Mateus 5.3: A BEM-AVENTURANÇA DA POBREZA ESPIRITUAL

A BEM-AVENTURANÇA DA POBREZA ESPIRITUAL
Mateus 5.3

Pregado em 28.8.2005, na Igreja Batista Itacuruçá, manhã e noite

A organização Alcoólicos Anônimos (AA) tem feito um trabalho notável no mundo desde que surgiu em 1935. A partir de princípios bíblicos, seus fundadores prepararam alguns passos para as pessoas que desejam alcançar a serenidade.
Inspirado nestes princípios e em sua própria experiência pessoal, John Baker, membro da equipe de pastores da Igreja de Saddleback (Califórnia, EUA), desenvolveu alguns princípios capazes de permitir a recuperação de vícios, traumas e hábitos ruins. Ele os encontrou na primeira parte do chamado Sermão da Montanha, pregado por Jesus Cristo.
Na verdade, estes princípios se aplicam a todos os que os aceitam e não apenas aqueles com dificuldades extremas.

PARTE 1
BEM-ABENTURANÇA TRIDIMENSIONAL

Ser “pobre em espírito” ou “espiritualmente pobre” é reconhecer o estado do próprio ser.
Pode parecer estranho ao ser humano a noção de que, naquilo que realmente importa, ele é pobre, por mais bens que tenha, por mais conhecimento que possua. O apóstolo Paulo nos lembra que, por causa do nosso pecado, estamos afastados da glória de Deus (Romanos 3.23). Não há glória naturalmente em nós; só quando o holofote desta glória nos ilumina. Quando aceitamos ser  iluminados por essa glória, nossos pecados são revelados e, por causa da graça jorrada em forma de sangue da cruz, não somos consumidos pelo calor desta luz, mas transformados em filhos de Deus.

A DIMENSÃO DA AUTO-PERCEPÇÃO
A primeira dimensão da bem-aventurança da pobreza de espírito é a auto-percepção de nossa condição.

1. Nós somos espiritualmente pobres quando reconhecemos que não somos capazes de nos salvar a nós mesmos. Todos os seres humanos somos espiritualmente pobres, tão pobres que sequer conseguimos tomar a iniciativa de buscar a Deus. Nossa condição era de mortos (Efésios 2.1). O profeta Ezequiel nos descreve: éramos ossos secos num vale de lama, até quando o Espírito de Deus nos tocou e nos deu vida outra fez. Quem se reconhece espiritualmente pobre se reconhece espiritualmente dependente de Deus. É como se fizesse coro ao poema de Jó:
“Saí nu do ventre de minha mãe — disto eu sei,
e nu para o coração da terra eu voltarei ” (Jó 1.21 — paráfrase minha)
Então, não posso bater no peito para proclamar a força da minha fé, mas devo abaixar a minha cabeça à espera de mais graça sobre mim. Não há força na minha fé. Só os que sabem que são fracos crêem.

2. Nós somos espiritualmente pobres quando sabemos que não vamos compreender todo o conselho de Deus, mas assim mesmo procuramos pôr em prática aquilo que sabemos e procuramos saber mais para pôr em prática mais. O livro de Apocalipse fala de um livro onde está todo o conselho de Deus; este livro só o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, pode abrir porque está selado. No entanto, Deus pede que João, sua testemunha, coma este livro; então, manda um anjo até ele, só que com um livrinho, livrinho que João possa comer. Com isto, Deus está dizendo que não dá para o ser humano comer o grande livro; é demais para o seu estômago; não passa pela sua boca. Deus sabe disso; por isto, reproduz parte do que está no grande livro, com todo o significado da vida, num pequeno livro, num vocabulário que podemos alcançar. Quando ouvimos ou quando testemunhamos não podemos, por nossa pobreza espiritual, ouvir tudo ou falar tudo. “Essa inadequação não nos incapacita. Ser incapaz de dizer tudo não significa que estamos isentos de falar o que podemos”. [PETERSON, Eugene. O trovão inverso. Rio de Janeiro: Habacuc, 2005, p. 148]

