SEJA SANTO
Levítico 20.7
Pregado na Igreja Batista Itacurucá, em 28.5.2005 — culto da noite
“Limpa teu coração. Faz dele uma casa para o Senhor. Deixa que Ele more em ti e tu morarás nEle”. (Agostinho)
A palavra “santo” envelheceu e perdeu seu sentido primeiro, ela que nasceu na boca de Deus. O Pentateuco está pleno de instruções à santidade. O Livro de Levítico é o mais pródigo delas, nelas Deus pedindo inúmeras vezes:
. “Vocês têm que fazer separação entre o santo e o profano, entre o puro e o impuro” (Levitico 10.10).
. “Diga o seguinte a toda comunidade de Israel: `Sejam santos porque eu, o Senhor, o Deus de vocês, sou santo'” (Levítico 19.1).
. “Consagrem-se, porém, e sejam santos, porque eu sou o Senhor, o Deus de vocês” (Levitico 20.7).
. “Vocês serão santos para mim, porque eu, o Senhor, sou santo, e os separei dentre os povos para serem meus” (Levitico 20.26).
A exigência da santidade, portanto, não é de nenhuma instituição. Vem diretamente de Deus mesmo, a partir de sua própria santidade, que Ele mesmo apresenta como o alvo a ser alcançado pelos seres humanos.
1. A EXIGÊNCIA DIVINA POR SANTIDADE
Podemos ser santos?
Deus nos pede que o sejamos.
O problema é que nós, seres humanos, temos envelhecido a exigência de Deus, seja descumprindo-a, seja fazendo exigências que Deus não fez, mas apresentando-as como dEle sendo.
Tanto é que, para muitas pessoas, santo é aquele cristão que, tendo sido mártir durante alguma perseguição, foi elevado a uma categoria de intercessor para e pelos que estão vivos. Para ser santo, você não precisa ser um mártir, embora o santo se forje na fornalha do sofrimento.
Para outras, santo é aquele cristão que, diante do ataque ou da injustiça, não reage. É por isto que, ao se enraivecer, é comum alguém dizer, por exemplo: “Eu não sou santo”. Para ser santo, você não precisa ser uma mosca morta, porque o santo se ira, mas procura não pecar.
Para outras também, santo é aquele cristão se abstém das práticas culturais de seu povo, negando seus desejos e até mesmo impondo flagelo ao seu corpo. Para ser santo, você não precisa impor cargas além daquelas postas pelo próprio Deus e que visam a bênção pessoal e a edificação da comunidade a quem abençoa.
Para outros, santo é alguém que passa horas diárias de oração diante de Deus. Para ser santo, você precisa ter o ideal de ser um homem ou mulher de oração, mas não se mede por horas, mas por dependência.
Pior que isto, há quem veja o santo como aquele cristão que faz uma pose de piedade, geralmente carrancuda, para consumo externo. Para ser santo, não precisa fazer pose; as pessoas o verão como tal, especialmente se você for alegre; a santidade é sorridente, não amarga.
2. DA AUTO-SUPERAÇÃO PARA A ANIQUILAÇÃO DO EU
O que é um santo?
No Antigo Testamento, a santidade é um convite divino ao ser humano para a auto-superação através do sacrifício, num esforço de subida para onde Deus està. No Novo Testamento, a santidade é um convite divino para a auto-aniquilação através da imitação de Cristo, num esforço de descida.
Santo é aquele que diz, para si mesmo e para os outros: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gálatas 2.20).
Santo é quem é exclusivo para Deus. É aquele tem prazer em fazer parte de uma “geração eleita”, de um “sacerdócio real”, de uma “nação santa”, como “povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pedro 2.9). O santo tem esta síntese magistral de Pedro inscrita nos umbrais de seus desejos, sabendo que antes não era nada, mas agora é parte do povo de Deus; não conhecia a misericórdia de Deus, mas agora conhece (1Pedro 2.10). Santo é quem se sabe separado e sabendo-se separado, acha-se separado, e achando-se separado, gosta de ser separado. Neste sentido, santidade é uma espécie de demarcação de território. Quando Moisés foi convidado para subir ao monte Sinai para se encontrar com Deus, parte da montanha foi demarcada, com lugares acessáveis e não-acessáveis (Êxodo 19). É o mesmo que o apóstolo Paulo disse que todas as coisas nos são licitas, mas nem todas convêm (1Coríntios 6.12).
Santo é quem abre mão voluntariamente da obsessão pelo seu eu. O eu está nele, pressionando-o para escravizá-lo, mas ele o vence como Cristo venceu a morte. Quem vive nele é Cristo, não o seu eu. Quem rege a sua vida é Cristo, não o seu eu.
