DECEPCIONADO COM DEUS?
Salmo 25
2005
A decepção espiritual é um dos temas do poeta neste salmo.
Em sua fé, ele afirma a impossibilidade de Deus decepcionar alguém: “Nenhum dos que esperam em ti ficará decepcionado; decepcionados ficarão aqueles que, sem motivo, agem traiçoeiramente” (verso 3).
Assim mesmo, ora para que Deus não o decepcione. “Guarda a minha vida e livra-me! Não me deixes decepcionado, pois eu me refugio em ti” (verso 2).
Esta ambivalência deixa claro que, mesmo os crentes, podem ficam decepcionados com Deus.
A experiência do salmista e a nossa nos leva a perguntar:
1. Por que nos decepcionamos com o Senhor?
1.1. Nós nos decepcionamos com o Senhor porque confundimos os nossos caminhos (nossas escolhas) com os caminhos dEle. Quando agimos assim, perdemos a convicção de “todos os caminhos do Senhor são amor e fidelidade para com os que cumprem os preceitos da sua aliança” (verso 10).
Precisamos aprender a ser responsáveis pelas escolhas que fazemos. Que culpa tem Deus se eu dirijo além do limite de velocidade ou se ultrapasso um sinal vermelho?
1.2. Nós nos decepcionamos com o Senhor porque esperamos nos homens, com expectativas por vezes irrealizáveis sobre eles. Por isto, o salmista nos adverte a confiarmos em Deus (verso 3 — “Nenhum dos que esperam em ti ficará decepcionado… e não em ser humano algum. Sabemos de cor o conselho de Jeremias: “Assim diz o Senhor: `Maldito é o homem que confia nos homens, que faz da humanidade mortal a sua força, mas cujo coração se afasta do Senhor'” (Jeremias 17.5). No entanto, e mesmo sabendo disto, não temos como deixar de confiar em pessoas, especialmente se for um pastor.
Temos que aprender a manter o equilíbrio entre confiar e observar. Nenhum ser humano é digno de toda confiança do outro, nem mesmo um cônjuge. Observar não é vigiar, nem desconfiar; é contar com a possibilidade do erro, voluntário ou involuntário.
1.3. Nós nos decepcionamos com o Senhor porque agimos pela recompensa… e nos achamos merecedores de receber mais. Neste salmo, não é clara a promessa bíblica? Aquele que teme o Senhor “viverá em prosperidade, e os seus descendentes herdarão a terra”. (verso 13). Esta é uma grande dificuldade. Mesmo quando as vítimas são outras, ficamos decepcionado. Quando uma pessoa íntegra e boa contrai um câncer, tendemos a interpretar: “se isto acontecesse com uma pessoa ruim, mas com uma pessoa boa…”. Achamos que estamos diante de uma injustiça. Nós nos decepcionamos com o Senhor quando nos cansamos dos açoites da injustiça.
Mesmo que a recompensa venha, quando agimos porque ele virá, estamos longe de um relacionamento saudável com Deus.
1.4. Nós nos decepcionamos com o Senhor porque queremos todas as respostas.
Deus tem segredos. Quem conheceu o irmão Egnaldo Carneiro sabe que Deus tem segredos: no dia 20 de abril de 2000, esse irmão sofreu um acidente automobilístico sozinho na rua Bom Pastor, na Tijuca, e desde então não recobrou a consciência. Por que? Este é um segredo de Deus.
Tendemos a nos esquecer que “as coisas encobertas pertencem ao Senhor, o nosso Deus, mas as reveladas pertencem a nós e aos nossos filhos para sempre, para que sigamos todas as palavras desta lei” (Deuteronômio 29.29). Não nos bastam as reveladas?
Não sabemos porque algumas orações são respondidas exatamente conforme os nossos pedidos e outras não o são. E qual o problema de não sabermos todas as respostas?
Não alcançamos os pensamentos de Deus, como Ele mesmo nos diz: “Pois os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem os seus caminhos são os meus caminhos”. Na verdade, “assim como os céus são mais altos do que a terra, também os meus caminhos são mais altos do que os seus caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os seus pensamentos” (Isaías 55.8-9). Na verdade. “ninguém conhece os pensamentos de Deus, a não ser o Espírito de Deus” (1Coríntios 2.11).