3. Nós somos espiritualmente pobres quando aceitamos integrar a comunidade escatológica dos que esperam a manifestação do poder de Deus. Sabemos que devemos lutar contra todas as formas de corrupção, miséria e violência, tanto as que nos atingem diretamente quanto as que vitimam os desprovidos de recursos para uma vida digna, mas também sabemos que esta luta é, ao mesmo tempo, humana e divina. Quando Jesus proferiu as suas bem-aventuranças, convidava seus ouvintes a integrarem esta comunidade escatológica, formada por aqueles que esperam nele, não nos reinos deste mundo sempre prometendo e nunca ofertando realizações concretas, porque o objetivo dos reinos deste mundo é enriquecer os reis. O Reino dos Céus, no entanto, é radicalmente diferente: é a morada dos que, nada tendo, sabem que o melhor é ter Deus. A comunidade dos espiritualmente pobres é formada por aqueles que estão em marcha, sabendo-se peregrinos aqui, em direção à patria celestial, onde não haverá oprimidos e opressores. Enquanto marcha, esta comunidade levanta a sua voz contra os opressores, consola dos oprimidos e estimula os que estão envolvidos na luta por um mundo melhor para si e para os outros.

4. Nós somos espiritualmente pobres quando admitimos, humildemente, que não temos o controle de todas as coisas. A paixão pelo controle nos cega. A pobreza espiritual nos liberta. A paixão pelo controle nos torna dominados pelas ideologias, que rasgam nossas cartas de liberdade. A pobreza espiritual nos torna livres diante das ideologias.
Viver sem a paixão do controle não é viver o hoje como se não fosse haver amanhã, irresponsavelmente. Mais adiante, nesse mesmo sermão, Jesus ensina que não devemos fazer o que não podemos fazer: prever o futuro, determinar os fatos, acumular pelo mede não ter, porque o pão que nos deve preocupar é o de cada dia. “Quem de vocês, por mais que se preocupe, pode acrescentar uma hora que seja à sua vida? Por que vocês se preocupam com roupas? Vejam como crescem os lírios do campo. Eles não trabalham nem tecem. Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas. Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu próprio mal” (Mateus 6.27-28, 33-34).
Os espiritualmente pobres sabem que raramente as pessoas sofrem com o presente; geralmente padecem com o medo do futuro. E esta não é a sua escolha. O controle da vida pertence a Deus.
Somos pobres de espírito quando admitimos a nossa falta de poder, quando reconhecemos que dependemos completamente de Deus, quando percebemos nossa impureza moral diante de Deus, quando nos entristecemos com nossa indignidade pessoal diante de Deus, quando descobrimos que uma vida de alegria e valor vem totalmente de Deus e de Sua graça. [Cf. PIPER, John. Blessed are the poor in spirit who mourn. Disponível em <www.desiringgod.org>. Acessado em 26.8.2]

2. A DIMENSÃO DO DESEJO
A segunda dimensão da bem-aventurança da pobreza de espírito é o desejo de ser transformado. Os espiritualmente pobres sabem que a felicidade é uma obra do Espírito Santo. A comunidade dos espiritualmente pobres é formada por aqueles que são abertos para ouvir a voz de Deus, integrar o Seu exército e marchar para a vitória sob o Seu comando.

