EM QUE TEMOS CRIDO?
2Timóteo 1
Cada um de nós tem uma história de vida cristã. Paulo teve a sua. Timóteo, sua avó e sua mãe também viveram as suas.
De nós, o que se pode falar? O que Paulo disse da família de Timóteo e dele mesmo? Como o apóstolo, temos servido com consciência limpa, isto é, certos de que estamos mesmo servindo, estamos mesmos fazendo o melhor que podemos, ou estamos esperando apenas que Deus nos sirva, tocando a vida, sem serviço, sem poesia, sem graça?
QUE EVANGELHO ESTAMOS VIVENDO? (2Timóteo 1.1-8)
Desde que confessamos a Jesus como Salvador e Senhor, recebemos o dom (verso 6). Este dom se expressa em termos de poder, amor e equilíbrio. O poder salvador é o poder de Deus que vem ao nosso encontro; é também o poder para uma vida que reanima em nós a imagem e semelhança) de Deus. O amor é o amor de Jesus que se entrega por nós e espera que nos entreguemos por Ele e pelos outros. O equilíbrio é a força que o Espírito Santo nos confere para uma vida serena, mesmo em face dos adversários externos e internos. O dom que recebemos, portanto, nos traz o poder de Deus, o amor de Cristo e o equilíbrio do Espírito Santo.
Não podemos acender o dom, mas precisamos manter acesa a chama deste dom. Como Timóteo, corremos o perigo de ver a chama do dom se apagar.
Quando vêem as dificuldades, achamo-nos sozinhos, abandonados por Deus. Perguntamo-nos até se fomos mesmos salvos. Dizendo-o ou não, sentimo-nos vítimas de uma propaganda enganosa. A alegria da vida cristã sendo substituída por uma vida cristã ritualizada e rotineira. Por fim, em alguns casos, nem o ritual sobrevive.
Quando convivemos mais de perto com alguns líderes e cristãos comuns, a decepção pode jogar um caminhão-pipa de água sobre a chama do dom. Não achamos que devem olhar para nós, porque somos falhos, mas olhamos para os outros, que não podem falhar. E mais uma vez, o fogo da fé vai se tornando um monturo de cinzas. Se vier uma tempestade, até as cinzas se vão na lama.
Paulo também podia ter experimentado o mesmo caminho. Preso, poderia ter-se perguntado se Deus mesmo o vocacionara. Preso, poderia ter-se perguntado onde foi que errou. Paulo estava preso por ordem do imperador romano. Pelo menos, é que o imperador pensava. Pelo menos era o que todos imaginavam. Paulo, não. Paulo se sabia prisioneiro de Jesus Cristo, não do imperador. Ele sabia que os poderes deste mundo são transitórios. Quando lhe faltou dinheiro para pregar o Evangelho, trabalhou com as próprias mãos, mas sabia que a escassez seria transitória. Quando foi perseguido e chicoteado, sabia que a dor seria transitória. A certeza do apóstolo é que Deus estava no controle da sua vida, por mais descontrolada que as circunstâncias a tornavam.
Paulo cria no Pai que o chamara, no Cristo que o salvara e no Espírito Santo que o preservava. Por isto, escreve, com convicção animadora: “sei em quem tenho crido” (verso 12).
E nós, em quem temos crido?
CREMOS NO PAI, QUE NOS CHAMA (2Timóteo 1.9)
Paulo cria que Deus “nos salvou e nos chamou com uma santa vocação, não em virtude das nossas obras, mas por causa da sua própria determinação e graça” (verso 9).
Por sua “determinação” (propósito), Deus nos chama para a salvação. Temos um Deus determinado a nos salvar.
Determinado é aquele jogador que perde a bola e corre atrás dela até tomá-la do adversário. Determinado é aquele zagueiro que faz um gol contra e passa todo o jogando tendo fazer um gol. Determinado é o goleiro que “fecha” o gol. Determinado é o atacante que acredita em todos os passes que lhe dão.
