus. Só recebemos a sua capacitação para falar, quando deixamos que Ele nos fale. A oração não é apenas o meio pelo qual vamos a Deus, mas é também o canal pelo qual Ele vem a nós. Na oração, há dois verbos a serem conjugados: falar e escutar. Na oração, falamos a Deus e escutamos de Deus. A oração, portanto, é o canal para a autoridade espiritual. Por isto, podemos dizer que só há uma pessoa capaz de reconhecer nossa autoridade espiritual: Deus.
Como podemos ser embaixadores de um Deus a quem não conhecemos? Proclamamos pouco o Seu amor porque não temos autoridade espiritual para proclamá-lo. Sem esta autoridade, nossa palavra é desprezada (Tito 2.15).
Busquemos este poder renovado em nós, poder que já nos foi dado e que não temos empregado. Deixemo-nos ser canais para a demonstração do poder do Espírito Santo.

1.2. A autoridade moral, no entanto, é para ser reconhecida por homens e mulheres com quem convivemos, mas ela é uma derivação da autoridade espiritual. É por isto que a Bíblia nos lembra que sem santidade ninguém verá o Senhor (Hebreus 12.14b). A santidade é uma atitude diante de Deus; quando Ele a perceber, os homens a perceberão.
Nós não pecamos contra o próximo: nós pecamos contra Deus. Por ter esta visão, José passou pelas tentações mais duras a que uma pessoa pode ser submetida; numa delas, diante de uma mulher que o seduzia, ele explicou que não cederia, porque ceder seria pecar contra Deus (Gênesis 39.9) e não cedeu. Quando Davi armou todo aquele esquema para adulterar, também percebeu que pecou contra o Senhor (Salmo 51.4) e foi perdoado. Quando achamos que pecamos contra o próximo, sempre temos uma explicação que nos desculpa… para continuarmos transgredindo.
Nós pecamos contra Deus quando nos envolvemos em discussões insensatas, cristãos contra cristãos. A discussão insensata sempre inclui a difamação do outro, quando Paulo pede:  Não difamem a ninguém (verso 2). A discussão inútil sempre inclui a altercação (verso 2) irada, nunca respeitosa e humilde, sabedora que a razão pode estar do outro lado.
Por isto, o apóstolo nos pede: Evita discussões insensatas, genealogias, contendas e debates sobre a lei; porque não têm utilidade e são fúteis (verso 9). No lugar de lei, que é um problema sobre o qual já adquirimos, graças a Deus, um excelente consenso, eu colocaria a adoração e reescreveria a recomendação paulina assim: Evita discussões insensatas, genealogias, contendas e debates sobre a adoração; porque não têm utilidade e são fúteis.
Em lugar de adorar em espírito e verdade, temos, muitos, preferido, discutir sobre os estilos de adoração. Esta é uma discussão insensata, isto é, sem sentido, porque o Único que deve gostar ou não da nossa adoração é Deus. Não podemos tomar o seu lugar, porque não somos o centro do culto. No entanto, igrejas se dividiram e se dividem por causa de estilos de adoração, que passam.
Nossa forma de adorar é muito diferente, na forma, da igreja apostólica; nela não havia instrumento algum, não havia regente, não havia hinário, não havia ordem de culto impressa, não havia coro, não havia banda. Claro, havia música (em formas de salmos, hinos e cânticos espirituais) e pregação, com cultos que demoravam de quatro a seis horas. No entanto, no conteúdo e no espírito, nós adoramos do mesmo modo que eles; eles na cultura deles e nós na nossa. Mesmo na igreja apostólica, nem todas as igrejas adoravam do mesmo modo; algumas se reuniam em casas, outras em escolas e outras em sinagogas. Em umas, havia dons que não estavam presentes em outras. O que eles buscavam é o que devemos buscar: a condução do Espírito Santo. É Ele quem nos deve levar para onde quer, não os nossos gostos, por mais refinados ou limitados que sejam, por mais introspectivos ou extravagantes que sejam.
Nosso estilo de adoração não pode ser uma trincheira para contendas e debates, inúteis e fúteis. Nosso estilo de adoração, pelo prazer que nos dá ou pela discussão que provoca, não pode ser um impedimento para não vermos as necessidades do mundo, que só serão preenchidas pela proclamação do Evangelho. Enquanto discutimos como adorar a Cristo, há muitos morrendo sem Cristo, por causa da nossa falha, da nossa falta de santidade, evidência de nossa fraqueza moral
Nossa autoridade moral está em vigor quando nos dispomos a viver de modo santo e, se queremos ser santos, o nosso padrão é Deus. A Bíblia repete, muitas vezes: assim como é santo aquele que os chamou, sejam santos vocês também em tudo o que fizerem (1Pedro 1.15). Talvez aqui esteja a causa de parte do nosso fracasso: temos nos contentado com o nosso nível de santidade, porque nos temos comparado a outras pessoas. O Israel, monoteísta, se comparava ao Egito, politeísta, e se achava santo, mas o padrão não era o Egito: era o Deus perfeito. Ele é claro neste ponto: Eu sou o Senhor que os tirou da terra do Egito para ser o seu Deus; por isso, sejam santos, porque eu sou santo (Levítico 11.45).
Se eu quero ser santo, devo parar de me comparar com quem quer que seja, para me comparar somente a Deus.
Se o outro não é o meu padrão, o outro verá a minha autoridade moral, que não advém de minha bondade, porque não a tenho naturalmente em mim, mas pelo meu desejo de ser igual ao meu Deus. Este é um padrão elevado, dirá alguém. Sim, é: mas se este não for o nosso desejo, seremos escravos de nós mesmos.
Como irei falar do imenso amor de Cristo, se sou indiferente às dores dos próximos próximos e dos próximos distantes? Posso até insistir, mas minha indiferença será como algodão nos ouvidos dos que me deveriam escutar.
Como irei apresentar as boas novas da salvação a alguém que ouve dos meus lábios os mesmos palavrões e as mesmas piadas desrespeitosas e obscenas que escuta de outros que não se dizem embaixadores de Cristo? Eu até posso tentar, mas não serei ouvido.
Como irei apontar para a cruz, se tenho prazer nos costumes imorais e torpes dos meus colegas? Posso até fazê-lo, mas ninguém me dará crédito.
Como irei proclamar a maravilhosa graça de Jesus, se sou rápido em condenar todos aqueles que se desviam do caminho? Posso até anunciá-la, mas minha voz será um grito no solo que eu meu desertifiquei.
Alguns se escandalizam comigo quando digo que pecar é bom, mas é mesmo, se não ninguém pecaria. Pecar é bom, o ruim é a sua conseqüência. Porque pecar é bom, eu me pergunto se realmente eu quero viver sem pecar. Estamos nós querendo realmente ser santos? Será que ser santo não é chato, árido, seco? Eu me faço esta pergunta e gostaria que você a fizesse também. Se eu concluo que não quero pecar e que quero ser santo, darei lugar a atuação do Espírito Santo na minha vida, porque é Ele quem me torna puro.
Se estas forem as nossas intenções, nossa orações serão para que o Espírito Santo nos fortaleça os corações para sermos irrepreensíveis em santidade diante de nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor Jesus com todos os seus santos (1Tessalonicenses 4.13). Precisamos deixar que o Espírito Santo nos santifique.
Se formos santos, o mundo nos ouvirá e será alcançado por Cristo.