Quem é espiritualmente pobre deseja ser diferente do que é. Definitivamente, o espiritualmente pobre não é um conformado. Ele olha para si e vê um ser amado por Deus. Então, quer ser mais espiritualmente diferente, emocionalmente diferente, materialmente diferentes, relacionalmente diferentes.
Somos diferentes espiritualmente quando vivemos na certeza da realização da promessa de Deus em nós: somos pessoas amadas por Deus e, por isto, lavadas, santificadas e justificadas “no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus” (2Coríntios 6.11). A certeza desta ação divina em nós nos enche de alegria, nunca de vergonha; gratidão, nunca de orgulho.
Somos diferentes emocionalmente quando lançamos sobre os ombros de Jesus as nossas aflições, seguros de que Ele é capaz de suprir todas as nossas necessidades (Filipenses 4.19). Fomos a Ele em resposta ao seu convite e já descobrimos que seu fardo é leve e que seu jugo é suave. Como se fossem dirigidas diretamente a nós, ouvimos sua oração: “Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e as revelaste aos pequeninos.  Sim, Pai, pois assim foi do teu agrado. Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar. Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11.25-30).
Somos diferentes materialmente quando desejamos o que precisamos, lutamos para ter o que precisamos, mas mantemos os olhos em Quem devemos fitar e não são as coisas, que são apenas isto: coisas. Não seguimos a dois senhores (às coisas e a Jesus), porque esta é uma tarefa impossível.
Somos relacionalmente diferentes quando desejamos que nossas palavras sejam sempre edificadoras, transmitindo “graça aos que a ouvem”; para tanto, queremos ser libertos pelo Espírito Santo, a quem não queremos entristecer, de “toda amargura, indignação e ira, gritaria e calúnia, bem como de toda maldade”. No fundo, pedimos a Deus que nos ajude a ser “bondosos e compassivos uns para com os outros”, perdoando-nos “mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo” (Efésios 4.29-32). É por isto que se, hipoteticamente, tivermos que escolher entre a verdade e o amor, ficaremos com o amor. E só uma pessoa espiritualmente pobre pode fazer uma escolha desta.
Somos relacionalmente diferentes quando deixamos de ser o centro, desviando-o para o Totalmente Outro ou para nosso próximo. Somos relacionalmente diferentes quando nos juntamos com outros irmãos, tão pobres como nós, para cultuar; é no culto que aprendemos somos interdependemos uns dos outros. Somos relacionalmente diferentes quando nos juntamos com outros, iguais a nós, para fazer coisas juntos, nem que seja apenas rir. Sim, as pessoas espiritualmente pobres gostam de rir.

PARTE 2
A DIMENSÃO DA RECUPERAÇÃO

Somos todos livres. Esta afirmativa precisa responder a uma pergunta: “O que temos feito de nossa liberdade?”
Sem responder a esta pergunta, podemos simplesmente trocar de senhor e continuar escravos. O homem é escravo daquilo que o domina, ensina-nos a Bíblia (2Pedro 2.19).
O ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, logo absolutamente perfeito. A partir do pecado e por causa do pecado, dos nossos primeiros pais, Adão e Eva, não somos mais perfeitos. Sabemos, por experiência própria, que cada um de nós tem uma área na vida que precisa ser recuperada.
Precisamos, por exemplo, entender a finalidade da liberdade, não é para fazer o que não queremos, mas para fazer o que queremos. Será que conseguimos? Um autor bíblico vivia o mesmo drama de cada um de nós. Escreveu ele: “Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo, mas o que odeio. (…) Neste caso, não sou mais eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim. Sei que nada de bom habita em mim, isto é, em minha carne. Porque tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo. Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo. Ora, se faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim. Assim, encontro esta lei que atua em mim: Quando quero fazer o bem, o mal está junto a mim” (Romanos 6.15-21).

Somos livres para ingerir produtos químicos, seja para apagar uma dor, seja para nos mergulhar num passageiro prazer. Somos também livres para parar de fumar, para parar de beber bebidas alcoólicas, para parar de injetar uma droga no corpo, para voltar a dormir sem a muleta de um barbitúrico, mas descobrimos que, embora desejando-o, não conseguimos.

Somos livres para consumir ou produzir pornografia. Somos também livres para parar de olhar para todo o corpo diante de nós, para não entrar mais na banca de jornal e comprar uma revista com mulheres nuas, para cancelar a assinatura de sites pornográficos, para passar adiante do canal vendido como erótico, para abandonar um bate-papo numa sala virtual (na internet), para parar de trair nosso cônjuge, mas não conseguimos parar.

