VIDEIRAS FRUTÍFERAS
Salmo 128
1. INTRODUÇÃO
A uva é um dos frutos mais deliciosos da terra. Este fruto pode ser branco, verde, amarelo, rosado, vermelho ou azulado, de acordo com a sua variedade. Há mais de 10 mil variedades de uvas. Dela se extrai um suco, que pode ser tomado como refresco ou como vinho, se for fermentado. Pode ser simplesmente chupado suavemente.
A uva nasce em videiras, que podem ser cultivadas amplamente, formando vinhedos, que podem durar até 150 anos. Desde cedo, a uva faz parte das civilizações, especialmente da européia, por causa do clima. Na Bíblia, a uva é mencionada pela primeira vez no contexto da vida de Noé (Gênesis 9.20).
Na Palestina, era um dos produtos mais importantes, Todos nos lembramos dos cachos trazidos pelos espiões enviados por Moisés à Canaã (Números 13.23). Os vinhedos de Escol (Números 13.23), En-gedi (Cântico dos Cânticos 1.14), Sibma. Hesbom, Eleale (Isaías 16.8-10; Jeremias 48.32,34) e Helbom (Ezequiel 27.18) são celebrados em prosa e verso no texto bíblico. A terra prometida a Israel é uma terra de videiras e figueiras (Deuteronômio 8.8).
O cultivo da videira demanda cuidado constante, para que o fruto não se degenere. Ao longo do Antigo Testamento, há várias referências a estes cuidados (Provérbios 24.30-31; Levitico 25.3,4; Isaías 5:6; Sofonias 2.15; Salmo 80.13). Ter uma videira e uma figueira (1Reis 4.25; Miquéias 4.4; Zacarias 3.10) era sinal de paz e prosperidade. Por isto, plantar vinhas e tomar do seu fruto é sinônimo de progresso e esperança no futuro (2Reis 19.9; Salmo 107.37; Isaías 37.30; 65.21; Jeremias 31.5 e 35.7; Ezequiel 28.26; Amós 9.14); logo, plantar e não comer era sinônimo de desgraça (Deuteronômio 20.6; 1Coríntios 9.7). O fracasso no cultivo de uma videira era evidência da ira de Deus (Salmo 78.47; Jeremias 8.13; Joel 1.7). Israel é uma videira (Isaías 5.1-5). A igreja é uma videira. Três das parábolas de Jesus estão relacionadas a vinhas (Mateus 20 e 21). O vinho foi transformado num dos mais caros símbolos da fé cristã (João 15). [Cf. MASTERMAN, E. W. G. Vine. Em: International Standard Bible Encyclopedia. Disponível em <http://www.reference-guides.com/isbe/V/VINE>. Acessado em 13.11.2004.]
É por isto que uma boa esposa é comparada a uma videira frutifera.
No contexto da época, o salmo 128 eleva a mulher. Por esse mesmo tempo, Aristóteles dizia que a mulher era inferior ao homem por natureza. Na Grécia antiga, as mulheres casadas eram mantidas reclusas num compartimento da casa e não podia aparecer em público, especialmente quando o marido recebesse alguém. Ela não participava da vida intelectual grega. Demóstenes chegou a dizer que os gregos tinham garotas de programa e concubinas para o prazer, e esposas para gerar filhos e manterem os lares. [PINTO, Carlos Oswaldo Cardoso. Subsídios bíblico-históricos para uma teologia paulina da mulher. Em: REGA, Lourenço S., org. Paulo. São Paulo: Vida, 2004, p. 141.]
Diferentemente, o salmo 128 exalta a mulher-esposa como uma videira frutífera. Como traduzir esta imagem do mundo rural antigo, como o de Israel, para um mundo urbanizado, como o nosso?
2. VIDEIRA QUE DEUS PLANTA
Se olhamos para a ordem da criação, lemos que a mulher foi criada já como esposa. Fica bem claro a igualdade.
Então, o Senhor Deus declarou:
— Não é bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe corresponda.
(…) Então, o Senhor Deus fez o homem cair em profundo sono e, enquanto este dormia, tirou-lhe uma das costelas, fechando o lugar com carne. Com a costela que havia tirado do homem, o Senhor Deus fez uma mulher e a levou até ele. Disse então o homem:
— Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada mulher, porque do homem foi tirada.
— Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne.
(Gênesis 2.18, 21-24)
O ser humano masculino é fruto de uma necessidade: alguém para governar a terra. O ser humano feminino é fruto também de uma necessidade: alguém que, tendo a mesma dignidade biológica, psicológica, moral e espiritual do ser humano masculino, governasse junto com ele a terra.
Depois, veio o pecado e alterou a ordem da criação, na qual homem e mulher são iguais. Estão diante um do outro e um ao lado do outro, para uma missão, sim, com uma missão porque viver é ter uma missão.
Quando o poeta compara uma esposa a uma videira frutífera, está retomando o desejo nascido no coração de Deus. A mulher pode ser pensada como uma videira que Deus planta, com uma missão: alimentar com seu fruto o homem-esposo, e, por extensão, o ser humano. De igual modo, o homem pode ser pensado como o tronco necessário nascido para uma missão: servir de suporte para que a videira cresça. Em certo sentido, homem e mulher se bastam a si mesmos, e seria um equívoco ficar só nesta perspectiva, porque ambos têm uma missão: a vida conjugal é para abençoar outras vidas.
Sim, podemos pensar na mulher como uma videira que Deus planta. Com liberdade, a oração de outro poeta, aplicado ao povo de Israel, pode ser singularizado para a mulher: Volta-te para nós, o Deus dos Exércitos! Dos altos céus olha e vê! Toma conta desta videira, da raiz que a tua mão direita plantou! (Salmo 80.14-15a).
A valorização da mulher chega ao seu clímax no Novo Testamento. Uma situação o ilustra bem: a lei judaica estabelecia padrões diferentes para a concessão do divórcio a homens e mulheres. Para o homem, qualquer razão era uma razão. Para as mulheres, não havia razão alguma. Jesus, que tinha discípulos e discípulas, deixou bem claro que o casamento devia ser, como preconizava a lei, indissolúvel para maridos e esposas, não apenas para as esposas (Marcos 10.1-12). O texto é tomado para outras discussões, esquecida a intenção de Jesus: igualitarizar homens e mulheres. Se a lei era aquela, devia ser para todos, não apenas para as mulheres, como fica claro também no episódio da mulher chamada adúltera (João 8), que até poderia ser punida se os que adulteraram com ela também o fossem.
Escrevendo aos Gálatas, o apóstolo Paulo, injustamente acusado de ser misógino, isto é, de ser hostil às mulheres, põe a igualdade no seu patamar mais elevado: Todos vocês são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus, pois os que em Cristo foram batizados, de Cristo se revestiram. Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus.(Gálatas 3.26-28) Homens e mulheres são iguais diante de Deus e igualmente “capazes de ocupar qualquer posição na igreja para a qual Deus chama e o Espírito Santo habilita”. [PLAMPIN, Carolyn G. Paulo e a mulher na igreja. Em: REGA, Lourenço S., org. Paulo. São Paulo: Vida, 2004, p. 199.]
A mulher é tão valorizada pelo cristianismo, essencialmente uma religião feminina desde os primórdios e até agora, que a Bíblia a emprega como símbolo (esposa, noiva) para a igreja. Jesus é o noivo (ou esposo). A igreja é a noiva (ou esposo). O convite escatológico soa eloqüente: Regozijemo-nos! Vamos alegrar-nos e dar-lhe glória! Pois chegou a hora do casamento do Cordeiro, e a sua noiva já se aprontou. (Apocalipse 19.7; cf. Apocalipse 21.9; Apocalipse 22.17)
Não há, portanto lugar, para pensamentos e atitudes que confinem as mulheres a papéis secundários na vida. Se ela é exaltada no céu, por que não a exaltarmos aqui?
3. PARA SER VIDEIRA QUE FRUTIFICA
As mulheres são videiras e devem ser videiras frutíferas.
No caminho da frutificação, há dificuldades, porque uma vida boa é sempre resultado de lutas boas.
Há leis ruins a serem enfrentadas. Há problemas na saúde a serem superados. Há dores nos relacionamentos a serem vencidas.
3.1. Não desista: persista.
Para ser frutífera, a mulher precisa ser persistente.
A primeira tendência, chegadas as dificuldades, é a da desistência.
Mulher, você é videira plantada por Deus. E ele cuida de sua videira. Você não está sozinha na luta da sua vida.
Não importa qual o seu problema. Não importa o quanto se sinta só. Não importa o quanto se ache incapaz. O seu problema é também do grande Viticultor, que cuida de sua vinha. Você nunca está sozinha; seu projeto para sua vida e para sua casa é o projeto de Deus. Quando Deus fez você, o homem estava sozinho e sozinho estava até ser tornado seu marido. Não há situação que não possa ser contornada.
Se você desanimar, nada vai acontecer. Se você se afundar na dúvida, a única certeza será o pior.
Ao marido, o que se pede é que o seu comportamento não seja fator de desanimo para sua esposa. Se as dificuldades são comuns, faça tudo o que estiver ao seu alcance para que os votos de você fez um dia continuem buscados. Se sua esposa tem dificuldades pessoais, de saúde física ou emocional, não a deixe sozinha. Não deixe que ela desista. Se por nenhuma razão, esta: o bem dela é o seu.
Filho, aceite como legítima a preocupação da sua mãe. Um acidente de carro em 2004, na Tijuca, é o retrato de como os filhos devem considerar as preocupações dos seus pais. A jovem, de 20 anos, saiu na noite para se divertir… com amigos. Em casa, pelo telefone, a mãe monitorava. Lá pelas três da manhã, a mãe disse:
— Filha, está tarde. Volte para casa.
— Ah, mãe, daqui a pouco eu vou.
Passavam das cinco horas da manhã, quando ela e os amigos se puseram a voltar. No meio do caminho, houve uma tentativa de assalto. O motorista acelerou e foi perseguido. Avançou um sinal, bateu contra outro carro. O motorista morreu na hora. A menina, esperada em casa pelo pai e pela mãe, que estava acordada, ficou em coma uma semana e morreu. Era a filha única.
Mulher, se você não quer desistir, torne-se uma pessoa de oração. Leve os seus projetos a Deus. Leve os seus problemas a Deus. Leve os seus rancores a Deus. Um marido pode oprimir a sua esposa, mas não pode impedir que ela ore. Um marido pode impedir que sua mulher participe da vida da igreja, mas não tem como impedir que seja uma mulher de oração.
Você quer ser uma pessoa de oração? Procure a companhia dos que oram, tanto na vida real, quanto nas páginas da Bíblia Sagrada. Loide e Eunice tiveram vidas duras, mas, pela oração, se tornaram exemplos de pessoas felizes.
Seja uma mulher de oração. A videira precisa estar ligada na fonte. Se você for uma videira ligada na fonte, seu marido e seu filho vão encontrar descanso você. Você será um porto seguro para a hora da tempestade.
3.2. Não aja movida pelo rancor: seja diferente de quem a aborrece.
Para ser frutífera, a mulher precisa conjugar o verbo amar por toda a vida.
Quando somos atingidos pelos maus, tendemos a nos comportar como eles. Precisamos evitar este caminho.
Maridos cruéis produzem mulheres cruéis, porque os maridos são cruéis e porque as mulheres querem se igualar a eles em crueldade. Maridos egoístas produzem mulheres egoístas, quando as mulheres querem devolver o egoísmo com egoísmo. Maridos infieis são vingados por mulheres infieis, que encontram na vingança a sua triste recompensa.
Não deve haver igualdade no mal. O mal não é para ser imitado, só o bem.
Muitas vezes o rancor pode advir de impressões erradas. Um exemplo é a história de Mical e Davi (2Samuel 6; cf. 1Crônicas 15.29). O relacionamento dos dois começou numa circunstância bem adversa. O pai de Mical, Saul, buscava tirar injustamente a vida de Davi. Ela o livrou de cair nas mãos de Saul. Um pouco tempo depois, Davi se casou com Mical. O ambiente era de guerra, interna e externa. Davi conseguiu se firmar como rei de Israel, pacificou Jerusalém e saiu para buscar a arca da aliança, que estava fora dos termos de Israel. Com o apoio dos seus guerreiros, Davi entrou de novo na cidade que tornara a sede do seu governo. Vinha entre o povo, cantando e dançando entre o povo. De uma janela do palácio, sua esposa Mical, que há muito esperava a volta do esposo, envolvida na política e na guerra, observava toda a cena. Feliz da vida, Davi entrou em casa para abençoar sua família, mas Mical, triste pela saudade e ferida por não se achar a prioridade na vida do marido, interpretou o que viu de outra forma: ela achou que Davi estava se comportando levianamente por cantar e dançar na rua. Seu amor por Davi acabou ali. O de Davi também. O casamento terminou ali.
Mulher, não se torne igual ao mal que você condena. Pague o mal com o bem e deixe o resultado nas mãos de Deus. Se seu marido age mal com você, não aja do mesmo modo com ele. Não seja igual a ele.
Marido, faça uma revisão do seu comportamento como esposo. Veja se não está sendo cruel, na administração do tempo, na administração do dinheiro, na dedicação, na entrega.
Marido, faça uma revisão sincera. Se você está sendo infiel, pare com esta vida. Você foi feito para a fidelidade e para o companheirismo.
Marido, faça uma revisão das suas atitudes. Se você acha que sua esposa aje mau com você, enfrente a situação. Seja líder nesta hora, para que os dois possam continuar a caminhar juntos.
Filho, ame sua mãe. Demonstre este amor por sua mãe, porque amor que não se demonstra não é amor (Shakespeare).
Mulher, se você anda esgotada emocionalmente, lembre-se que foi feita para ser videira frutífera. A vida da videira não é apenas produzir uvas. Ela tem vida própria, em seus ramos, em suas folhas.
Se a alegria lhe fugiu, o prazer lhe escapou, o ânimo se lhe abateu, procure recuperar o fôlego da vida saudável. Se não conseguir sozinha, procure ajuda, num bom livro, numa boa amiga, num profissional de ajude. Não deixe sua vida acabar, por causa dos outros ou, quem sabe, por causa de você mesmo.
3.3. Não tenha o complexo de se achar videira verdadeira: deixe este papel para Jesus Cristo.
Para ser frutífera, a mulher precisa se colocar no seu devido lugar.
Jesus se apresenta como sendo a videira verdadeira (João 15.15) e só Ele o é. No entanto há mulheres infrutiferas por se acharem videiras mais que frutíferas, por se acharem perfeitas.
Há mulheres sofrendo por terem complexo de Deus. Umas querem controlar tudo, não só a fechadura da porta. Outras querem se imolar como se seu sacrifício fosse redentivo.
A mulher precisa reconhecer a sua limitação pessoal, ou mesmo as limitações da sua vida. Conhecer-se a si mesmo é o primeiro passo para a felicidade.
Isto não quer dizer, mulher, que você não deve se empenhar ao máximo. Deve, mas ao máximo, não ao impossível. Deus é o Deus das coisas impossíveis (Mateus 19.26); nós somos homens e mulheres das coisas possíveis.
Marido, não exija tanto de sua mulher, como se ela pudesse tudo, até fazer milagres. Não a idolatre. Seja companheiro dela nas atividades. Ajude-a a encontrar o seu devido lugar, como videira frutífera.
Filho, não exija tanto de sua mãe. Não faça dela sua empregada. Ela é sua parceira na vida, e para a vida toda.
Mulher, em meio às suas atividades, dentro e/ou fora de casa, encontro tempo para você. Para ver um filme, para ler um livro, para cuidar do seu corpo, para cuidar da sua mente, para abençoar alguém.
Mulher, em meio às suas preocupações, faça projetos novos. As faculdades estão cheias de mulheres que cuidaram de seus filhos por anos a fio, e agora encontraram a possibilidade de fazer um curso. Talvez não lhe interesse um curso superior, mas lhe interesse aprender um pouco de informática, para aprender a aprender pela internet. Seja o que for, desenvolva hábitos saudáveis para a sua vida. Lembre-se que, quando você era mais jovem, tinha muitos projetos; alguns foram realizados e outros ainda podem ser realizados. Mãos à obra, para realizar os que podem ser ainda efetivados.
4. CONCLUSÃO
A partir de Ezequiel, podemos pensar a mulher, esposa e mãe, como estando plantada em boa terra, à borda de muitas águas, para produzir ramos, dar frutos e ser excelente videira (Ezequiel 17.8).
Mulher, ame-se a si mesmas, como Jesus Cristo ama a você.
Marido, cultive suas videiras
Filho, ame as videiras de suas vidas.
E assim, parafraseando o cronista, habitem confiados, mulheres, maridos e filhos, cada um debaixo da sua videira e debaixo da sua figueira (1Reis 4.25).
ISRAEL BELO DE AZEVEDO