1.3. Se formos santos, buscaremos a autoridade intelectual para proclamar o Evangelho de Jesus Cristo.
Depois de apresentar um resumo do evangelho (versos 4-7), Paulo diz que esta palavra (isto é, o resumo do Evangelho) é fiel e pede que nós a afirmemos (verso 8).
A democratização da informação, pelos meios de comunicação, representa um desafio à pregação do Evangelho. Ao mesmo tempo em que os meios são meios pelos quais o Evangelho aparece e é anunciado, são meios que apresentam este mesmo Evangelho de uma forma caricata, superficial e mesmo crítica, com ataques ao cristianismo. Tornou-se quase uma moda o esforço constante de se desmascarar o que não pode ser desmascarado, o Evangelho de Jesus Cristo. Uma descoberta arqueológica aqui e uma evidência paleontológica ali acabam sendo apresentadas como provas irrefutáveis da falácia bíblica…
O resultado é que os cristãos vão-se sentido acuados, como se a sua mensagem não passasse pelo crivo da razão, como se o seu Livro sagrado fosse um livro como qualquer outro, como se o Cristo de Deus fosse um enviado terreno como muitos outros, como se a crença na vida eterna futura fosse uma ilusão próprio para supersticiosos.
Estes ataques devem ser vistos como oportunidades para o nosso crescimento. Em lugar do silêncio medroso, nosso caminho deve ser a palavra corajosa e inteligentemente apresentada. Nosso nível deve ser o mesmo. Enquanto o outro estuda para nos destruir, devemos estudar para salvá-lo, como uma demanda do nosso amor por ele.
Sem a autoridade intelectual, vinda da pesquisa, do estudo e da reflexão, vamos acabar acreditando que o nosso Evangelho não é para todos, mas para uns poucos que não perguntam e não pesquisam.
Precisamos ler livros devocionais, solidamente bíblicos, que nos empurrem para uma vida mais santa e mais frutífera e mais dependente e mais amiga de Deus. Precisamos também ler livros (não importa o seu suporte, se papel impresso ou papel digital) que nos capacitem a discutir com o nosso professor ou com o nosso colega.
Precisamos de autores-pesquisadores cristãos, que não só divulguem conhecimentos obtidos, mas que produzam conhecimento relevante em suas áreas. Precisamos de filósofos crentes, mas de filósofos corajosos, que aceitem o que for aceitável e refutem o que não for aceitável, mas sobretudo que formulem novos conceitos para o entendimento e transformação do mundo em que vivemos. Precisamos de biólogos crentes, que não aceitem os reducionismos comuns nestes dias, mas que pesquisem com liberdade e que oferecem sentidos novos as nossas experiências humanas. Precisamos de físicos crentes, que duvidem das verdades absolutas das publicações científicas e populares. Precisamos de arqueólogos sem medo da contramão, se esta for a melhor mão para se trafegar.
Precisamos de estudantes crentes que duvidem dos seus professores e que se imponham aos colegas não pelo grito, nem que o conteúdo deste grito sejam versículos bíblicos, mas pela razão da boa informação e da boa argumentação.
Precisamos de crentes que não tenham vergonha de crer em verdades antigas.
Se o idioma do mundo é o da razão, este deve ser o nosso, mesmo que saibamos que ela não esgota a realidade do coração humano, desejoso de razão, mas sobretudo de felicidade.
Busquemos, pois, autoridade intelectual para conversar com um mundo intelectualizado, informado e critico. A fortaleza do intelecto deve ser vencida com a força do intelecto, e para isto o Espírito também nos capacita. Capacita-nos e aprecia a nossa disposição de colocar o nosso intelecto a serviço da ciência e da verdade.