Somos livres para usar as palavras como quisermos. Com ela podemos mentir, caluniar, ofender. Somos livres para parar de mentir, mas mentir dá prazer. Somos livres para parar de caluniar ou ofender, mas nos sentimos bem descontando em alguém a nossa raiva.

Somos livres para fazer do dinheiro um instrumento de alegria, mas nos deixamos dominar pelo desejo de ter mais e mais, apenas para ter. Dominados assim, podemos nos tornar reféns do desvio, da corrupção ou do roubo.

Somos livres para usar o nosso dinheiro e o nosso tempo como quisermos, inclusive nos deixando dominar pelo desejo de jogar, seja em alguma loteria ou em algum cassino (mesmo que leve o eufemístico nome de bingo), mas não conseguimos resistir à compulsão de jogar, mesmo vendo as perdas que o vicio faz acumular..

Somos livres para comer o que desejarmos, na quantidade que quisermos, mesmo que isto nos faça mal, mas não conseguimos parar diante daquele prato, diante daquele cheiro, diante daquela prazer…

Somos livres para impedir que os traumas do passado ditem o nosso presente, mas eles nos povoam não apenas como lembranças mas como se fossem destinos infugíveis.

Somos livres para desenvolver manias, mas somos fracos na hora de abandoná-las.

Nessas horas, a liberdade de sair não funciona, embora a de entrar tenha funcionado.

Nestas horas, preciso gravar bem o ensino de Jesus na primeira bem-aventurança: “Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus” (Mt 5.3). “Felizes os que sabem que são espiritualmente pobres” (Mt 5.3 — BLH). A partir desta verdade bíblica, preciso afirmar o primeiro Princípio para a recuperação: “Reconheço que não sou Deus. Admito que sou impotente para controlar minha tendência de fazer as coisas erradas e que a minha vida está fora de controle”.
Com esta afirmação, posso dar o primeiro Passo para uma vida saudável: “Admito ser impotente diante de meus vícios e comportamentos compulsivos e que minha vida se tornou ingovernável, mas aceito a verdade que Deus pode transformar minha vida”.

EU PRECISO ADMITIR A MINHA IMPOTÊNCIA
O Evangelho não aceita esta condição humana e nos anuncia a boa notícia que a transformação é possível. A recuperação é possível, não importam quais sejam os problemas, estejam eles nos campos da sexualidade, dos relacionamentos, da vida devocional, da vida financeira ou das emoções.
Quando ouvimos Jesus ensinando que são bem-aventurados os pobres de espírito, e aceitamos a verdade deste ensino, podemos começar a viver. Que bom saber que o Reino dos céus é feito de pessoas que reconhecem que são espiritualmente pobres (Mt 5.3).
Este ensino de Jesus nos permite derivar um princípio para uma vida saudável: “Reconheço que não sou Deus. Admito que sou impotente para controlar minha tendência de fazer as coisas erradas e que a minha vida está fora de controle” (Princípio 1). Este princípio deve gerar um passo essencial: “Admito ser impotente diante de meus vícios e comportamentos compulsivos e que minha vida se tornou ingovernável, mas aceito a verdade que Deus pode transformar minha vida” (Passo 1).
A oração de quem aceita este principio e quer dar o primeiro passo deve ser a que o teólogo norte-americano Reinhold Niebuhr (1892-1971) escreveu no século passado:

“Deus, conceda-me a serenidade
para aceitar aqui que não posso mudar;
a coragem para mudar o que me for possível
e a sabedoria para saber discernir entre as duas.
Vivendo um dia de cada vez,
apreciando um momento de cada vez,
recebendo as dificuldades como um caminho para a paz,
aceitando este mundo cheio de pecados como ele é,
assim como fez Jesus,
e não como gostaria que ele fosse,
confiando que o Senhor fará tudo dar certo
se eu me entregar à Sua vontade,
pois assim poderei ser razoavelmente feliz nesta vida
e supremamente feliz ao Seu lado na outra. Amém”.
(Reinhold Niebuhr)

Como viver este princípio? Como dar o primeiro passo? Eis algumas decisões a serem tomadas:

