TEMPO DE FIDELIDADE, 1:O EXEMPLO DOS RECABITAS
Jeremias 35
Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em dia 9.1.2005, manhã
O CONVITE APRESENTADO
Ao tempo dos profetas do Antigo Testamento, Deus, por vezes, lançava mão de ilustrações históricas vivas para ensinar ao seu povo. Quando quis mostrar ao povo de Israel que requeria dele obediência à Sua palavra, chamou Jeremias para uma tarefa inusitada.
Jeremias devia procurar os membros de um clã em Israel, chamado de recabita, e fazer um convite que poderia mudar a vida deste povo.
Eis a narrativa bíblica (Jeremias 35.1-5):
(1) Durante o reinado de Jeoaquim, filho de Josias, rei de Judá, o Senhor dirigiu esta palavra a Jeremias:
(2) — Vá à comunidade dos recabitas, convide-os a virem a uma das salas do templo do Senhor e ofereça-lhes vinho para beber.
(3) Então busquei Jazanias, filho de Jeremias, filho de Habazinias, seus irmãos e todos os seus filhos e toda a comunidade dos recabitas. (4) Eu os levei ao templo do Senhor, à sala dos filhos de Hanã, filho de Jigdalias, homem de Deus. A sala ficava ao lado da sala dos líderes e debaixo da sala de Maaséias, filho de Salum, o porteiro.
(5) Então coloquei vasilhas cheias de vinho e alguns copos diante dos membros da comunidade dos recabitas e lhes pedi que bebessem.
Os recabitas eram um clã (uma grande família) dos quenitas (ou queneus). Moisés era casado com uma quenita (Juízes 1.16), filha de Jetro. Este povo se juntou aos hebreus em sua caminhada para a terra de Canaã. Um de seus descendentes foi Recabe, sobre quem pouco sabemos. Sabemos mais sobre um de seus descendentes, Jonadabe. Jael, por exemplo, era esposa de Heber, o quenita (Juízes 4.17). O rei Saul demonstrou bondade para com eles (1 Sm. 15.6), pela simpatia que sempre demonstrar para com os hebreus.
Jonadabe trabalhou com Jeú, no século 9 a.C., quando o rei, contemporâneo de Eliseu, se empenhou na destruição dos seguidores de Baal em Israel. A maioria dos quenitas morava em cidades, adotando um estilo de vida urbano (1Sm 30.29). No entanto, Jonadabe convocou seus descendentes a um novo tipo de vida, renovando-lhes o sentido de sua existência.
Jonadabe pediu ao seu clã que conservasse uma vida simples, sem consumo de bebida alcoólica (vinho), sem construção de casas e sem a formação de fazendas. Há três séculos estavam firmes nesta tradição.
Os recabitas devem continuar sendo nômades, como surgiram, como nos primórdios. Mesmo adaptados à vida urbana, deviam conservar os valores da vida simples do campo. Quando Nabucodonozor invadiu a terra de Judá, eles se refugiram em Jerusalém, e lá Jeremias foi encontrá-los, enviado por Deus.
Imagino que Jeremias conhecia a família, porque era formada por metalúrgicos, funções importantes à época, especialmente no culto. Imagino que Jeremias deve ter pensado: “vamos ver se esse pessoal resiste ao meu convite”. Imagino que Jeremias sabia que aquela gente sabia que Jeremias era um profeta de Deus; eles iam levar a sério sua palavra. Imagino que mandou separar os melhores vinhos. Imagino que seus amigos devem ter feito uma aposta, algo que ainda hoje acontece com um crente numa escola ou num escritório.