2. Temos nos esquecido quem éramos antes de sermos alcançados pela graça de Jesus (versos 3-7).
Nos anos 70 e 80, correr pelas ruas, segundo o método Cooper, era uma mania mundial. Eu era um dos aficcionados. Todo aficcionado é um chato; ele só tem um assunto: a “sua” descoberta. Eu não perdia uma oportunidade para fazer novos adeptos para a coopermania.
O mesmo comportamento se aplica a quem faz dieta. Uma pessoa que se beneficiou de algum método e perdeu peso significativamente gosta de falar a quem puder acerca do sucesso que obteve. Muitas se tornam inconvenientes, parecendo querer “converter” todo mundo para a sua boa causa.
O que leva estas pessoas a alardearem os méritos da sua prática? Os resultados que alcançaram. Parece que o apóstolo Paulo tinha esta realidade em mente, quando descreve o nosso estado anterior à conversão a Cristo: outrora, éramos néscios, desobedientes, desgarrados, escravos de toda sorte de paixões e prazeres, vivendo em malícia e inveja, odiosos e odiando-nos uns aos outros (verso 3). Sua afirmativa parece conter algumas perguntas: eram bons aqueles tempos? queremos  que aqueles que estão nesta vida continuem nela?
Nossa resposta entusiasmada é: não, não eram bons aqueles tempos; não, não queremos que aqueles que ainda vivem como nós vivíamos continuem a viver assim. A menos que o egoísmo ainda nos domine, essas são as nossas respostas.
Mas eu preciso jorrar uma dúvida neste horizonte de certezas. Paulo nos classifica como éramos com adjetivos pesados: néscios, desobedientes, desgarrados, viciados, maliciosos, invejosos e odiosos. Uma auto-crítica, sempre necessária, nos pode lançar no poço do desânimo.
Como não somos mais néscios, se, por vezes, vivemos de modo insensato, porque dominados pelo temperamento e sem o controle do Espírito?
Como não somos mais desobedientes, se ainda tendemos a seguir nossa própria consciência em lugar de buscar termos a mente de Cristo?
Como não somos mais desgarrados, se ainda apreciamos seguir caminhos próprios e não os de Deus?
Como não somos mais viciados, se ainda nos deixamos governar por paixões e prazeres que sabemos não serão legítimos para os transformados pela cruz de Cristo?
Como não somos mais invejosos, se ainda queimamos por dentro diante da alegria ou do triunfo do outro, até mesmo dentro da igreja, no mesmo ministério ou em outro ministério?
Como não somos mais maliciosos, se em lugar de fugir de uma conversa desairosa sobre a vida do outro, nós a buscamos, provocamos e estimulamos?
Como não somos mais odiosos, se ainda permitimos que a raiva alimente nossas ações?
Sim, não somos mais néscios, desobedientes, desgarrados, viciados, invejosos, maliciosos e odiosos, mas as forças que os provocavam ainda atuam dentro de nós. Elas ocupam o quarto escuro dos nossos corações. Se não tomamos cuidado, eles saem do quarto escuro e vem para a sala. Não foi por outra razão que o mesmo apóstolo, olhando para si mesmo, exclamou: Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte? (Romanos 7.24).
Por isto, nenhum salvo pode se orgulhar de não ser o que era, mas apenas agradecer por aquilo que o Espírito Santo já fez e ainda está por fazer.
Nossas eventuais quedas e mesmo nossas tensões não nos devem desanimar, mas nos animar a manter nossos olhos fixados na cruz, para o que aconteceu nela, como ainda nos lembra o apóstolo Paulo, ao nos recordar que, quando se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos, não por obras de justiça praticadas por nós [para ninguém achar que a salvação aconteceu pelo esforço próprio], mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eterna (versos 4-7). O que Deus tinha que fazer, Ele já o fez: já manifestou sua benignidade e amor para conosco, salvando-se, regenerando-nos, renovando-nos e justificando-nos. Não fizemos nada para merecer toda esta bondade. O que Ele quer fazer, Ele está pronto a fazer: santificar-nos.
É isto que importa, não nossos deslizes. Nossos deslizes apenas nos recordam de que material somos. A graça de Deus nos aponta para que material podemos ser.
Por tudo isto, bom seria que tivéssemos esses versos paulinos pregados, como um ímã, em nossas geladeiras ou em qualquer lugar visível a todo instante em nossa casa, escritório ou mochila, para nos recordar quem somos e porque somos o que somos. Se somos salvos, regenerados, renovados, justificados e feitos herdeiros da esperança, queremos que outras pessoas o sejam, estejam elas em nossas próprias casas, nas ruas, nos escritórios, nas salas de aula, nas praias.
Estes versos nos ajudam a não esquecer a benignidade de Deus para conosco. A proclamação do amor de Deus é filha da gratidão pelo amor de Deus.
Se você já foi alcançado, alcance outros. Proclame o Evangelho de Jesus.