1. Pare de negar que sua vida está afetada por um sério problema.
Um provérbio etíope ensina que “uma doença que não se conhece não pode ser curada”. O profeta Jeremias condena os profetas e sacerdotes do seu tempo nos seguintes termos: “Eles tratam da ferida do meu povo como se não fosse grave. ‘Paz, paz’, dizem, quando não há paz alguma” (Jeremias 6.14). Em outras palavras, como anota outra versão: “É impossível curar uma ferida dizendo que ela não existe”.
A primeira decisão de quem quer viver saudavelmente é parar de negar que a sua vida está sendo afetada por um sério problema, seja um trauma, um vício, um hábito ruim.
Recusar a realidade faz muito mal à saúde e impede a mudança. Por medo, muitos negam a realidade. Ao fazerem assim, pensam que serão mais bem aceitos pelos outros. Com isto, causam danos terríveis aos seus sentimentos e aumentam a própria dor, na falsa convicção de que a negação nos protege da dor, quando, na verdade, esta atitude “permite que a dor se espalhe e cresça, transformando-se em vergonha e culpa. [BAKER, John. Trocando a negação pela graça de Deus. São José dos Campos: Propósitos, 2004, p. 15] Ao contrário, “entender e  sentir nossos sentimentos é o caminho para encontrar a liberdade” [BAKER, John. Trocando a negação pela graça de Deus, p. 13] A recusa à realidade também nos faz desperdiçar energia, para alegria das mágoas do passado e para tristeza do futuro. Esta atitude impede o crescimento pessoal. “Somos tão doentes quanto os segredos que escondemos”, porque “não podemos progredir em nossa recuperação até estarmos prontos para sairmos de nossa negação e entrarmos na verdade”. [BAKER, John. Trocando a negação pela graça de Deus…, p. 14]
Agindo assim, ficamos inimigos de Deus e amigos da mentira, que nos mantém no fundo da escuridão. No entanto, quando aceitamos a realidade, podemos clamar por socorro ao Senhor, que nos livra (Salmo 107.13). Precisamos vir para a luz de Deus. Afinal, “esta é a mensagem que dele ouvimos [de Jesus Cristo] e transmitimos a vocês: Deus é luz; nele não há treva alguma. Se afirmarmos que temos comunhão com ele, mas andamos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado. Se afirmarmos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça. Se afirmarmos que não temos cometido pecado, fazemos de Deus um mentiroso, e a sua palavra não está em nós” (1João 1.5-7). Venha para a luz. Esta decisão é decisiva, pelas avenidas que abre.

2. Confesse que sua vida está fora de controle.
A segunda decisão é confessar que a sua vida está fora de controle. Você tem tentado se livrar dos ladrões de sua serenidade, mas eles entram. Você tranca a porta, eles entram pela janela. Você fecha a janela, eles sobem pelo telhado. Você blinda a sua casa, eles rendem você do lado de fora e entram com você como refém. Não tem jeito. Sua vida está fora de controle. Você pode lamentar como o salmista: “Incontáveis problemas me cercam, as minhas culpas me alcançaram e já não consigo ver. Mais numerosos são que os cabelos da minha cabeça, e o meu coração perdeu o ânimo” (Salmo 40.12).
Como ensinou Jesus, você é pobre para controlar sua vida. Seja honesto. Não tenho medo de admitir a sua dificuldade para fazer o que é bom e certo. Ao longo de sua tragédia, você tem dito que conseguirá superar o problema. Seja sincero: tem conseguido?
Reconheça que você já não consegue vender uma boa imagem a seu respeito. Você pode não admitir, mas as pessoas vêem você cambalear, sentem o cheiro do álcool ou do cigarro no seu hálito. Pare de tentar esconder a sua real e triste condição. Quem ama você não vai amá-lo menos. Não caia no conto de afirmar que sairá dessa quando quiser. Todos os que estão chafurdados nas trevas dizem a mesma coisa, e o máximo que conseguem é afundar ainda mais. Davi aprendeu isto com dificuldade: “Enquanto eu mantinha escondidos os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer. (…) Minhas forças foram-se esgotando como em tempo de seca” (Salmo 32.3-4). Pare de gemer: decida reconhecer que sua vida está fora de controle.