Não estamos, portanto, à altura de alcançar os segredos de Deus. Paulo narra sua experiência espiritual: “Conheço um homem em Cristo que há 14 anos foi arrebatado ao terceiro céu. Se foi no corpo ou fora do corpo, não sei; Deus o sabe. E sei que esse homem, se no corpo ou fora do corpo, não sei, mas Deus o sabe, foi arrebatado ao paraíso e ouviu coisas indizíveis, coisas que ao homem não é permitido falar” (1Coríntios 12.2-4).
2. O que o homem deve saber Deus revela àqueles que O temem.
Temem ao Senhor…
2.1. Os que têm os olhos sempre voltados para o Senhor. (verso15 — “Os meus olhos estão sempre voltados para o Senhor, pois só ele tira os meus pés da armadilha”.)
Temos os olhos voltados para o Senhor quando, no avião da vida, o céu é de brigadeiro?
2.2. Os que confiam no Senhor (verso 2 — “Em ti confio, o meu Deus”).
As coisas reveladas são suficientes.
2.3. Os que pecam, mas não fazem do pecado seu estilo acomodado e satisfeito de vida. (verso 11 — “Por amor do teu nome, Senhor, perdoa o meu pecado, que é tão grande!”
Todo nosso pecado é pecado grande! Quanto mais clara a nossa visão de Deus, maior a nossa vergonha diante do pecado e melhor a nossa percepção.
2.4. Os que querem ser guiados pelo Senhor. (versos 4-5 — “Mostra-me, Senhor, os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas; guia-me com a tua verdade e ensina-me, pois tu és Deus, meu Salvador, e a minha esperança está em ti o tempo todo”.
Temos que nos perguntar de quem estamos sendo discípulos?
“Mas quando o Espírito da verdade vier, ele os guiará a toda a verdade. Não falará de si mesmo; falará apenas o que ouvir, e lhes anunciará o que está por vir. (João 16.13)
3. Como deve orar quem está decepcionado?
3.1. Senhor, livra a minha vida da depressão espiritual. (verso 20 — “Guarda a minha vida e livra-me! Não me deixes decepcionado, pois eu me refugio em ti”.
Quero voltar a confiar em Ti.
3.2. Senhor, devolva-me à esperança. (verso 21 — “Que a integridade e a retidão me protejam, porque a minha esperança está em ti”.
3.3. Senhor, ensina-me a viver. (verso 4 — “Mostra-me, Senhor, os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas”.
. Auto-confiança equilibrada.
.Confiança equilibrada, para relacionamentos saudáveis. As pessoas têm defeitos e qualidades, não só defeitos e nem só qualidades.
. Sentido de missão. Igreja como melhor oportunidade.
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3.4. Senhor, revela-me os seus segredos que me queres revelar.
1. Preciso entender que careço da revelação divina.
Sabemos pela experiência do povo de Israel e pela nossa própria que “onde não há revelação divina, o povo se desvia; mas como é feliz quem obedece à lei!” (Provérbios 29.18). O homem está sempre em busca da autonomia, isto é, do auto-governo, achando cada um o que é melhor para si. Neste processo, o homem acaba escravo de algum tipo de heteronomia, tornando-se seguir de um líder, de uma idéia ou de uma prática que lhe é sugerida ou mesmo imposta. Somos convidados a uma terceira via: a teonomia, que é respeitosa. Quem vive a teonomia reconhece que não pode guiar-se a mesmo e aceita o convite de Deus para uma vida feliz segundo os princípios que Ele põe.
Muitos escolhemos a teonomia, mas não nos empenhar em conhecer o Deus dos princípios e nem os princípios de Deus.
Enquanto eu preparava este sermão, desenrolava-se um jogo da copa do mundo mostrado pela televisão. Se eu ligasse o televisor, eu saberia o placar. Eu não liguei e não soube, a não ser depois. O resultado se tornou um segredo, embora estivesse público. De igual modo, há segredos de Deus já dados a nós. Estão na Bíblia. Se não a abrimos, como conheceremos os segredos, como conheceremos o Deus que nos revela estes segredos?.