3. Temos colocado em segundo plano a promessa da vida eterna (verso 7).
A frase final do lembrete do apóstolo Paulo é ainda mais preciso: nós fomos justificados para nos tornarmos herdeiros de Jesus Cristo, segundo a esperança da vida eterna (verso 7). Eis o que somos: herdeiros de Jesus. O conteúdo do testamento é a vida eterna.
Aqui reside uma de nossas dificuldades. Se a vida está boa, para que ficarmos esperando a vida eterna? Se a vida está ruim, teremos que esperar ainda a vida eterna? Ou estamos satisfeitos demais com a nossa vida para pensarmos no futuro ou estamos insatisfeitos demais para termos paciência de esperar tanto.
Em outras palavras, temos sido humanos demais, reduzindo a extensão do Evangelho ao presente ou apenas ao futuro. É certo que a vida eterna alcança o presente, mas o nosso presente não alcança um dízimo do que experimentaremos na vida futura, quando formos mergulhados no tempo da eternidade.
E aqui os cristãos se dividem: uns vivem como a eternidade não existisse e outros não pensam em outra coisa, senão em estudar o céu, descrever o céu, ansiar o céu. Os dois extremos não são biblicamente recomendáveis. Se esperamos apenas para esta vida, somos dignos de lástima (1Coríntios 15.19), porque esta vida aqui é apenas uma pálida sombra (Colossenses 2.17) da eternidade que virá para os que a escolheram, ao aceitarem Jesus Cristo como Salvador e Senhor.
Eu quero um presente feliz, mas eu quero uma eternidade feliz. Eu sou herdeiro de um futuro plenamente feliz. Eu não quero esta plenitude só para mim. Não quero abraçar sozinho o meu Jesus. Eu quero milhões, bilhões de pessoas naquela festa eterna, e quero fazer tudo o que eu puder para levar quem eu alcançar comigo. Este deve ser o desejo do cristão. Quanto mais gente tiver naquele novo tempo, mais completo será este novo tempo, porque o desejo de Deus é que todos as pessoas se salvem e sejam introduzidas àquela nova e plena vida.
Às vezes, olhamos para a qualidade de nossa vida cristã, e acabamos achando que não é lá grande coisa. Diante do que virá, não é mesmo. Diante do que poderia ser aqui mesmo, temos falhado. Assim mesmo, o presente com Deus já é melhor sem Ele. O futuro com Ele será simplesmente sublime, mesmo que nada saibamos sobre como será.
Portanto, mesmo que abriguemos alguma desolação, não por conta do Evangelho, mas por conta dos evangélicos, não deixemos de proclamar o Evangelho.