Deus determinou-se a nos salvar. Para fazê-lo, Ele nos chama. Todos são chamados “para pertencer a Jesus Cristo” (Romanos 1.6).
Ele nos chama DE e PARA.
Ele nos chama para sairmos DAS trevas (domínio do pecado) e DA falta de sentido (domínio do eu). E Ele nos chama PARA vivermos na Sua luz, para nos aventurarmos numa caminhada santa e para experienciarmos uma vida plena de significado.
Esta chamada não está baseada nos nossos méritos. (Como se fôssemos bons e merecêssemos ser salvos, esta visão bastante popularizada…). Antes, ela se fundamenta na vontade e na graça de Deus.
Fomos chamados para a salvação. E todos respondemos “sim” ao convite de Deus, ou estamos tendo nos salvar ou estamos satisfeitos com a vida que levamos?
CREMOS NO FILHO, QUE NOS SALVA (2Timóteo 1.9b-10)
Paulo cria que somos salvos pela graça, graça esta que “nos foi dada em Cristo Jesus desde os tempos eternos, sendo agora revelada pela manifestação de nosso Salvador, Cristo Jesus. Ele tornou inoperante a morte e trouxe à luz a vida e a imortalidade por meio do evangelho (versos 9b-10).
É a partir da chamada que se dá a salvação, recebida pela “obediência que vem pela fé” (Romanos 1.5). Não podemos reduzir a salvação a um ato de livramento, porque é mais que isto: é “todo o amplo propósito de Deus”, pelo qual ele nos justifica, nos santifica e nos glorifica: “primeiramente, perdoando as nossas ofensas e aceitando-nos como justos ao nos olhar através de Cristo; depois, transformando-nos progressivamente, pelo Seu Espírito, para sermos conforme à imagem do Seu Filho, até que finalmente nos tornemos iguais a Cristo no céu, com novos corpos, num mundo novo”. STOTT, J. Tu, porém. São Paulo: ABU, 1982.
Fique-nos claro: a salvação “nos foi dada”, isto é, foi um presente de Deus, por iniciativa de Deus. Ele tomou a iniciativa desde “os tempos eternos”, uma vez que sua onisciência (“sabe tudo’) inclui a sua presciência (“sabe tudo antes de todos”). Este presente estava escondido e poucos tiveram acessado a ele, como Abraão, por exemplo, que creu em Cristo sem O conhecer.
Desde o nascimento/morte/ressurreição/ascensão de Jesus, o presente escondido se tornou revelado, manifesto, notado. Como diz o mesmo apóstolo Paulo, “quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da Lei, a fim de redimir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos a adoção de filhos. E, porque vocês são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho ao coração de vocês, e ele clama: `Aba, Pai`. Assim, você já não é mais escravo, mas filho; e, por ser filho, Deus também o tornou herdeiro” (Gálatas 4.4-7).
Desde quando Jesus se tornou a expressão concreta da graça, a morte perdeu o seu poder. Como, se ainda continuamos morrendo? Sim, Jesus aniquilou o poder da morte, que conservou sua força apenas no aspecto biológico, porque no sentido espiritual perdeu sua validade para aqueles que aceitam a morte de Jesus em seu lugar. Esta é a notícia do Evangelho: por causa de Jesus Cristo, uma vida diferente da vida apenas biológica é possível; a imortalidade, no sentido espiritual, é possível. Sua graça é vida aqui. Sua graça nos lança na imortalidade.
CREMOS NO ESPÍRITO, QUE NOS PRESERVA (2Timóteo 1.11-18)
Graças a Deus, esta boa notícia nos foi comunicada. Paulo foi um destes comunicadores. Eis como ele se auto-apresentou:
“Deste evangelho fui constituído pregador, apóstolo e mestre. Por essa causa também sofro, mas não me envergonho, porque sei em quem tenho crido e estou bem certo de que ele é poderoso para guardar o que lhe confiei até aquele dia” (1Timóteo 1.11-12).