2. Preciso aprender a discernir o que devo saber e o que não preciso saber.
Sabemos que “as coisas encobertas pertencem ao Senhor, o nosso Deus, mas as reveladas pertencem a nós e aos nossos filhos para sempre, para que sigamos todas as palavras desta lei” (Deuteronômio 29.29). Não nos bastam as reveladas?
Muitas vezes, não; por isto especulamos sobre o céu, por exemplo, sobre o qual pouco podemos saber a não ser que nossas moradas estão sendo preparadas para nós lá por Jesus Cristo. Perdemos tanto em especular sobre o céu que, por vezes, nos esquecemos de viver a vida de hoje como uma antecipação daquela que viveremos.
Muitas vezes aplicamo-nos a conhecer o futuro. Quando algo nos acontece, exclamamos: “ah, se eu soubesse!”. Não podemos saber porque o futuro é para ser construído por nós, não para ser conhecido. O futuro, portanto, não é segredo que Deus nos revele, mas Ele nos dá recursos para produzir o futuro, que é para ser construído por nós. O futuro, portanto, é aquilo que nós fazemos. Dez anos antes de eu nascer, o imigrante Stefan Zweig, escrevendo de Petropolis, entusiasmou-se com a terra que o acolhia, fugindo do nazismo, e chamou o Brasil de país do futuro. Estou com 54 anos e o Brasil continua o país do futuro. O futuro, portanto, é aquilo que nós construirmos.
3. Preciso crer no maior segredo: Jesus.
O maior segredo já foi revelado. Jesus é o maior segredo de Deus. Jesus foi “agora revelado e dado a conhecer pelas Escrituras proféticas por ordem do Deus eterno, para que todas as nações venham a crer nele e a obedecer-lhe” (Romanos (16.26).
O Novo Testamento é a história de Jesus Cristo, o “mistério que esteve oculto durante épocas e gerações”, mas que foi revelado (Colossenses 1.26). Este mistério revelado se tornou carne, viveu entre nós, morreu por nós, intercede por nós. Este ex-mistério em pessoa perdoou e perdoa todos os nossos pecados, razão pela qual nenhum de nós precisa viver com culpa. Este ex-mistério personificado nos amou e nos ama.
Jesus já se revelou a muitas pessoas e continua desejoso de se revelar. Não quer ser visto atrás de um véu, mas face a face. Convida Ele de modo extraordinário: “Aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me revelarei a ele” ( João 14.21).
4. Preciso crer que Deus está comigo, mesmo quando sou injustiçado.
Quando olho para a história, inclusive a que se descortina sob os meus olhos, vejo pessoas vivendo vidas duras. Algumas já nasceram enfermas, física ou emocionalmente, fazendo de suas vidas autênticos vales de lágrimas e rios de perguntas sobre a razão de seus sofrimentos. Algumas foram massacradas, física ou moralmente, em algum momento e desde então caminham encurvadas sob um peso perto do insuportável. Outras foram flagradas por eventos imprevisíveis e sem nenhuma ação humana intencional e desde então sofrem as seqüelas matérias e espirituais da tragédia que se lhe abateu.
Eu mesmo já experimentei a flecha da injustiça cravando no meu peito. Não estou sozinho nesta experiência. Devo olhar para a injustiça, contra mim ou contra outros inocentes, e não aceitá-la.
Tenho duas grandes dificuldades com a reencarnação que, desde os albores do hinduísmo, há vários milênios, tem atraído tantas pessoas. A primeira é que não encontro fundamento para ela na Bíblia e qualquer idéia, por mais lógica que possa parecer, só pode ser aceitável se estiver apresentada na Bíblia. Jesus morreu uma vez por todas, e seu sacrifício alcança os que viveram ao tempo dEle e depois dEle. Jesus se tornou carne uma única vez. Jesus ressuscitou uma única vez.
A segunda dificuldade é que a reencarnação não é justa, diferentemente do que pode parecer. É justo a uma pessoa pagar pelo que outra pessoa (ou um espírito pré-existente) fez? A reencarnação não oferece à pessoa histórica outra oportunidade, a não ser no futuro. Ela põe um peso tremendo sobre quem sofre, uma vez que ensina que seu sofrimento é merecido em razão do que fez em vidas passadas. Não há justiça onde há resignação. O sofrimento não é para ser aceito; ele existe, mas é para ser recusado; ele é real e, como tal, deve ser enfrentado.