NOSSOS COMPROMISSOS COM JESUS
Segundo a Bíblia, a intenção da graça de Deus era e é que agora, mediante a igreja, a multiforme sabedoria de Deus se tornasse [e se torne] conhecida dos poderes e autoridades nas regiões celestiais, de acordo com o seu eterno plano que ele realizou em Cristo Jesus, nosso Senhor, por intermédio de quem temos livre acesso a Deus em confiança, pela fé nele (Efésios 3.10-12).

Por isto, mesmo que o pensamento contemporâneo ache inaceitável o plano da redenção, concebido e realizado por Deus, este plano continua fiel, isto é, válido, não só válido como único. Deus, em Jesus, nos resgatou das trevas e quer resgatar todos quantos aceitam o seu plano. Por isto, nosso compromisso deve ser divulgar este plano, apresentar Jesus como aquele que morreu por nós para que pudéssemos (e possamos) viver. O plano de Deus não mudou. Neste plano, nós continuamos sendo os instrumento de Deus para a sua concretização.

Por isto, mesmo que a qualidade de nossas vidas não nos credencie para proclamar o Evangelho, façamo-lo em meio a lágrimas que confessam o erro em busca do perdão. O apóstolo Paulo nos diz que a nossa palavra, transmitida aos outros, deve ser com confiança.
Em que confiamos?
Confiamos que o Evangelho é o poder de Deus para a salvação de todos aqueles que crêem (Romanos 1.16), incluindo-nos aí e desejando incluir outros, muitos outros.
Confiamos que podemos orar pela salvação das pessoas e confiamos que as pessoas por quem oramos também estão na mira de Deus, como estão todos quantos ainda não foram resgatados.
Confiamos que Deus espera que nos coloquemos como seus canais, canais pelos quais o Espírito Santo sussurra nos ouvidos dos não crentes para os convencer do seu pecado e do valor da salvação. A nossa parte — comunicar o Evangelho — só nós podemos fazer. A parte de Deus — convencer e salvar — só Deus pode fazer.

Por isto, mesmo que estejamos muito ocupados e mesmo que a experiência de conversão do novo crente seja marcante, devemos acompanhar os que são salvos, para que estes, que têm crido em Deus, sejam solícitos na prática de boas obras (verso 8c). O “ide”, de Jesus, se completa com o “fazer discípulos”, instrução dEle também, na certeza que ser discípulo é empenhar-se na prática de boas obras.
Um cristianismo sem discípulos é um cristianismo envergonhado, porque composto por pessoas que não se comprometem com o seu Senhor. Um cristianismo sem discípulos é um cristianismo sem autoridade espiritual, moral e intelectual para o testemunho. Um cristianismo sem discípulos é um cristianismo sem boas obras.
À proclamação de Cristo e à decisão por Cristo deve-se seguir o encaminhamento do novo crente por entre as riquezas de Cristo rumo à maturidade, um processo sem fim, mas que precisa ter um bom começo.