O CONVITE RECUSADO
A resposta deles foi de uma fidelidade a toda prova (Jeremias 35.6-11):
(6) Eles, porém, disseram:
— Não bebemos vinho porque o nosso antepassado Jonadabe, filho de Recabe, nos deu esta ordem: ‘Nem vocês nem os seus descendentes beberão vinho. (7) Vocês não construirão casas nem semearão; não plantarão vinhas nem as possuirão; mas vocês sempre habitarão em tendas. Assim vocês viverão por muito tempo na terra na qual são nômades’. (8) Temos obedecido a tudo o que nos ordenou nosso antepassado Jonadabe, filho de Recabe. Nós, nossas mulheres, nossos filhos e nossas filhas jamais bebemos vinho em toda a nossa vida, (9) não construímos casas para nossa moradia nem possuímos vinhas, campos ou plantações. (10) Temos vivido em tendas e obedecido fielmente a tudo o que nosso antepassado Jonadabe nos ordenou. (11) Mas, quando Nabucodonosor, rei da Babilônia, invadiu esta terra, dissemos: Venham, vamos para Jerusalém para escapar dos exércitos dos babilônios e dos sírios. Assim, permanecemos em Jerusalém.
Deus tinha um propósito claro nesta dramatização. O exemplo dos recabitas era para ser imitado. Os ouvintes de Jeremias deviam considerar aquela tribo que trabalhar tão bem o ferro, mas era sensível à sua história e aos seus valores.
A mensagem é clara (Jeremias 35.12-19):
(12) O Senhor dirigiu a palavra a Jeremias, dizendo:
(13) — Assim diz o Senhor dos Exércitos, Deus de Israel: `Vá dizer aos homens de Judá e aos habitantes de Jerusalém: Será que vocês não vão aprender a lição e obedecer às minhas palavras?’, pergunta o Senhor. (14) Jonadabe, filho de Recabe, ordenou a seus filhos que não bebessem vinho, e essa ordem tem sido obedecida até hoje. Eles não bebem vinho porque obedecem à ordem do seu antepassado. Mas eu tenho falado a vocês repetidas vezes, e, contudo, vocês não me obedecem. (15) Enviei a vocês, repetidas vezes, todos os meus servos, os profetas. Eles lhes diziam que cada um de vocês deveria converter-se da sua má conduta, corrigir as suas ações e deixar de seguir outros deuses para prestar-lhes culto. Assim, vocês habitariam na terra que dei a vocês e a seus antepassados. Mas vocês não me deram atenção nem me obedeceram. (16) Os descendentes de Jonadabe, filho de Recabe, cumprem a ordem que o seu antepassado lhes deu, mas este povo não me obedece`. (17) Portanto, assim diz o Senhor dos Exércitos, Deus de Israel: “Trarei sobre Judá e sobre todos os habitantes de Jerusalém toda a desgraça da qual os adverti; porque falei a eles, mas não me ouviram, chamei-os, mas não me responderam”.
(18) Jeremias disse à comunidade dos recabitas:
— Assim diz o Senhor dos Exércitos, Deus de Israel: ‘Vocês têm obedecido àquilo que o seu antepassado Jonadabe ordenou; têm cumprido todas as suas instruções e têm feito tudo o que ele ordenou’. (19) Por isso, assim diz o Senhor dos Exércitos, Deus de Israel: ‘Jamais faltará a Jonadabe, filho de Recabe, um descendente que me sirva’.
Os recabitas não foram elogiados por Deus por recusarem beber vinho, nem por recusarem o estilo “moderno” de vida. Eles foram tomados como exemplo por permanecerem fiéis, ao longo de séculos, às instrução de um dos seus ancestrais-fundadores.
AS LIÇÕES DA RECUSA A UM CONVITE
O tema aqui não é o vinho, nem a escolha por um tipo de comunidade à parte. O tema aqui é a fidelidade aos compromissos assumidos.
1. Admitamos que estamos sempre firmando compromissos.
Como os recabitas, firmamos compromissos. Nossa vida é feita de compromissos, e não há como ser diferente, já que vivemos na interdependência.
Se é verdade que firmamos compromissos, também o é que somos convidados a traí-los. Há sempre um Jeremias nos testando, e nem sempre por razões didáticas.
Todos os casais casados trocaram aliança de compromisso enquanto a vida durasse, mas uma dificuldade aqui e uma tentação ali podem pôr fim a anos de compromisso.