Diante da injustiça, que nos faz sofrer, é melhor a rejeição do que a conformação. Quando estamos aflitos, “é melhor falar do que ficar calado. É melhor jogar a tristeza fora do que arquivá-la. É melhor chorar do que fingir alegria. É melhor manter o semblante triste por mais um pouco do que sorrir artificialmente. É melhor desabafar do que abafar. É melhor falar de mais do que de menos. É melhor orar “Deus, não me deixes decepcionado” do que acusar que “Deus não me valeu de nada”. (CÉSAR, Elben M. Lenz. Refeições diárias com o sabor dos salmos. Viçosa: Ultimato, 2003, p. 72).
Deus me vale sempre.
5. Preciso elevar a minha alma.
É diante de Deus que preciso elevar a minha alma (verso 1). É elevando minha alma que conhecerei os segredos de Deus.
No passado, para conhecer os segredos de Deus era necessário um esforço tremendo e só podia acontecer nos momentos previamente marcados. Em algumas agências bancárias, pode-se ler o aviso de que o cofre só se abre automaticamente e em horários pré-estabelecidos. Ao tempo do antigo Israel o acesso a Deus, que estava sempre atrás do véu, era ritualizado. Só uma vez por ano, o véu era desvelado e arca da presença de Deus podia ser contemplada. Todo cuidado era necessário: “Faça um véu de linho fino trançado e de fios de tecidos azul, roxo e vermelho, e mande bordar nele querubins. Pendure-o com ganchos de ouro em quatro colunas de madeira de acácia revestidas de ouro e fincadas em quatro bases de prata. Pendure o véu pelos colchetes e coloque atrás do véu a arca da aliança. O véu separará o Lugar Santo do Lugar Santíssimo. Coloque a tampa sobre a arca da aliança no Lugar Santíssimo” (Êxodo 26.31-34). Esta era a regra na antiga aliança.
Na nova aliança, há presença, mas não há arca. Quando Jesus foi crucificado e exclamou que sua obra estava terminada, o véu, em forma de cortina, que estava no templo de Jerusalém separando o Lugar Santo do Lugar Santíssimo, se rasgou, pelo poder de Deus, sem nenhuma ação humana, de alto a baixo. Por isto, podemos ter “plena confiança para entrar no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus, por um novo e vivo caminho que ele nos abriu por meio do véu, isto é, do seu corpo. Temos, pois, um grande sacerdote sobre a casa de Deus. Sendo assim, aproximemo-nos de Deus com um coração sincero e com plena convicção de fé, tendo os corações aspergidos para nos purificar de uma consciência culpada, e tendo os nossos corpos lavados com água pura. Apeguemo-nos com firmeza à esperança que professamos, pois aquele que prometeu é fiel. E consideremos uns aos outros para nos incentivarmos ao amor e às boas obras” (Hebreus 10.19-24).
É por isto que posso elevar a qualquer e em qualquer lugar minha alma para o Senhor. Não se trata de um exercício ritual, mas de um exercício espiritual. Elevar-se é se colocar diante de Deus para orar. É orando que conheço a aliança de Deus comigo. É orando que eu convivo com Deus. Jesus chama a este relacionamento de amizade (João 15.15). Quando oro, deixo meus pés no chão, mas ponho minha cabeça no céu.
Não devo orar porque tenho uma necessidade a ser atendida, mas porque tenho necessidade de orar. Quando oro, contemplo “aquele que forma os montes, cria o vento e revela os seus pensamentos ao homem, aquele que transforma a alvorada em trevas, e pisa as montanhas da terra; Senhor, Deus dos Exércitos, é o seu nome” (Amós 4.13). Quando oro, mantendo meus olhos voltados para o Senhor (verso 15), porque, em Sua soberania, Ele “é a minha força” e “faz os meus pés como os do cervo” (Habacuque 3.19). Caminhando com Ele, mantenho laços que uma eventual decepção não desfará.