Êxodo 20.16: NÃO DIRÁS FALSO TESTEMUNHO

NÃO DIRÁS FALSO TESTEMUNHO

Êxodo 20.16

INTRODUÇÃO
Todo o sistema judicial hebreu era baseado no testemunho. Todas as provas eram colhidas a partir das falas das testemunhas (cf. Deuteronômio 19.15-21). Uma palavra podia salvar ou condenar, à morte até.
Mais que isto, o cuidado na palavra decorre também da sua importância. O mundo natural foi feito pela Palavra… de Deus. O mundo foi criado por Jesus, Palavra encarnada de Deus. O mundo da cultura e da convivência é construído pelas nossas palavras, que produzem diferença e indiferença, calor e distância, vida e morte.
Todos precisamos falar, porque não sabemos viver sem falar. Nós nos constituímos falando. Uma palavra (um nome) nos identifica. Uma palavra nos abate. Uma palavra nos levanta. Uma palavra povoe nossos lábios de riso. Uma palavra sulca os nossos olhos com lágrimas. Porque precisamos falar, precisamos aprender a controlar a fala, para não sermos controlados por ela.
O nono mandamento nos ajuda nesta difícil jornada.

1. A DIMENSÃO JUDICIAL
A expressão “falso testemunho” evoca diretamente a mentira num julgamento. Até hoje o testemunho falso é condenado. Num tribunal, as testemunhas são obrigadas a dizer a verdade, tão somente a verdade, para que se produz a justiça.
Já no período do antigo Israel, uma pessoa que testemunhasse falsamente contra outra devia ser punida com a pena que o injustamente acusado deveria receber. (Se uma testemunha falsa quiser acusar um homem de algum crime, os dois envolvidos na questão deverão apresentar-se ao Senhor, diante dos sacerdotes e juízes que estiverem exercendo o cargo naquela ocasião. Os juízes investigarão o caso e, se ficar provado que a testemunha mentiu e deu falso testemunho contra o seu próximo, dêem-lhe a punição que ele planejava para o seu irmão  — Deuteronômio 19.16-19). O ideal bíblico é transparente: A testemunha sincera não engana, mas a falsa transborda em mentiras (Provérbios 14.5).
Se algum de nós tiver que ir a juízo deve se lembrar das instruções divinas: Não levantarás falso boato, e não pactuarás com o ímpio, para seres testemunha injusta (Êxodo 23.1). Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem numa demanda darás testemunho, acompanhando a maioria, para perverteres a justiça (Êxodo 23.2). Afinal, a testemunha que fala a verdade salva vidas, mas a testemunha falsa é enganosa (Provérbios 14.25).
O código penal brasileiro (Artigo 342) pune com um a três anos de reclusão e multa aquele que fizer “afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha em processo judicial ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral”.

O significado de falso testemunho pode ser ampliado além de sua dimensão judicial.

3. A MENTIRA
É falso testemunho mentir, para prejudicar alguém.
Vi, recentemente, num programa de televisão (não sei se verdadeiro ou mentiroso…), as conseqüências da mentira. Uma jovem confessou à sua mãe uma mentira. Há alguns anos sumira uma jóia na casa. A moça a pegara para beneficiar uma amiga em dificuldade mas disse que fora a empregada que a roubara. A empregada foi demitida. À mãe só coube desesperar-se pela injustiça que praticara e que agora não podia mais reparar.
Todos nós conhecemos histórias deste tipo, com conseqüências mais ou menos trágicas..

É falso testemunho mentir, para se autopreservar ou para parecer aquilo que não se é.
Um erro cometido não pode ser escondido por uma mentira. A mentira não redime. Só a confissão pode trazer a cura para a mentira.
Jesus Cristo radicaliza contra os mentirosos: eles têm um pai, o Diabo, e querem realizar o desejo dele. O Diabo foi homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira (João 8.44-45). Por isto, o nosso “sim” deve ser “sim” e o nosso não deve ser não; o que passar disso vem do Maligno (Mateus 5.37).
Diante da mentira, a recomendação bíblica é sempre muito clara: Cada um de vocês deve abandonar a mentira e falar a verdade ao seu próximo, pois todos somos membros de um mesmo corpo (Efésios 4.25).

4. O JULGAMENTO INDEVIDO
É falso testemunho emitir julgamento indevido contra alguém
Ouçamos o que diz Jesus: Não julguem, para que vocês não sejam julgados.
Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês. Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão, e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho?
Como você pode dizer ao seu irmão: ‘Deixe-me tirar o cisco do seu olho’, quando há uma viga no seu? Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão (Mateus 7.1-5)

Notemos que Jesus não nos disse para não julgar, porque isto é impossível, mas que primeiro nos julgássemos a nós mesmos. “Cristo não nos impôs a abstenção de jamais julgarmos”. O que Ele pede é que devemos nos julgar a nós mesmos antes de julgar os outros. “Reconhecendo a malignidade potencial dos julgamentos morais, Ele nos instruiu não para que nos abstivéssemos em qualquer circunstância de os emitir, mas para que nos purifiquemos antes de os emitir. Aqui é onde os malignos fracassam. É a autocrítica o que eles evitam”. (PECK, M. Scott. O  povo da mentira. Rio de Janeiro: Imago, 1992, p. 309).
Só devemos julgar se for para curar. Fora disto, todo julgamento é filho do ressentimento, todo julgamento é indevido, todo julgamento é falso testemunho. “Se for a de aumentar a nossa auto-estima, o nosso orgulho, então o propósito [do julgamento] está errado” (PECK, M. Scott, op. cit., p. 309). Desejar curar é viver a graça de Deus.

