Jeremias 1.4-10, 17-19: AME-SE

AME-SE
Jeremias 1.4-10, 17-19
Há muitos paradoxos no cristianismo bíblico. Um deles se refere à natureza humana.
A chamada literatura de auto-ajuda começou com Dale Carnegie, quando publicou, em 1936, o seu foi “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”, cuja síntese é a seguinte: “Acredite que você pode ser um sucesso, e você será”. Apesar da sua simplificação, a frase tem atraído muitas pessoas.
Pego o livro dos Salmos e leio: “O Senhor olha dos céus para os filhos dos homens, para ver se há alguém que tenha entendimento, alguém que busque a Deus. Todos se desviaram, igualmente se corromperam; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer” (Salmo 14.2-3). Por isto, o profeta Jeremias arremata, dizendo que “o coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo?” (Jeremias 17.9). Afinal, “todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” (Romanos 3.23), glória com que foi criado, porque feito à imagem e semelhança de Deus.
Esta supervalorização tem feito muito mal ao ser humano, porque  tem levado a alguns ao auto-engano (pensando de si o que não são) e ao engano (achando que não têm erros ou pecados).
No entanto, seu oposto, a desvalorização do ser humano, configurada numa auto-estima baixa, tem feito muito mal. Estou convencido que boa parte dos problemas que enfrentamos advém precisamente daí. Esta auto-percepção equivocada, presente em muitos corações, está presente pelas páginas da Bíblia, sendo Jeremias o exemplo mais notável.

ANATOMIA DA FALTA DE AMOR PRÓPRIO
Jeremias tipifica um tipo de pessoas ainda hoje.
Jeremias era alguém que tinha uma auto-imagem negativa a seu respeito. O que ele fala de si o revela. Talvez não fosse eloqüente, mas achava que não sabia falar. Conheço pessoas que não fazem sequer uma oração em público, porque não estão seguros que vão fazê-lo bem…

Jeremias era alguém que se achava aquém da tarefa que Deus lhe confiava. Deus precisava de outra pessoa, não dele. Ele era jovem demais, despreparado demais. Conheço pessoas que recusam tarefas porque olham para os lados e, olhando para os lados, vêm gente mais competente. Até podem ser: mas essas pessoas não foram chamadas…

E que Jeremias era assim? O texto bíblico não nos informa.
Por que alguns de nós desenvolvemos um sentimento negativo acerca de nós mesmos. Há alguns fatores formativos que precisamos considerar.

1. A herança da rejeição.
A rejeição é uma marca da qual não é fácil se ver livre. Por que tantas crianças adotadas, que teriam tudo por ser felizes por serem amadas por seus pais adotivos, desenvolvem auto-imagens tão ruins? Entre outros fatores, é porque, mesmo aceitas pelos pais de agora, carregam o fardo da rejeição de ontem.
Imagino as dores das mulheres que vivem em sociedades em que são consideradas inferiores, em que são recebidas como um peso, em que não são amadas; antes, são vistas como estorvos.
Imagino as dores de crianças rejeitadas pelos pais, algumas ainda no útero. Conheço pessoas que nunca se acertaram na vida porque foram rejeitadas por seus pais, mesmo vivendo com eles.

2. O peso das expectativas
Têm um peso também as exigências elevadas dos pais e familiares, manifestas de forma agudamente crítica. No caso de Jeremias, talvez em Ananote, sua cidade, quisessem que ele fosse tão bom quanto seu pai, o sacerdote Hilquias.
Muitos pais querem que seus filhos sejam o que não conseguiram ser e acabam, claramente ou não, esperando isto deles. Quando essas crianças dão sinais de que não vão alcançar aquelas expectativas, podem ser criticadas ou repreendidas, castigadas ou superprotegidas.
Uns reagem bem a expectativas inalcançáveis, considerando-as inalcançáveis por si mesmas, mas outras reagem mal, achando-se culpados por não alcançar essas expectativas.
Essas situações podem seguir as vidas na idade adulta. Que esperar de uma mulher a vida inteira criticada e controlada por  seu marido. Que esperar de um esposo que nunca acerta, pelo menos aos olhos do seu esposo. Se ele ou ela não tiver uma boa auto-estima, vai acabar acreditando no que o seu cônjuge lhe diz.