Todos os que se batizam conscientemente numa igreja desejam permanecer para sempre naquela denominação, mas uma dificuldade aqui, uma oração não respondida ali, um ego não massageado adiante, uma decepção mais adiante, e lá se vai o crente para outra igreja.
Na igreja, quando há convites para este ou aquele ministério, esta ou aquela função, são muitos os que respondem afirmativamente, mas são poucos os que comparecem ao posto de trabalho e menos ainda os que permanecem, tomando seu ministério como o projeto da sua vida.
Os relacionamentos fraternais são vividos intensamente, com longas conversas, jantares conjuntos, viagens em famílias, mas podem ser transtornados e transformados em fria distância por causa de uma expectativa não preenchida ou mesmo uma palavra, apenas uma dentre tantas amigas, que soou inimiga ou indiferente.
Mesmo na vida pessoal, formular propósitos é comum a cada ano ou mesmo a cada semana, mas alguns destes propósitos não duram um ano e alguns nem uma semana. Por isto, os regimes começam sempre às segundas-feiras, numa verdadeira lei do eterno retorno.
Sejamos recabitas, que não perguntavam: “quem oferece mais?” O cônjuge “recabita” vive a felicidade com o cônjuge que tem, não com o que não tem, porque sabe que Deus pode mudar o que deve ser mudado. O amor é para sempre. O crente “recabita” experiência Deus na sua igreja, não em outra, porque sabe que Deus não tem denominação. O ministro “recabita” leva seu ministério, por mais trabalhoso que seja, até o fim do seu mandato ou mesmo da sua vida; é seu projeto para a vida. O amigo “recabita” é amigo para sempre, tão chegado quanto um irmão. Amizade é para durar para sempre.
São realmente poucas as coisas de valor que obtemos no curto prazo.
2. Devemos ser cuidadosos em desconsiderar os compromissos assumidos.
Devemos ser cuidadosos em firmar compromissos. Quando damos uma palavra, ela deve valer mais que uma assinatura. Se dizemos que “vamos”, devemos ir.
Não devemos desistir de nossos compromissos por causa da dificuldade em os cumprir e mesmo pela falta de prazer em os levar adiante. O prazer pode ser reobtido. O nosso prazer em descumprir um compromisso é diretamente proporcional ao desprazer de quem é prejudicado por nossa infidelidade.
No caso específico desta quase parábola, Judá foi reprovado, não por não seguir a um conjunto de tradições, mas por não obedecer ao Deus vivo. Para dizer “sim” ao Deus vivo, precisamos, muitas vezes, dizer “não” aos convites que nos fazem.
Se eu firmei uma aliança com o meu Senhor, eu serei fiel ao meu Senhor, mesmo que Ele pareça surdo diante do meu grito de socorro e silencioso diante da minha pergunta.
Se eu tomei como meus os valores morais da Palavra de Deus, eles serão os meus valores, mesmo que o mundo inteiro marche na direção contrária. O sentido certo é o de Deus, não o dos homens.
Se eu me comprometer a orar por alguém, a pessoa poderá contar com a minha oração.
Se eu dei a minha palavra ao meu cônjuge, ao meu amigo, ao meu irmão ou ao meu pai, ele poderá contar comigo, mesmo que me custe muito manter a minha palavra, que valerá até firmarmos novos compromissos.
Se meu nome está na escala para um trabalho na igreja, eu estarei no meu posto. Se algo fora do meu controle me impedir, eu arranjarei um substituto ou avisarei meu supervisor.
Se eu me alistei para um ministério, eu vou orar por ele, eu vou fazer a minha parte, eu vou trazer mais pessoas para a equipe, eu vou buscar uma maneira de fazer melhor o que eu faço, mesmo que me critiquem.
Se eu me matriculei na Escola Bíblica, eu estarei na classe sempre para aprender e participar, mesmo que a praia esteja convidativa ou a televisão tenha algo interessante.
A mensagem dos recabitas, no seu comportamento elogiado por Deus, é clara: não desistamos de nossos compromissos.