5. A INFORMAÇÃO SOBRE A VIDA ALHEIA
É falso testemunho criar ou repetir informação sobre alguém sem o cuidado do amor.
Uma das expressões mais eloqüentes do falso testemunho é a fofoca, essa filha da arrogância, que se traduz em termos de informação irresponsável sobre alguém, do dito maldoso, do disse-me-disse irrefletido, do comentário em segredo sobre alguém, da intromissão descaridosa na vida de alguém.
Numa igreja local, a fofoca é o pecado que mais danos provoca. Somos criativos nesta arte. Somos capazes até de cometer o sacrilégio de usar a oração para informar, como quem não queremos nada, sobre as vidas dos outros. Já na igreja de Tessalônica (2Tessalonicenses 3.11) o mal rondava a comunidade.
Na cultura de massa contemporânea, fofoca vende revistas aos milhares e dá uma boa audiência a programas de televisão. E a razão do sucesso é muito simples: as pessoas têm prazer em saber coisas acerca das vidas das pessoas, principalmente se tiveram alguma fama, mesmo que fabricada para o circuito da fofoca. Em resumo: há revistas e programas de fofocas porque há quem os consuma. A maldade foi transformada em passatempo.
Nas relações pessoas, há a fofoca ativa e a fofoca passiva. Quem faz fofoca testemunha falsamente. De igual modo, quem ouve fofoca, quem dá ouvido a maledicências, também testemunha falsamente. O ímpio dá atenção aos lábios maus; o mentiroso dá ouvidos à língua destruidora (Provérbios 17.4). Não haveria lábios maledicentes se não houvesse ouvidos maledicentes. Ambos se comportam mau. Ambos amaldiçoam. Como um pedaço de pau, uma espada ou uma flecha aguda é o que dá falso testemunho contra o seu próximo (Provérbios 25.18).

Na verdade, falar mal do outro ou sentir prazer em ouvir o que se fala de mal do outro tem a ver com o mandamento anterior: “não furtarás”. A maledicência é uma espécie de furto da reputação alheia.

6. O PROBLEMA ESTÁ NO CORAÇÃO
Diz o provérbio sagrado que há seis coisas que o Senhor odeia, sete coisas que ele detesta: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, coração que traça planos perversos, pés que se apressam para fazer o mal, a testemunha falsa que espalha mentiras e aquele que provoca discórdia entre irmãos (Provérbios 6.16-19).
Antes que venha a pergunta se o que Deus abomina são seis ou sete práticas humanas, é preciso lembrar que o recurso da literatura hebraica indica a lista não é exaustiva; estas sal algumas coisas das quais Deus não se agrada, mas há outras, muitas outras.
Esta lista de Provérbios trata, como os Dez Mandamentos, das manifestações do coração. Todas as regras do Pentateuco e do Antigo Testamento em geral, especialmente aquelas voltadas para o próximo, são para controlar as ações do coração humano. No entanto, não há regra que impeça o surgimento do mal. Quando Deus nos adverte para não dizer falso testemunho contra o próximo, está nos ensinando a evitar as conseqüências do mal, que foi gerado dentro de nós.
Em outras palavras, a língua é o instrumento pelo qual se aplica a pena de morte, mas a sentença foi proferida no coração. Jesus sabia disso. Por isto, Ele sempre pôs o foco da maldade onde o foco está: no coração. É dali que partem as nossas decisões, tanto o de fazer o bem quanto o de fazer o mal. Eis o que ele ensinou, com a dureza da Sua ternura:
Raça de víboras, como podem vocês, que são maus, dizer coisas boas?
Pois a boca fala do que está cheio o coração. O homem bom do seu bom tesouro tira coisas boas, e o homem mau do seu mau tesouro tira coisas más.
Mas eu lhes digo que, no dia do juízo, os homens haverão de dar conta de toda palavra inútil que tiverem falado. Pois por suas palavras vocês serão absolvidos, e por suas palavras serão condenados (Mateus 12.34-37).
Não devemos nos preocupar, portanto, com a língua do maledicente, mas com o coração dele.

Como está o seu coração? Como estão os nossos corações?
Deixemos o Espírito Santo sondá-lo.
Façamos do nosso coração um “agradável lugar de abrigo” (M. Scott Peck) para o outro.
Continuemos em combate contra a nossa capacidade de produzir o mal.

Perdoemos aquele que proferiu falso testemunho contra você. Perdoemos quem fofocou contra nós.
Peçamos perdão àquele contra quem proferimos uma palavra inadequada, ofensiva ou não, mesmo que verdadeira.

Em todo este desejo, sigamos as orientações apostólicas: Abandonem todas estas coisas: ira, indignação, maldade, maledicência e linguagem indecente no falar. Não mintam uns aos outros, visto que vocês já se despiram do velho homem  com suas práticas e se revestiram do novo, o qual está sendo renovado em conhecimento, à imagem do seu Criador. Que a paz de Cristo seja o juiz em seu coração, visto que vocês foram chamados para viver em paz, como membros de um só corpo. E sejam agradecidos (Colossenses 3.8-10,15).

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