1
Emissário de mim mesmo numa triste missão
eis o que agora livre e prazerosamente sou:
apóstolo de Jesus Cristo para a salvação
de todos aqueles por quem Ele se entregou.
Minha vida está guardada na palma da mão
daquele que me criou e da treva me tirou
para compreender da existência a direção
e para me exceder em seu inteiro louvor.
Agora suporto sem peso as marcas do Evangelho
no meu corpo que aguarda o descoberto retrato
de toda a verdade que contemplo num espelho.
Pessoalmente não verei mas sei que todo joelho
vai se dobrar quando chegar o fim do hiato
que é a história, do princípio ao seu final ato.
2
Quero ter as coisas profundas de Deus em minha mão,
como se pudesse o seu imenso mistério conhecer
sem a extraordinária operação do Espírito para ver
a força do Senhor em toda a sua manifestação.
Até por inteiro e de alto a baixo, o véu rasgado ser
pelo milagre da cruz, o sentido esteve na escuridão,
até que pelo Espírito Santo, que me veio convencer,
o que estava oculto veio com Jesus Cristo à revelação.
Estejam os meus sentidos atentos à eterna plenitude
— que não se alcança com o olhar — pois a história
não é, por mais que pareça, esta realidade transitória
que produz aquela desejada e efêmera glória.
Eis o que mostra a minha dramática inquietude:
Fui feito todo para viver a plena completude.
3
A bênção, pela qual arde o meu corpo, nasceu
na região celeste em que a Trindade habita,
que desde o princípio por amor me escolheu
para receber o efeito de sua permanente visita.
A bênção, pela qual o meu coração palpita,
é fruto de uma vontade que foi ao apogeu
quando Cristo na cruz tornou apenas seu
o pecado em torno do qual meu ser orbita,
melhor, orbitava, mas por amor, fui feito filho
de Deus por meio da ternura maravilhosa
de Jesus, que infundiu em mim o seu brilho
coberto de entendimento puro e sabedoria plena
para que eu veja o propósito da trajetória terrena
e possa viver para o louvor da sua graça gloriosa.
4
Miserável ser que eu sou (melhor: que eu era),
porque insolente, como todos, de Deus me desviei
e já não consigo produzir amor, mas a cólera,
pois escravo da maldade tristemente me tornei.
Não importa que não esteja só nesta quimera
de confiar em mim mesmo, porque agora sei
se quero ser feliz, bem que sempre desejei,
preciso cessar de pôr no meu valor a espera.
Não há, na história e mesmo agora, um justo sequer
porque nos tornou inúteis o nosso rebelde desvio
e da glória que há na justiça de Deus nos destituiu,
Posso ter na lei do santo evangelho todo o prazer,
mas é outra lei que governa o meu coração abominável
a me tornar, junto com todos, um homem miserável.
5
Graças a Deus, fui justificado gratuitamente por Jesus
e posso fazer dEle toda a fonte da minha riqueza
que não se conta em números obtidos com ardileza
e não se sustenta diante do tribunal da divina luz.
Graças a Deus, meu corpo foi reconciliado na cruz
quando o corpo de Jesus conheceu toda a torpeza
para me apresentar, absolvido, naquela beleza
que o Espírito Santo, pela misericórdia, produz.
Graças a Deus, prossigo, sem ainda ter chegado,
trilhando firme o caminho que leva à perfeição,
esquecendo das coisas que me têm atrapalhado,
e fitando o alvo para mim por Ele colocado,
para receber o prêmio, entregue por sua mão,
destinado a quem não esquece a sua vocação.
6
Porque virá, num dia, o tempo da convergência
de todas as coisas, as de baixo e as de cima,
as do passado, as do presente e as da vindima
na pessoa de Jesus, Senhor de nossa existência.
Porque virá, num dia, o tempo da clara crença
no evangelho-palavra absoluta que anima
com a verdade que permite de forma íntima
com o Cristo de Deus uma calorosa convivência.
Porque virá, num dia, o tempo da esperança
em que fruirei a força da selada promessa
no Espírito que a história inteira atravessa.
Porque virá a esperada restauração da confiança
no poder que nasceu da Redenção, para a garantia
da Salvação que se tornará plena no último Dia.
7
Ele é Aquele de quem tudo veio e ainda vem
Ele é Aquele por quem tudo se realizou.
Ele é Aquele para quem tudo é também.
Ele é Aquele que por mim se entregou.
Por Ele, imagem do Deus perfeito, tudo se criou,
Graças a Ele o visível e o invisível se mantêm
Com Ele, assumida a humana condição, habitou,
porque do agrado Pai, o mais absoluto bem.
Ele é aquele tornou toda morte inoperante,
quando fez do seu sangue o bálsamo da paz
que dá vida de novo ao cansado caminhante.
De toda a criação — alma e matéria — Ele é o primaz.
Para todo corpo seu sangue é pleno e eficaz
para trazer para Si o coração, como o meu, errante.
8
Tomado pela impiedade, este é um tempo perverso
porque o pecado separa o homem do seu Senhor
porque o reino do mal cobra o preço duro da dor
que faz gemer, em desespero, todo o universo.