Do alto de sua experiência e inspiração, ele nos recomenda:
“Retenha, com fé e amor em Cristo Jesus, o modelo da sã doutrina que você ouviu de mim. Quanto ao que lhe foi confiado, guarde-o por meio do Espírito Santo que habita em nós” (1Timóteo 1.13-14).
Na Versão Revisada “o que lhe confiei” (verso 11) é “meu depósito”, dando a entender que Paulo fez um depósito diante de Deus. Na mesma versão, “o que lhe foi confiado” (verso 14) [vale dizer, confiado a Timóteo] é “o bom depósito”.
O que Paulo confiou a Deus? O que foi confiado a Timóteo e quem o confiou?
Dois outros textos paulinos nos ajudam na resposta.
O primeiro é um sermão, registrado em Atos: “Todavia, não me importo, nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se tão-somente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Senhor Jesus me confiou, de testemunhar do evangelho da graça de Deus” (Atos 20.24).
O segundo aparece em outras de suas cartas: “Vocês morreram, e agora a sua vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a sua vida, for manifestado, então vocês também serão manifestados com ele em glória” (Colossenses 3.3-4).
Fica, então, claro que o que o apóstolo confiou a Deus foi a sua vida. Então, ele proclama com esperante confiança: “eu sei que Aquele em Quem creio é poderoso para guardar a minha vida até o dia do encontro final com Jesus Cristo”.
Ah, eu quero ter uma fé assim.
O que foi confiado a Timóteo e que o confiou?
A Timóteo foi confiada a verdade do Evangelho. Aquele a Quem Paulo confiou a sua vida confiou a Timóteo a verdade do Evangelho. “O teste de toda religião não é se ela nos agrada, mas se ela é verdadeira” (Dorothy Sayers). E a verdade da religião está na vida que produz na vida dos seus seguidores.
Eis o que o apóstolo diz, então, ao seu discípulo (e a nós): “Por meio do Espírito Santo residente em você, em mim, em todos nós, guarde o bom depósito, que é o Evangelho da verdade.
Seria Timóteo poderoso para guardar este Evangelho? Somos nós poderosos para guardar o Evangelho que recebemos de Jesus? Não! O poder está no Espírito Santo, mas Timóteo é que teria que guardar o Evangelho, não o Espírito Santo.
Paulo não podia guardar a sua vida, mas Timóteo devia guardar o Evangelho..
Ele devia, e nós também, alimentar-se do Evangelho, para tirar dEle a força e a orientação para sua vida. O que precisamos nos perguntar é se, no fundo, achamos que o evangelho é tão verdadeiro que pode nos transformar mesmo merece o nosso sofrimento por ele.
Ele devia, e nós também, guardar o Evangelho diante dos ataques internos e externos, intelectuais e existenciais. O que precisamos nos perguntar é se, no fundo, achamos que o evangelho é tão verdadeiro que podemos deixar que seja negado por palavras e ações, por nós ou por outros, sem que saiamos em sua defesa.
Ele devia, e nós também, difundir o Evangelho a todos quantos pudesse alcançar, começando por sua própria casa. Porque temos crido, precisamos pregar em todo o tempo, usando todas as circunstâncias. O que precisamos nos perguntar é se, no fundo, achamos que o evangelho é tão verdadeiro que nossos amigos precisam realmente dele ou podem levar vidas boas sem Cristo..
Ele devia, e nós também, sofrer pelo Evangelho, se nisto fosse necessário. Porque temos crido, precisamos testemunhar com coragem, sem nenhuma vergonha, seja qual for o preço. O que precisamos nos perguntar é se, no fundo, achamos que o evangelho é tão verdadeiro que merece o nosso sofrimento por ele.
Em síntese, Deus é poderoso para guardar o que lhe confiamos, cabendo-nos guardar o que nos foi confiado por Ele.
Somos Fígelo e Hermogenes, ou somos Onesíforo?