QUAL O CONTEÚDO DO EVANGELHO DA GRAÇA?
Podemos terminar por onde poderíamos ter começado.
Somos chamados a proclamar o Evangelho, mas qual o conteúdo deste Evangelho?
A seqüência  não é casual. Jesus primeiramente nos lava e regenera. Depois de lavados, ele nos justifica, isto é, nos apresenta ao Pai. Por fim, ele nos declara herdeiros de Deus.

Jesus convida homens e mulheres a se deixarem lavar e regenerar pelo Espírito Santo (verso 5). A salvação é o processo pelo qual o Espírito Santo nos lava por fora e nos gera de novo por dentro. A imagem é evidente. Nossas vidas estavam sujas pelas escolhas que fizemos, mas quando demos meia-volta ao pecado e optamos por Jesus, o Espírito Santo nos tirou toda a sujeira do corpo, usando como líquido o sangue de Jesus. Depois de lavados por fora pelo sangue de Jesus, somos gerados de novo pelo Espírito Santo. Na imagem do Antigo Testamento, nosso coração de pedra é substituído por um coração de carne, sensível ao toque do próprio Espírito.
Os que já foram lavados e regenerados devem se transformar em proclamadores do Evangelho.

Jesus convida homens e mulheres a se deixarem justificar por Ele (verso 6). Depois de lavados e gerados de novo, podemos ser apresentados a Deus como seus filhos redimidos. Toda a culpa é apagada e o acesso ao Pai se torna pleno. Deixar-se justificar é aceitar o sacrifício de Cristo na cruz, sacrifício que tira o pecado de todo aquele que reconhece o seu pecado e aceita o perdão que lhe é oferecido.
Os que já foram justificados devem se tornar embaixadores desta justificação.

Jesus convida homens e mulheres a se tornarem seus herdeiros, desde já e para sempre (verso 7).
Lavados e justificados, podemos ser retornados ao estado anterior ao pecado original comum à espécie humana. Somos restabelecidos à condição de herdeiros de Jesus.
Os autores do Novo Testamento gostam da imagem da herança. Todas as civilização têm regras próprias para o recebimento de heranças, e o Antigo Testamento registra o direito hebraico sobre o assunto. Há uma espécie de continuação entre os dois Testamentos, ao ponto de Paulo nos chamar de descendentes de Abraão e de Cristo ao mesmo tempo (Gálatas 3.29); afinal, é imutável o propósito de Deus (Hebreus 6.17). O mesmo Paulo inclui todos os que aceitam a Cristo nesta herança, não importando a sua etnia, ao dizer que os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho (Efésios 3.6).
Esta herança é para todos, conforme a pergunta didática de Tiago: Não escolheu Deus os que para o mundo são pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos que o amam? (Tiago 2.5). Por isto, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo (Romanos 8:17a), mesmo que a plenitude desta herança não seja experimentada por nós (Romanos 8.17b).
E qual é esta herança? É a herança de Cristo. E qual é a herança de Cristo? Ser recebido como primogênito pelo Pai. É assim que seremos recebidos, porque é assim que Ele nos valoriza.
Os que já são herdeiros devem se tornar em apregoadores desta herança de esperança possível. Não é para ficarmos felizes com as heranças de agora, sejam quais forem, trazidas pelo dinheiro, pelo poder ou pelo sexo, mas para almejamos a herança que ainda iremos receber, vinda da graça de Deus.

CONVITE
“Quero ser um ministro da proclamação do Evangelho”. — Este deve ser o desejo de todo cristão.
Se você ainda não tem esta coragem, peça perdão a Deus, por não tê-la, e capacitação de Deus, para colocá-la em ação.
Os desafios à proclamação são muitos, porque são muitas as necessidades. Olhe para a sua casa.
As oportunidades à proclamação são muitas, porque são muitas as carências. Olhe para o seu prédio ou para a sua rua.
A que desafio você vai atender?
A que necessidade você vai preencher?
Em que oportunidade você vai se envolver?

plugins premium WordPress