Eis-me aqui agora diante do lamento longo do meu filho,
mas eu me lembro de quando tudo lá em casa era sorriso
por causa da ternura que com todos sempre demonstrava,
por causa da brandura com que a seus irmãos tratava,
por causa da esperança que seu crescimento representava,
por causa da lembrança da promessa de que Ele iria nascer.
Aquela voz de Gabriel me saudando feliz “Feliz é você”
ainda soa no meu corpo como uma voz que não se apaga
como uma verdade que traz paz a todo a que a ela se apega.
Os movimentos infantis do seu tronco ágil, leve e alegre
correndo pelas ruas e casas e campos da antiga Nazaré
escondendo-se na carpintaria entre as ferramentas de José
passam diante de mim como a coreografia de um balé.
Aprendi a perdê-lO desde quando, como criança travessa,
Ele ficou no templo para ter com os mestres uma conversa,
mas nada se compara com a perda que agora estou notando.
Eu me lembro que, adulto, Ele foi partindo e sempre voltando:
saía de casa, operava a virtude de um milagre e retornava,
pregava uma mensagem divina que a todos encantava,
sofria um ataque dos inimigos de Deus a quem incomodava
mas sempre achava de voltar e agradecer com a mão posta,
porque nunca teve uma casa de verdade que não fosse a nossa,
mas agora, eu sinto, eu choro, a partida de que não mais vem.
Quando começou há meses sua sinuosa vinda para Jerusalém,
eu lhe disse: “Filho, para lá não”, mas fiquei sem resposta.
Eu me emocionei quando a multidão o saudou pela avenida,
como se tivesse valido a pena a mensagem por Ele vivida.
Não contive o lamento quando Ele olhou para esta cidade
e dos seus olhos saíram lágrimas de quem sofria de verdade
Eu não segurei o sorriso quando entramos em Jerusalém:
havia nEle uma calma própria de quem um segredo tem.
Depois, depois…, agora não quero lembrar de jeito nenhum:
foram poucos mas intensos aqueles dias feitos de sede e jejum,
traições, interrogatórios, mentiras, socos e violências,
até nos encontrarmos com a mais dura de todas as experiências:
morrer, não como mártir de uma causa, mas como um bandido,
crucificado, embora tivesse que ser de tudo absolvido,
morto de um modo que nos faz ter vergonha de por Ele chorar
Ele, que bondade ao longo de sua curta vida só fez espalhar,
Ele, que fez do amor a Deus e ao próximo sua única arma,
teve agora de enfrentar o término de sua missão desta forma.
Como mãe, aqui ao pé da cruz, digo que não me conformo
com a morte da justiça e com o fim tão trágico da esperança.
Com toda força da minha alma machucada, eu afirmo
que esta dor no meu peito não pode ser a minha herança.
Com um olho na cruz e outro no céu, faço a mesma indagação
que saiu dEle como um lamento, jamais como indignação,
sim, eu também pergunto: “Por que, Senhor, O desamparaste?”
E clamo forte: “Por que a mim, sua mãe, tão forte machucaste?
Por que a este meu povo já tão desanimado tu abandonaste?”
Será muito longa, interminável, irrespondível a nossa noite,
em que cada lembrança da vida e da morte será um açoite,
Eu vou me derramar entre largas lágrimas sem solução
imaginando se não cuidei, se não cri, se não esperei em vão.
Será muito triste, impassável, impenetrável a nossa noite
em que o vento entrará na casa e na pele como um chicote.
Nós vamos sucumbir sob o som de um futuro sem salvação,
certos que ouvimos, corremos, cremos e esperamos em vão.
Vamos todos proferir suas palavras plenas de poder
até podermos, amanhã bem de manhã, seu corpo tomar
e a ele nossa homenagem de despedida apresentar,
já que Ele não pode mais nos ensinar a amar e confiar,
já que, tendo ido para o lugar dos mortos, não pode dizer
que dos nossos pecados todos precisamos nos arrepender.
Sim, sei que Ele atravessou para o lado de lá da vida,
mas eu grito que ainda O amo, mesmo com a alma ferida,
e canto para Ele, mesmo em forma de lamento, uma canção,
porque guardo sua imensa graça do lado de cá do meu coração.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO