Salmo 36: PRECIOSO AMOR

PRECIOSO AMOR

Salmo 36

2006

1
Vale a pena temer a Deus ou é melhor seguir os pulsos do coração e as correntes da corrupção? — Esta é a pergunta do salmista. Em todos os tempos esta é a pergunta do homem íntegro. Nem sempre o castigo corresponde ao crime. Nem sempre o castigo corrige o criminoso.
Olhamos para os ímpios aqui descritos com certo horror, com certa  tristeza e até com certo orgulho. De fato, pouco podemos fazer por aquele que “se acha tão importante, que não percebe nem rejeita o seu pecado” (verso 2).
Olho para mim mesmo: se eu tiver oportunidade de agir como os ímpios, vou agir diferente? Oro para minha resposta seja positiva, mas tenho que tomar cuidado. Até mesmo quando faço o bem, posso deixar que a arrogância, típica dos ímpios, se infiltre em mim.
Preciso manter um sentimento de horror diante do pecado dos outros e dos meu. Preciso me entristecer diante do pecado dos outros e dos meus. Preciso me manter humildade diante dos meus bons gestos, porque os tomei pela graça que há em mim, e não pelos meus méritos.
É assim que eu temo a Deus: olhando para Ele e vendo quem eu sou e quem eu posso ser. Quando olho para Deus, descubro que não é inútil temer ao Senhor (verso 1).

2
Para temer ao Senhor, precisamos crer num Deus além de Deus, num Deus que não cabe em nossa estrutura mental e espiritual.
Deus está na Bíblia, mas Deus não cabe na Bíblia, porque lhe é maior.
Deus se manifesta em nossas vidas, mas Deus não cabe em nossas vidas, porque lhes é superior.
Nosso conhecimento acerca de Deus é apenas conhecimento acerca de Deus. Não é Deus. Deus é insondável. Ninguém o pode alcançar. Ele se apresenta numa sarça, mas não é uma sarça. Ele se revela numa brisa suave, mas não é uma brisa. Ele se mostra num irmão necessitado, mas não é um irmão necessitado.
Um Deus limitado age limitadamente. Um Deus ilimitado age ilimitadamente.
Precisamos de um Deus além de Deus, de um Deus que esteja além de nossos conceitos, formados por nossas leituras e experiências. Nossas leituras e experiências são apenas lampejos de quem Deus é.
Precisamos de fé para falar de Deus. É só pela fé que Ele se apresenta a nós, ou melhor, é só pela fé que conseguimos vê-Lo.
Precisamos de uma experiência viva com Deus para que nossa fé nEle cresça.
Precisamos de poesia para falar de Deus. A Bíblia está cheia de experiências de homens e mulheres que se encontram e se desencontraram com Deus. A Bíblia também está cheia de poesia para narrar estes encontros e desencontros. A poesia, inclusiva a poesia musicada, é é a forma por excelência para falarmos da excelência de Deus. O salmo 36 é um destes exemplos, quando celebra o amor de Deus.

4
A síntese do salmo 36 é esta: Quando tememos a Deus, celebramos o amor de Deus.

1. O amor de Deus é abrangente  (versos 5-6 — “O teu amor, Senhor, chega até os céus; a tua fidelidade até as nuvens. A tua justiça é firme como as altas montanhas; as tuas decisões insondáveis como o grande mar. Tu, Senhor, preservas tanto os homens quanto os animais”).
O amor de Deus é tão abrangente que chega ao firmamento, para além das nuvens. O amor de Deus é tão abrangente que inclui os animais e até mesmo as plantas. Lemos numa exaltação ao Senhor que “até o pardal achou um lar, e a andorinha um ninho para si, para abrigar os seus filhotes, um lugar perto do teu altar, ó Senhor dos Exércitos, meu Rei e meu Deus (Salmo 84.3). E lemos também que Jesus garante que valemos “mais do que muitos pardais!” (Mateus 10.31).

2. O amor de Deus inclusivo (verso 7b — “Os homens encontram refúgio à sombra das tuas asas”).
O amor de Deus é tão inclusivo que é como se Ele tivesse asas, para nos alcançar, para nos cobrir, para nos carregar, para nos aquecer.
As asas de Deus nos protegem. (Salmo 17.8 —  “esconde-me à sombra das tuas asas”; salmo 91.4 — “Ele o cobrirá com as suas penas, e sob as suas asas você encontrará refúgio; a fidelidade dele será o seu escudo protetor”.)
As asas de Deus nos curam. (Malaquias 4.2 “Para que vocês que reverenciam o meu nome, o sol da justiça se levantará trazendo cura em suas asas. E vocês sairão e saltarão como bezerros soltos do curral”.)