3. A pressão da cultura
Jeremias experimentaria ao logo de sua vida a pressão de sua comunidade, que lhe colocava um padrão de sucesso profético. Alguns iam bem; eram recebidos em palácio, e ele ia para a cadeia. Havia um modo de ser profeta, e se esperava que Jeremias o seguisse, como hoje também acontece. Acontece que as pessoas são diferentes; têm ritmos diferentes e nem sempre se adaptam a padrões estabelecidos sem consulta prévia, na mais completa ignorância das competências individuais. Em nossa sociedade, estima-se que para se ter sucesso (sucesso entendido em termos como um fim em si mesmo), uma pessoa, por exemplo, precisa ser inteligente (que é sempre uma comparação) e bonita (que é sempre uma comparação). Para alguns, isto é um desafio. Para outros, é um sentimento de inadequação e de rejeição. Toda comparação é insuficiente e padece da síndrome dos dez espias, que viram gigantes e obstáculos intransponíveis na terra que lhes fora dada para conquistar (Números 13). Poucos, ao (se) compararem, se sentem davis, que não olhou o gigante como maior que ele, mas como um igual, e o derrotou. A sociedade diz amar a diversidade, mas cultua a homogenidade. Deus aprecia a biodiversidade.

4. Uma visão errada acerca de Deus.
Há ainda a leitura incompleta da Bíblia, marcada por uma visão que nega qualquer dignidade ao ser humano. Há até a afirmação de que o sentido da vida cristã é a auto-negação… Jesus não é a expressão maior da humildade por ter negado sua própria divindade? Se é assim, cada um de nós não deve se ver como inútil, como último, como sem valor? Uma teologia do pecado é devastadora se não incluir a graça como um de seus capítulos.
Para muitos, Deus é como um pai rabugento e exigente, que castiga os filhos desobedientes e premia os obedientes. Seu prazer, parece, é apresentar para seus filhos padrões que só Ele pode alcançar. O resultado é o ser humano se esforçando para alcançar esses padrões, a partir do auto-esforço, que tem um nome: legalismo, que põe a fidelidade de Deus na dependência da virtude humana.  O legalismo não é legal; o legalismo é letal. O legalismo se esquece que Deus põe padrões elevados, mas os vive conosco e nos ajuda a vivê-los; e caímos, Ele nos levanta.

A RECEITA DIVINA
“Todos nós vivemos de acordo com a percepção que temos de nossa própria identidade. Na verdade, ninguém consegue comportar-se coerentemente de um modo que seja incoerente com a imagem que faz de si  próprio”. (Neil Anderson)
Se a palavra do homem é: “eu não posso”, a Palavra de Deus é: você pode. Se a palavra do homem é: “eu não gosto de mim mesmo”, a Palavra de Deus é: “eu gosto de você”.

