MÚSICA: SACRA É A MÚSICA CRISTÃ QUE APONTA PARA DEUS E SE COMPROMETE COM A SUA JUSTIÇA
Pregada na IB Itacuruçá, em 8.6.2003, noite
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Comecemos por alguns necessários lugares comuns.
A música, esta “harmoniosa e expressiva combinação de sons” (Dicionário Eletrônico Houaiss) ou esta organização de sons e silêncios num determinado tempo, faz parte da cultura humana. Só há humanidade onde já cultura. Havendo cultura, haverá música, feita de sons de vozes e instrumentos.
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Por esta razão, a Bíblia está cheia de música, tanto de canções quanto de relatos sobre seu uso na vida dos povos, tanto num contexto sacro quanto num ambiente profano. O livro de Gênesis biografa sucintamente o “pai” dos instrumentos musicais, sem referir o propósito de uso, se sacro ou profano: Jubal, filho de Ada, descendente de Caim, inventou a harpa e o órgão (Gênesis 4.21).
Há outras referências num contexto profano. Labão reclamou de Jacó ter partido em segredo por não lhe poder dar uma festa ao som de cantos, tamborins e harpas (Gênesis 31.27). Quando estava triste, Saul pedia que Davi lhe tocasse alguma canção na harpa (1Samuel 16.23). A música fazia parte da vida das familias, algumas das quais tinham cantores permanentemente à sua disposição (Eclesiastes 2.8), já que naquela época obviamente não havia discos nem equipamentos para os tocar… Outras familias tinham instrumentos em casa e os tocavam em casa (Amós 6.4-6). Nas festas não podiam faltar harpas, liras, tamborins e flautas, acompanhando as canções (Isaías 5.12; 24.8; Lucas 15.25).
No plano sacro, os grandes feitos de Deus na vida do Seu povo são lembrados com músicas e, às vezes, danças. Quando o povo passou pelo mar Vermelho, Moisés liderou um cântico público pelo extraordinário livramento (Êxodo 15). Quando ajudou seu povo a derrotar um inimigo, Débora entoou um cântico célebre (Juízes 5).
Com Samuel, Davi e Salomão, a música sacra hebréia alcançou seu apogeu. O ensino da música, por exemplo, fazia parte do currículo dos profetas (1Samuel 10.5: 19.19-24; 2Reis 3.15; 1Crônicas 25.6). Chegou a haver cantores profissionais, remunerados pelo departamento religioso do Estado (1Crônicas 9.33; Neemias 7.1, etc.). O templo era uma verdadeira escola de música, com cantores e instrumentistas atuando o tempo todo (2Samuel 6.5; 1Crônicas 15, etc.). Não por acaso, o maior dos livros bíblicos constitui-se de uma coletânea de poemas feitos para serem cantados individual e congregacionalmente.
Também não por acaso, o último livro da Bíblia transforma todos os salvos em cantores, com um cântico espiritual permanente nos lábios e desde já conhecido: Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor (Apocalipse 5.12).
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Como naqueles tempos, a nossa vida é impensável sem música. Os nossos cultos são impensáveis sem música. Música é vida. Música é culto. No entanto, a vida não é só música. O grande poeta João Cabral de Melo Neto detestava música. O culto não é só música. Onde estiveram dois ou três reunidos em nome de Jesus, com ou sem música, Ele ali estará (Mateus 18.20). No caso especifico do culto, ela também precisa ser executada, à voz ou ao instrumento, em espírito e em verdade (João 4.23), para que seja aceita como parte de um culto aceito.
Uma música litúrgica será sacra em espírito e verdade, se estiver voltada para celebrar Aquele que é digno de todo louvor. Se eu vou a um concerto, posso sair comentando a performance dos músicos ou do maestro. Se eu vou a um culto, devo voltar cantando a majestade de Deus, para o que músicos e maestro me ajudaram muito, mas eles devem diminuir para que Deus cresça. Eu devo agradecer os músicos e o maestro pelo talento e dedicação deles, mas devo me fixar no Deus que eles me apresentaram. Esta é a diferença entre um teatro e um templo. Esta é a diferença entre a música profana e a música santa.
A música é profana, no sentido etimológico da expressão, porque ela fica em frente (pro) ao templo (fanun), mas nele não entra. E não entra, não por causa do seu ritmo, mas por causa do seu propósito. Pode ajudar as pessoas, ensinar às pessoas, divertir às pessoas, enfim, fazer bem às pessoas, mas continuará sendo profana. No templo em culto, só deve entrar música sacra, isto é, santa, que é aquela que nasce de um coração santo para exaltar um Deus santo. O que distingue uma música sacra de uma profana é o propósito: todos os outros aspectos formais são culturais, podendo mudar com o tempo, porque os gostos variam ao longo das gerações. Não são os aspectos formais (ritmos, tipos de instrumentos, por exemplo) que definem se uma música é sacra ou profana de uma música, mas sua intenção. O sacrifício de Caim foi recusado por causa do seu propósito profano. O sacrifício de Abel foi aceito por causa do seu propósito santo.
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A música sacra, portanto, é diferente da música profana por três características:
1. A música sacra é sacra quando é oferecida a Deus.
A música é sacra cristã quando é uma expressão de culto a Deus, em reconhecimento pelo que fez, faz e fará na vida dos Seus filhos. Por mais bela que seja, mas se estiver a serviço de uma causa, de uma idéia ou de uma pessoa, a canção não será sacra. Se pudéssemos perguntar a Deus que música considera sagrada, Ele nos responderia. Sua resposta talvez fosse diferente da nossa: na nossa, os quesitos formais e emocionais estão em primeiro lugar. Para ele, o coração do adorador é o que importa. E este só Ele vê.
Isto não quer dizer que a canção sacra não precisa ser bela. Precisa, porque o adorar ama tanto ao seu Senhor que não se alegrará com uma canção que não seja a mais perfeita que possa executar, tendo que ensaiar, estudar, aperfeiçoar permanentemente, como se ela viesse a ser objeto de uma crítica severa.
Quando um cantor sacro entoa uma música, sua oração em segredo deve ser: Oh, Senhor, tu és o meu Deus; exaltar-te-ei a ti e louvarei o teu nome; porque fizeste maravilhas, os teus conselhos antigos [permanecem] em fidelidade e em verdade (Isaías 25.1).
Quando cantamos ou tocamos, em casa ou na congregação, devemos oferecer nossas vozes ou nossos dedos a Deus.
Só pode oferecer música a Deus quem já ofereceu sua vida a Ele. A este, Ele purificou com o sangue do Seu Filho Jesus Cristo. Toda vez que uma pessoa toma esta decisão, passa a cantar com vigor novo, tenha ou não habilidades. É um cântico que sai do interior, de um interior limpo.
O ideal da música pura se torna possível quando aquele que a oferece aceita o oferecimento de Jesus Cristo na cruz. No Antigo Testamento, os sacerdotes e os músicos tinham que se purificar cerimonialmente e depois purificar o povo e o templo (Neemias 12.30). Hoje, o sangue de Jesus nos purifica de todo o pecado, sem nenhum sacrifício nosso, sem nenhum cerimonial, senão o sacrifício do coração, o quebrantamento do coração.
Quem, então, pode “produzir” música sacra? Quem tem o coração sacro e oferece sua música Àquele que o transformou.
A música sacra cristã é o derramamento do coração do homem diante do coração de Deus.
2. A música sacra é sacra quando aponta para Deus, mesmo quando fala das nossas dores e alegrias humanas.
A música sacra cristã é o derramamento do coração do homem sobre o coração de Deus. O músico cristã quer revelar o coração do seu Senhor.
Por isto, música sacra cristã é aquela música realizada pelos que nasceram de novo. Nascidos de novo são aqueles que entoam o novo cântico, cuja letra é: Digno és, Senhor, de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra (Apocalipse 5.9-10).
Nossa melodia tem que apontar para Jesus como autor de nossa salvação. Nossa canção precisa afirmar que somos o povo de Deus, povo que Ele comprou, por meio do seu sangue, sem que houvesse qualquer merecimento em nós.
Há lugar na música cristã para os dramas dos cristãos, mas ela sempre apontará para Deus como garantia de nossa esperança. A arte tem o lugar, mas jamais será a arte pela arte, a beleza pela beleza, a forma pela forma.
Deus é a referência do músico cristão. O propósito do músico sacro é falar acerca de Deus.
Ao apontar para Deus, a música cristã pode apontar contra o cristão. Quando instruiu os patriarcas, Deus lhes disse: Escrevei para vós outros este cântico e ensinai-o aos filhos de Israel; ponde-o na sua boca, para que este cântico me seja por testemunha contra os filhos de Israel (Deuteronômio 31.19).
Precisamos de músicas que, apontando para Deus, nos seduzam a amá-lO.
Precisamos de músicas que, apontando para Deus, nos desafiam a ser santos.
Precisamos de músicas que, apontando para Deus, nos ensinem a confiar nEle.
Precisamos de músicas que, apontando para Deus, nos convençam da justiça de Deus. Em seu cântico, Débora instrui: À música dos distribuidores de água, lá entre os canais dos rebanhos, falai dos atos de justiça do Senhor, das justiças em prol de suas aldeias em Israel. Então, o povo do Senhor pôde descer ao seu lar (Juízes 5.11 — ARA). Numa outra versão, o compromisso fica mais claro: Mais alto que a voz dos que distribuem água junto aos bebedouros, recitem-se os justos feitos do Senhor, os justos feitos em favor dos camponeses de Israel. “Então o povo do Senhor desceu às portas” (Juízes 5.11 — NVI).
Se você sai de um culto, apaixonado por Deus, nele a música foi sacra. Se as canções que ouviu ou entoou desafiaram você a mudar, elas são cristãs. Se você volta para o quotidiano da vida mais seguro do poder de Deus, você adorou em espírito e em verdade.
3. A música sacra é sacra quando expressa um compromisso de vida.
Que música Deus aceita? Aquela que fala a Ele. Aquela que fala sobre ele. Aquela que traduz o compromisso de Deus com a vida e o compromisso dos seus filhos com o compromisso de Deus.
O profeta Amos conviveu com uma música sacra bem elaborada, profissionalizada até. No entanto, ele chama de barulho aquilo que o povo chamava cântico sagrado. Eis o que lhe diz o Senhor: Afasta de mim o estrépito [barulho] dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras. Antes, corra o juízo como as águas; e a justiça, como ribeiro perene (Amos 5.23-24 — ARA).
A música sacra pode ser barulho, por mais solene que seja, por mais harmoniosa que se pretenda, se a vida de quem canta ou toca não tiver um compromisso com o Deus da justiça. Amos compara este tipo de música a sacrifícios idolátricos. Música sacra sem vida compromissada com a justiça é idolatria.
O profeta Ezequiel segue a mesma direção quando, por seu intermédio, Deus revela o caráter daqueles que pareciam adorá-lo em espírito e em verdade. Eles vêm a ti, como o povo costuma vir, e se assentam diante de ti como meu povo e ouvem as tuas palavras, mas não as põem por obra; pois, com a boca, professam muito amor, mas o coração só ambiciona lucro. Eis que tu és para eles como quem canta canções de amor, que tem voz suave e tange bem; porque ouvem as tuas palavras, mas não as põem por obra (Ezequiel 33.31-32).
Música sacra não é para ser consumida, mas para ser vivida.
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De igual modo que a música, a vida do cristão deve:
. Ser oferecida a Deus.
. Apontar para Deus mesmo quando forem intensas as dores.
. Expressar um compromisso com a justiça, isto é, com o outro, este objeto permanente do amor do Pai.