3. Admita sua impotência para sair sozinho do seu problema
Reconhecer-se espiritualmente pobre é reconhecer-se pobre para sair sozinho da dificuldade. Nesta decisão nosso maior inimigo é o orgulho. A Bíblia nos mostra a sua inutilidade: “Quando vem o orgulho, chega a desgraça, mas a sabedoria está com os humildes” (Provérbios 11.2). “O orgulho vem antes da destruição; o espírito altivo, antes da queda” (Provérbios 16.18). “O orgulho do homem o humilha, mas o de espírito humilde obtém honra” (Provérbios 29.23).
Que mal há em buscar ajuda?
Deixe de lado a preservação da sua imagem. Sua imagem não lhe dá saúde. Enquanto você luta para preservar sua imagem, sua vida vai sendo destruída, com muita dor. Recupere a sua saúde, mesmo que sua imagem saia arranhada no processo de recuperação.

4. Reconheça que não é Deus
Reconhecer-se espiritualmente pobre é ter a consciência de que não se é Deus. Parece exagero, mas ainda construímos torres, como a de Babel, para sermos iguais a Deus. Eis o que somos: pecadores, mas pecadores amados por Deus. Não sabemos de tudo, acerca da vida, acerca dos outros, acerca de nós mesmo; não somos oniscientes, mas Deus é. Não podemos fazer o que desejamos, não podemos fazer outros fazerem o que é certo, não pudemos mudar as coisas; não somos onipotentes, mas Deus é. Não podemos amar a todos e, às vezes, nem a nós mesmos, mas Deus ama a todos.
Seja você mesmo e deixe Deus ser o que Ele é. Você não faz milagres, mas Ele faz. Para você há muitos impossíveis, mas para Deus não há nenhum.
Aprenda que Deus faz a parte dEle no processo de recuperação. Procure fazer a sua. Ele não fará a parte que cabe ao ser humano. “Esperar que Deus faça tudo enquanto nós não fazemos nada não é fé, é superstição.” (Martin Luther King Jr) Lembre-se que, nesta luta por uma vida nova, “há dois papéis: o de Deus e o nosso. Temos tentado fazer o papel de Deus, mas não podemos. Por outro lado, Deus não fará a nossa parte. Precisamos `arregaçar as mangas’ e agir. É necessário admitir que não somos Deus e que nossas vidas estão fora de controle sem Ele. E, então, quando finalmente tivermos esvaziado a nós mesmos, Deus terá lugar para e entrar e começar Seu trabalho de cura”. [BAKER, John. Celebrando a recuperação; guia do líder. São José dos Campos: Propósitos, 2004, p. 48.]

EU PRECISO CONVIDAR A DEUS PARA ME TRANSFORMAR
Deus ama você e quer para você uma vida com qualidade. Ele enviou Seu Filho ao mundo para que todos aqueles que crêem nEle tenham vida eterna, no futuro e desde agora. Seu planejamento estratégico para cada um de nós é que tenhamos vida em transbordância (João 10.10b).
Para tornar efetivo este convite, você precisa tomar três decisões.

1. Reconheça a existência de Deus
A idéia de que o mundo está à deriva vem da recusa que há um Deus Criador e Senhor do universo, e isso inclui a cada um de nós. O ateísmo filosófico ainda tem poucos adeptos no Brasil, mas o ateísmo prático, aquele que vive como se Deus não existisse, torna-se uma prática cada vez mais disseminada; por isto, é muito mais perigoso. Até cristãos pode cair nesta teia.
Nossas vidas não estão à deriva. Há um Deus que está no controle das nossas histórias.
A existência de Deus é uma exigência racional: o acaso não é suficiente para explicar a grandeza do universo ou a complexidade do ser humano. “Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos. (…) Sua voz ressoa por toda a terra, e as suas palavras, até os confins do mundo” (Salmo 19.1 e 4). Na verdade, “desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas” (Romanos 1.20).
A existência de Deus é uma exigência relacional: fomos feitos à imagem dEle para nos relacionarmos com Ele; por isto, só quando nos relacionamos com Ele é que somos autenticamente humanos.