1. Procure se ver como Deus vê você.
Ouça o que Deus diz a seu respeito. Recorde-se do que disse a Jeremias: “Antes de formá-lo no ventre eu o escolhia; antes de você nascer, eu o separei e o designei profeta às nações” (verso 5).
O salmo 8, que é sobre a majestade de Deus, pinta o homem com as seguintes cores: “Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que ali firmaste,pergunto: Que é o homem, para que com ele te importes? E o filho do homem, para que com ele te preocupes? Tu o fizeste um pouco menor do que os seres celestiais e o coroaste de glória e de honra. Tu o fizeste dominar sobre as obras das tuas mãos; sob os seus pés tudo puseste” (Salmo 8.3-6).
“Cada parte da criação de Deus é muito boa e muito especial porque é o resultado o projeto amoroso do Deus Todopoderosos. Como pessoas criadas na imagem de divina, somos muito especiais. A dignidade cada ser humano vem da vontade divino, não de uma decisão humana. Nossa dignidade essencial não vem de uma escolha governamental, ou da utilidade social ou da auto-realização. Ela vem do CriadoR das galáxias que escolheu seres humanos entre as multidões infinitas da ordem criada para portar a imagem divina. Sem essa de pobre e indefeso, velho e fraco, aleijado e deformado, de jovem e necessitado; os seres humanos desfrutam de uma dignidade dada por Deus, uma dignidade que o coloca em destaque em toda a criação”. (Ronald Sider)
Isto não quer dizer que você não seja um pecador, porque é: todos somos. Por ser um pecador, você aceita as palavras que põem sobre você, mesmo falsas. Por ser um pecador, você também oprime os outros, fala mal dos outros, deseja mal aos outros, como também fazem com você. Mas você é um pecador redimido. Por ser um pecador redimido, sua imagem e semelhança foi restabelecida, embora ainda parcialmente. Deus ama a biodiversidade humana. Deus ama você. Você continua sendo um poema de Deus, como o era quando estava no ventre da sua mãe. Você tem problemas, mas você tem a graça de Deus.
É assim que Deus vê você, não importa como tenha sido ou esteja sendo tratado pelos seus colegas, pelos seus pais ou pelos seus cônjuges.

2. Lembre-se que Deus está com você.
Jeremias enfrentou muitos dilemas, inclusive o da baixa auto-estima. Ouça o que Deus lhe prometeu: “Não diga que [você] é muito jovem. A todos a quem eu o enviar, você irá e dirá tudo o que eu lhe ordenar. Não tenha medo deles, pois eu estou com você para protegê-lo” (versos 7 e 8).
Por estar com você, por conhecer você, ele capacita você a ser o que hoje você não é: uma pessoa confiante, decidida e corajosa.

3. Deixe Deus fazer com você o que precisa ser feito.
Veja o que Deus pode fazer. Eis o que Ele fez com Jeremias.
“O Senhor estendeu a mão, tocou a minha boca e disse-me: `Agora ponho em sua boca as minhas palavras. (10) Veja! Eu hoje dou a você autoridade sobre nações e reinos, para arrancar, despedaçar, arruinar e destruir; para edificar e plantar’”. [Jeremias 1.9-10]
Deixe Deus tocar na sua boca. Deixe Deus tocar na sua vida, para fazer você se olhar como olha você. Deixe Deus transformar você.  A conquista de uma auto-suficiência equilibrada não é uma auto-conquista; é uma dádiva de Deus, já posta. Jeremias se deixou transformar e ouviu as seguintes palavras: “E você, prepare-se! Vá dizer-lhes tudo o que eu ordenar. Não fique aterrorizado por causa deles, senão eu o aterrorizarei diante deles. E hoje eu faço de você uma cidade fortificada, uma coluna de ferro e um muro de bronze, contra toda a terra: contra os reis de Judá, seus oficiais, seus sacerdotes e o povo da terra. Eles lutarão contra você, mas não o vencerão, pois eu estou com você e o protegerei”. [Jeremias 1.17-19]

4. Ame-se.
Você não encontra esta instrução em Jeremias, nem ao largo da Bíblia. Você não encontra esta instrução na Bíblia. Na verdade, é um pressuposto presente em todas as instruções para nos amarmos uns aos outros. O mandamento é claro: ame o seu próximo como a você mesmo. A Bíblia não precisava pedir para nos amarmos a nós mesmos porque este um imperativo da vida. As Sagradas Escrituras tomam a auto-estima como um pressuposto.
Amar-se não é achar-se um Narciso, mais inteligente, mais belo, mais rápido, mais afetuoso, mais humilde. O amor não precisa de comparação. Ninguém aborrece sua própria carne, mas antes a nutre e preza (Efésios 5.29); esta é a ordem natural que Deus nos põe.
Amar-se não é viver como se não errasse ou não pecasse. Antes, uma pessoa equilibrada se põe diante de Deus e pede que seja sondado por Ele (Salmo 139).
Como ensinou o apóstolo Paulo, não devemos “reivindicar qualquer coisa com base em nossos próprios méritos, mas a nossa capacidade vem de Deus” (2Coríntios 3.5). Na verdade, nós NOS amamos porque Deus nos amou primeiro. Uma auto-estima equilibrada combina elevado amor próprio com humildade. “Por isso, pela graça que me foi dada digo a todos vocês: Ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter; mas, ao contrário, tenha um conceito equilibrado, de acordo com a medida da fé que Deus lhe concedeu” (Romanos 12.3).
Paulo tinha uma imagem correta de si mesmo. Por isto, fez o que fez, enfrentando adversidades e adversários, algozes e juízes. Ele diz “sejam imitadores de Cristo” e diz também “Sejam meus imitadores”. Sua auto-imagem era equilibrada. “Auto-imagem não é pensamento positivo, é um modo cristão de ver-se. Não se supervalorize. Você não é a quarta pessoa da trindade mas também não se deprecie, você não é a encarnação do mal. Você é uma pessoa como todas as outras, com defeitos e com pecados, mas com virtudes. Porque você é a imagem e semelhança de Deus. Porque você é propriedade de Jesus Cristo. Porque você tem valor aos olhos dele. Ame-se, porque a Bíblia não diz para se desprezar. Aceite-se, porque a Bíblia não diz para você se rejeitar. Respeite-se e viva bem na graça de Deus. Você não é uma coisa qualquer, você é propriedade de Deus. Conseqüentemente Deus ama, tem interesse e cuida de você. Ame-se, tenha interesse por si e cuide de si mesmo”. [COELHO FILHO, Isaltino Gomes. Construindo a auto-imagem. Disponível em <http://ibcambui.org.br/mensagens/mens49.html>. Acessado em 28.4.2006.]

ALGUMAS SUGESTÕES PRATICAS
AOS PAIS
1. Lembre-se que o modo como você trata (com palavras e gestos) seus filhos tem impacto sobre toda a vida deles.
2. Receba seus filhos como presentes de Deus. Deixe que eles percebam que é assim que você os considera.
3. Seja expansivamente afetuoso com eles. Não tenha vergonha de os elogiar, de “encher a bola” deles.
4. Não compare seus filhos com outros filhos.
5. Exija dos seus filhos, mas não exija demais. Comente suas ações, mas não apenas critique.
6. Crie oportunidades para que elas desenvolvam uma adequada auto-estima. Se for o caso, mesmo que falhem, dêem-lhe novas oportunidades.

AOS CÔNJUGES
1. Considere seu cônjuge como um presente de Deus, presente no passado, presente no presente, para que continue sendo presente no futuro. Diga a ele que não imagina sua vida se não for ao seu lado.
2. Demonstre amor ao seu amado.
3. Eleve a auto-estima do seu querido. Exalte seus acertos.
4. Critique seu cônjuge, se for necessário, mas não o massacre. Quando o criticar, no que realmente importar, nunca o faça em público.
5. Não compare, nem para você mesmo, seu cônjuge com outro. O seu você conhece, o outro você apenas imagina.
6. Reconheça que você também tem falhas, não só seu cônjuge.

A VOCÊ MESMO
Se você tem uma auto-estima elevada demais, pare de se achar superior. Tenha o mesmo sentimento que Jesus teve em relação à sua divindade. E você não é divino.
Se você tem uma auto-estima baixa;
1. Pare de só ver defeito em você. Você tem defeitos, mas tem qualidades também. Faça uma lista destas qualidades; você vai se surpreender. Seja tolerante com você mesmo. Dê sempre uma segunda chance para você mesmo. Não aceite culpas que a Bíblia não lhe põe.
2. Parece de se comparar com os outros. Você é você. Você não é quem você não é. Seja você mesmo.
3. Esteja pronto para a crítica, mas não aceite ser massacrado.
4. Reconheça as suas falhas. Você erra, como todo ser humano. Arrependa-se e vivencia a beleza da graça em você.
5. Elogie-se. Deus, quando terminou a criação dos seis dias, viu que era bonito o que tinha feito.
6. Cuide do seu corpo.