Santo é alguém envolvido pela colorida atmosfera da graça da liberdade e da alegria, não do medo e da tristeza. Só uma tristeza o incomoda, mas é tristeza construtiva. O seu próprio pecado o entristece, ao ponto de gritar “miserável homem que sou” (Romanos 7.24). Sua tristeza o leva ao arrependimento. Deus gosta que nos entristeçamos assim. “A tristeza segundo Deus não produz remorso, mas sim um arrependimento que leva à salvação, e a tristeza segundo o mundo produz morte” (2Coríntios 7.9). Santo, portanto, é quem sabe que é um miserável pecador.
Santo é quem continua assombrado diante do que Deus fez e faz A revelação bíblica não muda e ela pergunta: “Quem entre os deuses é semelhante a ti, Senhor? Quem é semelhante a ti? Majestoso em santidade, terrível em feitos gloriosos, autor de maravilhas?” (Êxodo 15.11). Diante dele é para tremermos, do alto a baixo, quando faz coisas grandes e faz coisas aparentemente pequenas. Em Jesus Cristo, vemos que “o Pai ama ao Filho e lhe mostra tudo o que faz. Sim, para admiração de vocês, ele lhe mostrará obras ainda maiores do que estas” (João 5.20). Tudo o que somos e temos “vem da parte do Senhor dos Exércitos, maravilhoso em conselhos e magnífico em sabedoria” (Isaías 28.29).
Ser santo não é ter não desejos pecaminosos; é dominá-los, com a ajuda do Espírito Santo, até não os ter mais. O Cristo que vive em mim está sendo formado pelo Espírito Santo (Gálatas 4.19); chegará o tempo em que Ele tomará todo o nosso coração. Até lá é dor como dor de parto. Penso que é por isto que muitos não querem Cristo se formando em seus corações. Ser santo dói.
O santo não gosta mais do que gostava, quando não fora alcançado pela misericórdia. O santo não permite que o pecado continue dominando os seus corpos mortais, levando-o a obedecer aos seus desejos. O santo não oferece os membros seu do corpo ao pecado, como instrumentos de injustiça, porque, antes, já o ofereceu a Deus “como quem voltou da morte para a vida” e o consagra como “instrumentos de justiça”. Seu desejo é o pecado não domine os seus desejos, porque vive debaixo da graça (Romanos 6.11-14). O santo só vai onde Deus está. E ele não está, por exemplo, na casa de prostituição, na loja do jogo, no antro da corrupção, na roda da maledicência, na avenida da ira.
O santo caminha a segunda milha com o próximo, mesmo que o próximo lhe tenha pisado no calo ou lhe tenha caluniado. O santo lhes perdoa porque não sabem o que fazem.
Santo é quem tem vontade de comentar interpretativamente o que viu com o outro, mas se contenta em orar sobre o que viu, mesmo porque o santo não se acha superior (melhor) ao(s) outro(s), mas considera os outros como melhores que ele, seguindo o exemplo de Jesus, nada fazendo por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerando os outros superiores a si mesmo (Filipenses 2.3). O santo não confunde dignidade pessoal com vaidade pessoal.
O santo vive cada minuto na convicção de que Deus o acompanha os seus segundos, e tem prazer nisto. O santo está seguro onde estiver, por causa da convicção de que Deus o acompanha.
3. RESPOSTAS A ALGUMAS PERGUNTAS
Quero responder agora a algumas perguntas:
3.1. Quem é santo?
Santo é todo aquele que já teve sua vida lavada no sangue de Jesus, você foi salvo por ele. Se você olhou para si mesmo e não gostou do que viu porque viu um miserável, um monte de músculos e ossos aterrado num vale de ossos secos, você deu o primeiro passo para ser salvo. Se depois disto você olhou para a cruz e desejou ser restaurado por ela, tendo vida de novo, você foi salvo. Se você tem olhado ainda para sua vida e tem visto nela algo a ser restaurado, você é um santo, você de fato ama mais a Cristo, que fez tudo isto em você, do que ama a você mesmo, mas isto não quer dizer que não precise amar a si mesmo; ama, mas a partir do amor de Cristo e do amor a Cristo.
Você pode ser salvo, se não o é. Você pode ser santo. Ser santo não é ser perfeito; é querer ser perfeito.
3.2. O que faço com meu temperamento e com os meus desejos?
Há coisas notáveis em seu temperamento. Desenvolva-a.