2. Aceite que é amado por Deus
Deus amou o mundo (e isto inclui você) de tal maneira que entregou o seu único filho para morrer em nosso lugar (isto é: em seu lugar também). Ele nos ama com amor eterno e por isto nos atrai com benignidade (Jeremias 31.3).
“Nós somos tão preciosamente amados de Deus que não podemos sequer compreender isto. Nenhum ser criado pode saber o quanto Deus doce e ternamente o ama” (Juliana de Norwich). O amor de Deus não pode ser compreendido mas pode ser vivido.
Mesmo que tenhamos voluntariamente nos afastado dEle, mesmo que achemos que nada pode fazer para nos resgatar, Ele nos puxa com cordas. Você veio hoje aqui por causa deste amor. Ele espera por você. “Um homem consegue manter sua sanidade mental e sobreviver contanto que exista pelo menos uma pessoa esperando por ele”. [NOUWEN, Henri. O sofrimento que cura. São Paulo; Paulinas, 2001, p. 100.]  Ele espera que você aceite o Seu amor.
Este amor se expressa em graça. A força para a mudança vem do poder da graça de Deus. Graças a esta graça, concebida na lógica do amor, os espiritualmente pobres vencem. Sem ela, estão condenados a perder. Com ela, somos fortes quando estamos fracos. Esta graça se tornou viva a partir de Jesus Cristo, em Quem devemos crer. A fé nos faz viver. A incredulidade nos faz morrer. Esta “graça é infinitamente maior do que podemos imaginar. Tudo foi antecipadamente cumprido por Jesus. À medida que conhecemos o que há de mau em nosso coração, valorizamos ainda mais o que Ele fez por nós. À medida que tomamos consciência de nossa miséria, percebemos que Ele respondeu por antecipação com seu sacrifício”. Jesus Cristo, onde está o verdadeiro remédio para todos os males, “é o único que responde à angústia profunda que ocultamos sob nossas reações aparentes. Por Ele podemos aceitar essa fraqueza e superá-la”. [TOURNIER, Paul. Os fortes e os fracos. São Paulo: ABU, 1999, p. 270 e 272.]

3. Peça ajuda a Deus
A Bíblia diz nos tornamos livres quando nos tornamos discípulos de Jesus. O discípulo é aquele que se deixa conduzir pelo mestre. Quando Ele convida para quem venham a Ele todos os cansados e oprimidos, os discípulos se aproximam para descansar.
Tem sido dura e dolorosa a sua luta. É hora de confiar em Deus. Ele jamais desampara os que buscam confiantemente por Ele (Salmo 9.10). Confiar é ter a íntima convicção de que o Pai nos quer de volta. [NOUWEN, Henri. A volta do filho pródigo. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 93]
Ele quer você de volta, na casa dele, não casa do vício, do trauma, do hábito ruim. Quando você se reconhece espiritualmente pobre, você começa a trilhar o caminho de volta para a casa.
Deus o abençoe nesta jornada.

Ore.
Senhor Deus, estou cansado, cansado de sofrer com meus traumas, meus vícios e meus hábitos ruins. Diante de ti, reconheço que preciso admitir que perdi o controle sobre a minha vida. Então, entrego a ti o controle da minha vida.  Tentei, mas não consigo recuperar a alegria perdida, a dignidade perdida. Desisto de tentar por mim mesmo e quero a tua companhia. Ensina-me, Pai, o caminho da verdade e me ajude a ficar firme neste caminho na minha jornada de recuperação. Eu quero minha vida de volta. Eu clamo a ti por socorro. Eis o que, em nome de Jesus, eu te peço. Amém.