3. O amor de Deus é completo (verso 6a,b — “A tua justiça é firme como as altas montanhas; as tuas decisões insondáveis como o grande mar”).
O amor de Deus é tão completo, que inclui a justiça. Só Ele ama com justiça. Este amor completo é exigente (por isto, é “firme como as altas montanhas” — verso 6a).
Quem ama um filho sabe o que significa um amor completo, que é exigente, mesmo que o alvo do amor não entenda. Quem gosta de ouvir um “não”, mesmo que o “não” seja a sua salvação?

4. O amor de Deus é generoso (verso 8 — “Eles se banqueteiam na fartura da tua casa; tu lhes dás de beber do teu rio de delícias”).
O amor de Deus é tão generoso, que nos convida a que nos banqueteemos com as suas delícias. Saímos do Éden, mas podemos fruir de algumas de suas delícias que estavam ali para nós.
Deus é o anfitrião da festa. Ele abre a casa. Ele põe a mesa. Lembremos do salmo 23.

5. O amor de Deus é vital (verso 9 — “Em ti está a fonte da vida; graças à tua luz, vemos a luz”).
O amor de Deus é vital no sentido que Ele é a fonte de vida (verso 9 — “Em ti está a fonte da vida”). Somos chamados a beber desta Fonte condutora. (Isaías 58.11 — “O Senhor o guiará constantemente; satisfará os seus desejos numa terra ressequida pelo sol e fortalecerá os seus ossos. Você será como um jardim bem regado, como uma fonte cujas águas nunca faltam”.
O amor de Deus é vital também no sentido que nos dá vida. Amar-nos foi uma decisão de Deus. (João 3.16 — “Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.”). Todo o Evangelho contém esta notícia; os evangelhos foram escritos para nos comunicar esta verdade. (João 20.31 — “Estes foram escritos para que vocês creiama que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome”.) Crendo em Jesus, temos vida plena (João 10.10b).
O amor de Deus é vital no sentido que nos mostra a luz que é Ele mesmo (verso 9b — “graças à tua luz, vemos a luz”).  Outra tradução deste verso do salterio garante: “à tua luz, vemos a luz”. Se estamos conscientes do amor de Deus, há túneis em nossas vidas, mas há luz neles. Se vivemos na presença de Deus, há trevas ao nosso redor, mas não suficientes para apagar a luz de Deus nos nossos corações.
O amor de Deus nos mostra Deus. (João 8.12 — Falando novamente ao povo, Jesus disse: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, nunca andará em trevas, mas terá a luz da vida”.)
O amor de Deus é vital no sentido que nos convida a comunicar vida aos outros, o que acontece quando os amamos, apresentando Cristo a eles e promovendo vida neles. (1João 3.16 — “Nisto conhecemos o que é o amor: Jesus Cristo deu a sua vida por nós, e devemosdar a nossa vida por nossos irmãos”).
A celebração da Ceia é uma lembrança desta verdade (“Jesus Cristo deu a sua vida por nós”) e deste compromiso (“devemos dar a nossa vida por nossos irmãos”).

***
Salmo 36

Senhor, ensina-me a viver no teu temor,
não porque dê bons resultados, embora dê,
mas por causa apenas do nosso amor.

Ajuda-me a ver toda a minha inutilidade
mesmo quando faço da justiça o meu farol,
porque apenas irradio a tua luz de fidelidade.

Não permita que eu me torne arrogante,
mas, se eu cair, tenha misericórdia de mim
e me pegue no colo para não ficar cambaleante.

Quando as sombras dos pecados envolventes
quiserem me fazer descansar de tantas lutas,
estende sobre mim suas asas mais que suficientes.

Mesmo que a mesa da corrupção esteja posta
e o tilintar dos talheres me venha seduzir,
que a fartura da tua mesa seja a minha aposta.
Se as escolhas multiplicarem a aventura
faça-me prazerosamente beber da corrente
que vem de ti, fonte que és de água pura.

Antes que o brilho sobre o ego me arruíne
e meus olhos vibrem por outros desejos,
seja, Senhor, só a tua luz que me fascine.