2.1. Pais, não desistam de ensinar.
Jonadabe é um exemplo de pai. Ele deixou uma instrução. Certamente, não falou apenas uma vez, mas ensinou com palavras e com atos de compromisso, e com tal intensidade!, que marcou seus filhos, netos e bisnetos.
Pai e mãe estão sempre na contramão, mas é não contramão que devem andar, mesmo que seja cansativo, se isto é necessário para o bem dos seus filhos.
2.2. Ministros, não desistam de servir.
Jonadabe é um exemplo de ministro. Quando Jeú o convocou para purificar Israel dos baalins, Jonadabe participou como testemunha de que o rei era obediente ao Senhor (2Reis 10.15-28). Ao tempo de Acabe, poucos permaneceram fiéis ao Senhor dos senhores; Jonadabe foi um deles. Porque creu fielmente, podia agora servir fielmente.
Não importa qual seja o seu ministério, se evidente ou discreto, faça com todas as suas forças e da melhor maneira possível. Há sempre uma maneira melhor de fazer o que você faz. Um compromisso levado a cabo enche de alegria quem o faz. [Nosso programa de rádio “Momentos com Cristo” só é possível, entrando no seu quarto ano, graças ao compromisso de alguns irmãos, que acordam de madrugada, seja para falar ao microfone, seja para atender ao telefone, seja para coordenar a transmissão. Nosso locutor-chefe, por exemplo, jamais faltou. Nossa equipe-base não falta. A ausência não informada de alguns deles no ponto de encontro à hora marcada (6h15min) nos leva a ligar para eles para saber o que houve.]
2.3. Cristãos, não desistam de viver os valores da sua fé.
Você foi alcançado, ao ser arrancado das trevas e posto no palco iluminado da santidade, para viver na e da esperança. Foi pago um alto preço por este resgate.
Quando reconhecemos esta ação de Jesus Cristo por nós, recordamo-nos de nosso compromisso em viver os valores desta fé.
Não desistamos de ser santos. Não desistamos de ser parceiros de Deus.
3. Deus honra a nossa fidelidade.
A história do encontro de Jeremias com os recabitas termina com uma promessa divina de grande inspiração: Por isso, assim diz o Senhor dos Exércitos, Deus de Israel: ‘Jamais faltará a Jonadabe, filho de Recabe, um descendente que me sirva’ (Jeremias 35.19). A promessa a Jonadaba se serviu da aspiração de maior valor na cultura hebraica: um descendente decente.
Na linguagem do Novo Testamento, é receber de Jesus aquele maravilhoso conjunto de palavras: “Muito bem, servo bom e fiel! Você foi fiel no pouco, eu o porei sobre o muito. Venha e participe da alegria do seu senhor!” (Mateus 25.21).
É assim conosco ainda hoje. Deus nos é fiel, sem que lhe sejamos. Quando lhe somos fiéis, Deus é fiel, fidelidade manifesta em meio à alegria. Nossa fidelidade produz alegria em Deus.
Que, ao final da vida, quando recapitular as ordens que recebeu de Deus e obedeceu, cada um de nós possa exclamar como o apóstolo Paulo: Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Agora me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda (2Timóteo 4.7-8).
Quando eu era menino, incomodava-me uma pergunta: Se Cristo voltar agora, Ele me levará? Penso que esta pergunta nos anda faltando. Ficamos muito “convencidos” de nossa salvação, que nos esquecemos de operá-la com temor e tremor. Na verdade, a maioria de nós vive como se Jesus não fosse voltar nunca.
Talvez pudéssemos mudar um pouco a pergunta: quando Jesus voltar, ou quando eu for ao seu encontro, Ele me encontrará fiel? (1Coríntios 4.2).
Eu quero ser salvo com todas as honras, não como que pelo fogo (1Coríntios 3.15). Quero estar na companhia de Abraão, não na de Ló; quero fazer par com Pedro, não com o ladrão na cruz; quero sentar ao lado de Paulo, não da de Alexandre, o latoeiro.