Há disposição horrorosas em seu temperamento. Vigie, para que ele não o prive da graça de Deus, nem para que você prive os outros da mesma graça.
Há desejos magníficos em você, como o de adorar a Deus e o de ajudar os outros. Ponha-os sempre em prática.
Há desejos lamentáveis em você, que guerreiam contra sua vontade de viver na presença de Deus todos os momentos, desejos que levam você para a mesma terra do filho pródigo ou para o mesmo destino de Jonas antes de ser engolido pelo grande peixe. Você sabe que não pode controlá-los, mas o Espírito Santo pode. Ponha-os também, não apenas suas virtudes, no altar de Deus; ponha ali sua paixão pela imoralidade, seu gosto pela idolatria, seu desejo de adulterar, sua tendência para a homossexualidade, sua vontade de roubar, sua vocação para a avareza, sua dependência do álcool, seu prazer pela maledicência, sua alegria em enganar os outros. Sabe por que? Porque você quer herdar o Reino de Deus e você já foi lavado, santificado, justificado no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus (1Coríntios 6.7-11).
3.3. Quem nos torna santos?
É Deus que nos santifica. Ele o diz várias vezes em Levítico até ficar rouco: “Obedeçam aos meus decretos e pratiquem-nos. Eu sou o Senhor que os santifica” (Levítico 20.8; 21.8, 15, 23; 22.9, 16; 22.32).
Então, não nos santificamos a nós mesmos?
Não e sim.
Não, porque o legalismo, a crença que cumprimentos regras nos tornamos dignos do amor de Deus, foi superado pela graça, a certeza que a graça nos torna dignos, num processo que a Bíblia chama de justificação.
Sim, porque a graça espera que vivamos pela graça. O graça nos põe um gracioso padrão. A graça nos disciplina para que fruamos mais dela. “Nossos pais nos disciplinavam por curto período, segundo lhes parecia melhor; mas Deus nos disciplina para o nosso bem, para que participemos da sua santidade” (Hebreus 12.10). A graça quer supervisionar a nossa vida e nos convida a vontade para se deixar conduzir por ela.
3.4. Por que Deus nos pede para sermos santos?
Porque santidade é uma coisa boa para nós.
O autor aos Hebreus nos diz que sem “santidade ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12.14b). Em outros termos, a teofania (uma visão de Deus) depende da santidade.
O melhor fruto da santidade é paz… paz com Deus.
Deus quer fazer maravilhosas, mas espera que nos santifiquemos (Josué 3.5).
4. UMA DECISÃO
Eu lhe pergunto: você gostaria de ser santo?
Então:
. Decida ser santo, começando pela salvação ou continuando com a salvação.
. Peça consciência do seu pecado, mesmo que lhe doa.
. Peça perdão pelo pecado, mesmo que lhe traga vergonha.
. Alegre-se com o perdão o recebido.
. No processo de se tornar um santo, no caminho para a perfeição, diante de uma tentação ou de uma provação ou de uma provocação, não diga “eu não sou santo”, mas grite “Cristo vive em mim! Cristo vive e mim”
Termino com a suave recomendação do apóstolo Pedro:
“Como filhos obedientes, não se deixem amoldar pelos maus desejos de outrora, quando viviam na ignorância.
Mas, assim como é santo aquele que os chamou, sejam santos vocês também em tudo o que fizerem, pois está escrito: `Sejam santos, porque eu sou santo’.
Uma vez que vocês chamam Pai aquele que julga imparcialmente as obras de cada um, portem-se com temor durante a jornada terrena de vocês. Pois vocês sabem que não foi por meio de coisas perecíveis como prata ou ouro que vocês foram redimidos da sua maneira vazia de viver, transmitida por seus antepassados, mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem mancha e sem defeito, conhecidob antes da criação do mundo, revelado nestes últimos tempos em favor de vocês. Por meio dele vocês crêem em Deus, que o ressuscitou dentre os mortos e o glorificou, de modo que a fé e a esperança de vocês estão em Deus.
Agora que vocês purificaram a sua vida pela obediência à verdade, visando ao amor fraternal e sincero, amem sinceramente uns aos outros e de todo o coração.
Vocês foram regenerados, não de uma semente perecível, mas imperecível, por meio da palavra de Deus, viva e permanente. Pois `toda a humanidade é como a relva, e toda a sua glória, como a flor da relva; a relva murcha e cai a sua flor, mas a palavra do Senhor permanece para sempre’. Essa é a palavra que lhes foi anunciada” (1Pedro 1.14-25).
ISRAEL BELO DE AZEVEDO