Pela vontade do Altíssimo, virá um tempo diverso
com o erro tendo anulado de vez o seu valor,
o reino do mal esmagado pelo sumo Salvador
o coração humano por fim na graça todo imerso.
Este é ainda o nosso tempo, o da insatisfação,
anterior ao tempo de Jesus, de total superação.
Não foi o que demonstrou com a inauguração
do seu Reino, quando morreu e voltou a viver
na ressurreição dos mortos cheia de poder
para nos dar completo acesso ao Pai pela fé?
9
O gemido com o corpo e a alma produz tribulação,
raiz da melhor das virtudes: a perseverança,
canal que conduz à glória da divina aprovação —
“eis aí o meu querido!” — força-motriz da confiança
derramada pelo Espírito Santo em meu coração
para que seja viva e sólida a minha esperança
que, vinda do Alto, não contempla decepção
no chamado que me põe na bem-aventurança.
O plano de Deus, eis como o quero perceber:
Ele a todos, por sua ciência, a todos conheceu
e aos que responderam a todos com amor chamou
e aos que chamou a todos com graça justificou
e, para serem a imagem do Filho, os predestinou
para, no tempo do fim, glorificados virem ser.
10
Deste amor, nascido com quem o Filho ofereceu,
quem tem força e sabedoria para me separar?
Quem tem coragem de, sem razão, me acusar?
Quem pode negar que Jesus por mim morreu?
Quem pode derrotar Aquele que já venceu?
Mesmo que a angústia me possa despedaçar,
ainda que a morte todo dia tenha que enfrentar,
sei que das dores todas ele me vem consolar.
Vejo que me mira, para derrotar, um poder.
Vejo que me ciranda um rugiente inimigo
com garras amarradas, por fé também posso ver.
Não importa quem venha, sei que vou vencer
pelo amor de Deus em Cristo que feliz bendigo
porque nele eu encontro firme e eterno abrigo.
11
Bendigo o Deus-Pai de nosso Senhor Jesus Cristo
em que sou alcançado com bênçãos de todo tipo:
ao me pensar, ao pensar o mundo, com um propósito
que em sua inteireza por enquanto ainda não avisto.
Vivo para o louvor da glória do Mestre — eu insisto
porque Ele me dispensou as riquezas do seu depósito
com as quais, para a eternidade começada, me equipo
e com o poder da sua esperança desde agora me revisto.
Espero o selo do fiel Espírito Santo da promessa
desenhado para aqueles que a Deus conhecem
pela atenção às doces palavras que não desaparecem:
as palavras do Evangelho do qual Jesus é cabeça
para quem se dará, no tempo final, a confluência
de todos os sonhos que aos que crêem acontecem.
12
Aguardo o tempo da vinda de Jesus para nossa reunião
que vai perdurar por todo o itinerário da eternidade
quando o meu Mestre vai entregar, cheio de paixão,
o Reino ao Pai de quem recebeu a missão e a autoridade.
Aguardo o tempo da vinda de Jesus para a sua exaltação
que vai destruir para sempre e de vez o homem da iniqüidade
que quer me enganar como se não fosse filho da perdição
desejoso de me afastar do caminho seguro da verdade.
Aguardo o tempo da vinda de Jesus como um grande dia
que vai destronar, com uma palavra, toda a apostasia
porque diante dEle já não precisarei ouvir profecia.
Aguardo o tempo da vinda de Jesus como um começo
do fim desta minha vida marcada por avanço e tropeço
para uma plena de amor e que será meu último endereço
13
Até aquele dia, é bom sentir contra quem é minha luta
para que eu não batalhe enganado contra a impostura
porque não é contra seres humanos a minha labuta
mas contra as forcas espirituais alojadas na altura.
Até aquele dia, o Senhor me oferece sua forte armadura,
com a qual poderei resistir ao mal e ficar na conduta,
firme pela couraça da justiça, com a verdade na cintura
e seguindo com o escudo que só constrói a fé absoluta.
Até aquele dia, a salvação como meu capacete manterei,
sabendo que a Palavra de Deus única é a minha espada
com a qual um inimigo muito bem armado enfrentarei.
Ate aquele dia, todo dia o meu joelho orante dobrarei,
como recurso para cumprir o que é da minha alçada,
pois minha vida quero que seja do Rei uma embaixada.
14
Eu sei que o Senhor me livrará de toda obra do mal,
porque para Ele e por Ele todas as coisas são,
e me levará a salvo para o seu Reino celestial,
onde poderei exercer com plenitude a adoração.
Deixarei de ser estrangeiro para ser cidadão real
e verei os atributos invisíveis de Deus como eles são
e da fonte inesgotável sorverei o fruto da graça total
para que seja o que devia ter sido: perfeita criação
Perguntarei: “Onde está, o morte, a sua vitória?
Onde está, o morte, o seu chicote de ferro duro?
Por que te calas agora? Perdeste a memória?”
Cantarei a Jesus, quando estiver sentado no futuro:
“Teu sou, como te pertencem o passado e o venturo.
A ti, somente a ti, para todo o sempre eu lhe dê glória”.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO