Êxodo 3.1-22: HÁ MAIS DA REVELAÇÃO DO PAI

HÁ MAIS DA REVELAÇÃO DO PAI

Êxodo 3.1-22

Há mais.
Há mais de Deus para nós.
Há mais na vida, com Deus, para nós.
A história da chamada de Moisés  (Êxodo 3.1) evidencia que há mais. O primeiro verso é bastante inspirador: “Moisés pastoreava o rebanho de seu sogro Jetro, que era sacerdote de Midiã. Um dia levou o rebanho para o outro lado do deserto e chegou a Horebe, o monte de Deus”

1
HÁ MAIS DO PAI

Há mais da revelação do Pai para nós.

1. Deus se revela, tomando a iniciativa.
Na Bíblia Sagrada, temos inúmeros exemplos de Deus Pai tomando a iniciativa de se comunicar com o homem.

Em Gênesis 3.8-9, lemos: “Ouvindo o homem e sua mulher os passos do Senhor Deus que andava pelo jardim quando soprava a brisa do dia, esconderam-se da presença do Senhor Deus entre as árvores do jardim. Mas o Senhor Deus chamou o homem, perguntando: “Onde está você?”

Em Gênesis 6.12-13a, 18, escutamos: “Ao ver como a terra se corrompera, pois toda a humanidade havia corrompido a sua conduta, Deus disse a Noé: (…) Com você estabelecerei a minha aliança, e você entrará na arca com seus filhos, sua mulher e as mulheres de seus filhos”.

Em Gênesis 12.1-2, ouvimos: “Então o Senhor disse a Abrão: “Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei. Farei de você um grande povo, e o abençoarei. Tornarei famoso o seu nome, e você será uma bênção”.

Em Êxodo 3.1-2, somos recordados que “Moisés pastoreava o rebanho de seu sogro Jetro, que era sacerdote de Midiã. Um dia levou o rebanho para o outro lado do deserto e chegou a Horebe, o monte de Deus. Ali o Anjo do Senhor lhe apareceu numa chama de fogo que saía do meio de uma sarça”.

Em Juízes 6.11-12, somos inspirados com a seguinte informação: “Então o Anjo do Senhor veio e sentou-se sob a grande árvore de Ofra, que pertencia ao abiezrita Joás. Gideão, filho de Joás, estava malhando o trigo num tanque de prensar uvas, para escondê-lo dos midianitas. Então o Anjo do Senhor apareceu a Gideão e lhe disse:
— O Senhor está com você, poderoso guerreiro”.

A história da chamada de Amós nos desafia ainda hoje (Amos 7.12-15): “Depois Amazias disse a Amós:
— Vá embora, vidente! Vá profetizar em Judá; vá ganhar lá o seu pão. Não profetize mais em Betel, porque este é o santuário do rei e o templo do reino”.

Amos respondeu a Amazias:
Eu não sou profeta nem pertenço a nenhum grupo de profetas, apenas cuido do gado e faço colheita de figos silvestres.  Mas o Senhor me tirou do serviço junto ao rebanho e me disse: ‘Vá, profetize a Israel, o meu povo’.

Habacuque experimentou a realidade de um Deus atento (Habacuque 1.2-5). O profeta lamenta: “Até quando, Senhor, clamarei por socorro, sem que tu ouças?Até quando gritarei a ti: “Violência!”sem que tragas salvação? Por que me fazes ver a injustiça, e contemplar a maldade?A destruição e a violência estão diante de mim;há luta e conflito por todo lado. Por isso a lei se enfraquece e a justiça nunca prevalece. Os ímpios prejudicam os justos, e assim a justiça é pervertida”. Então, Deus responde: “Olhem as nações e contemplem-nas, fiquem atônitos e pasmem; pois nos dias de vocês farei algo em que não creriam se lhes fosse contado”.

O caráter proativo de Deus fica evidente na história de Cornélio e Pedro (Atos 10). “Havia em Cesaréia um homem chamado Cornélio, centurião do regimento conhecido como Italiano. Ele e toda a sua família eram piedosos e tementes a Deus; dava muitas esmolas ao povo e orava continuamente a Deus.  Certo dia, por volta das três horas da tarde, ele teve uma visão. Viu claramente um anjo de Deus que se aproximava dele e dizia:
— Cornélio!
Atemorizado, Cornélio olhou para ele e perguntou:
— Que é, Senhor?
O anjo respondeu:
— Suas orações e esmolas subiram como oferta memorial diante de Deus. Agora, mande alguns homens a Jope para trazerem um certo Simão, também conhecido como Pedro, que está hospedado na casa de Simão, o curtidor de couro, que fica perto do mar.
Depois que o anjo que lhe falou se foi, Cornélio chamou dois dos seus servos e um soldado piedoso dentre os seus auxiliares e, contando-lhes tudo o que tinha acontecido, enviou-os a Jope. No dia seguinte, por volta do meio-dia, enquanto eles viajavam e se aproximavam da cidade, Pedro subiu ao terraço para orar. Tendo fome, queria comer; enquanto a refeição estava sendo preparada, caiu em êxtase. (…) Enquanto Pedro estava refletindo no significado da visão, os homens enviados por Cornélio descobriram onde era a casa de Simão e chegaram à porta. Chamando, perguntaram se ali estava hospedado Simão, conhecido como Pedro. Enquanto Pedro ainda estava pensando na visão, o Espírito lhe disse:
— Simão, três homens estão procurando por você. Portanto, levante-se e desça. Não hesite em ir com eles, pois eu os enviei.
Pedro desceu e disse aos homens:
— Eu sou quem vocês estão procurando”.

A conversão de Saulo demonstra a mesma verdade (Atos 9.1-6): “Enquanto isso, Saulo ainda respirava ameaças de morte contra os discípulos do Senhor. Dirigindo-se ao sumo sacerdote, pediu-lhe cartas para as sinagogas de Damasco, de maneira que, caso encontrasse ali homens ou mulheres que pertencessem ao Caminho, pudesse levá-los presos para Jerusalém. Em sua viagem, quando se aproximava de Damasco, de repente brilhou ao seu redor uma luz vinda do céu. Ele caiu por terra e ouviu uma voz que lhe dizia:
— Saulo, Saulo, por que você me persegue?
Saulo perguntou:
— Quem és tu, Senhor?
Ele respondeu: — Eu sou Jesus, a quem você persegue. Levante-se, entre na cidade; alguém lhe dirá o que você deve fazer”.
Quando lemos histórias de revelação, percebemos o objetivo delas: Deus se revela para oferecer a o homem a possibilidade  de se realizar, realizando o plano original de Deus, segundo o qual o homem é imagem e semelhança de Deus, logo companheiro.

Questão 1
Uma pergunta se impõe: como um Deus totalmente outro pode se comunicar com seres humanos altamente falíveis?
Para se comunicar conosco, Deus usa a nossa linguagem. Ele, às vezes, apareceu como Anjo, falando o idioma do seu interlocutor, ou como Voz.
Esta comunicação se dá dentro de nossa história e de nossa cultura, o que inclui os recursos disponíveis. Ele se amolda temporariamente à nossa cultura, à qual conhece mais que nós mesmos.
Nesta comunicação, Deus se nivela conosco, compatilizando sua onipotência à nossa fragilidade, a sua onisciência à nossa ignorância.
Deus é totalmente outro, mas não é distante.

2. Deus se revela, fazendo-o progressivamente.
O não entendimento desta marca divina, que decorre deste Seu processo de comunicação conosco, tem trazido dificuldades a crentes e a não-crentes.
Vendo Sua Comunicação na Bíblia, notamos que Deus se revela progressivamente, como um pai se comunica com seu filho. Um pai não diz tudo a um filho de dois anos; diz o que pode entender; aos poucos, vai aprimorando o vocabulário e sofisticando os conceitos, à medida que vai sendo entendido. A Revelação divina pode ser comparada ao mesmo processo de comunicação entre o pai e seu filho.
Isto não quer dizer que Deus seja progressivo, mas sua revelação o é, por causa do receptor da comunicação, nunca do Emissor. Há muitas revelações na Bíblia que não entendemos, precisamente por causa de nossa limitação, nunca do Comunicador. Na verdade, a Bíblia afirma que Deus é imutável. O problema este em nossa compreensão dEle, que é necessariamente mutável.

Questão 2
Uma pergunta pode ser formulada: se Deus não muda, como a Bíblia informa que Ele se arrependeu? Há nove versículos bíblicos com esta informação:

. Gênesis 6.6 — “Então o Senhor arrependeu-se de ter feito o homem sobre a terra, e isso cortou-lhe o coração”.

. Êxodo 32.14 — “E sucedeu que o Senhor arrependeu-se do mal que ameaçara trazer sobre o povo”.

. 1Samuel 15.35 — “Nunca mais Samuel viu Saul, até o dia de sua morte, embora se entristecesse por causa dele porque o Senhor arrependeu-se de ter estabelecido Saul como rei de Israel”.

. 1Crônicas 21.15 — “E Deus enviou um anjo para destruir Jerusalém. Mas quando o anjo ia fazê-lo, o Senhor olhou e arrependeu-se de trazer a catástrofe, e disse ao anjo destruidor: “Pare! Já basta!” Naquele momento o anjo do Senhor estava perto da eira de Araúna, o jebuseu”. (Cf. 2Samuel 24.16)

.  Jonas 3.10 — “Tendo em vista o que eles fizeram e como abandonaram os seus maus caminhos, Deus se arrependeu e não os destruiu como tinha ameaçado”.

Jeremias 26.19 — “Acaso Ezequias, rei de Judá, ou alguém do povo de Judá o matou? Ezequias não temeu o Senhor e não buscou o seu favor? E o Senhor não se arrependeu da desgraça que pronunciara contra eles? Estamos a ponto de trazer uma terrível desgraça sobre nós!”

. Amos 7.2-6 — “Depois que eles devoraram todas as plantas dos campos, eu clamei: “Senhor Soberano, perdoa! Como Jacó poderá sobreviver? Ele é tão pequeno!” Então o Senhor arrependeu-se e declarou: “Isso não acontecerá””. O Soberano, o Senhor, mostrou-me também que, para o julgamento, estava chamando o fogo, o qual secou o grande abismo e devorou a terra. Então eu clamei: “Soberano Senhor, eu te imploro que pares! Como Jacó poderá sobreviver? Ele é tão pequeno!” Então o Senhor arrependeu-se e declarou: “Isso também não acontecerá””.
 
. Salmo 106.40-45 — “Por isso acendeu-se a ira do Senhor contra o seu povo e ele sentiu aversão por sua herança. Entregou-os nas mãos das nações, e os seus adversários dominaram sobre eles. Os seus inimigos os oprimiram e os subjugaram com o seu poder. Ele os libertou muitas vezes, embora eles persistissem em seus planos de rebelião e afundassem em sua maldade. Mas Deus atentou para o sofrimento deles quando ouviu o seu clamor. Lembrou-se da sua aliança com eles, e arrependeu-se, por causa do seu imenso amor leal”.

Como entender estes textos diante de outros que afirmam que Deus não se arrepende?
Em 1Samuel 15.29, aprendemos que “Aquele que é a Glória de Israel [isto é: Deus] não mente nem se arrepende, pois não é homem para se arrepender”. Em Números 23.19, recebemos a garantia animadora de que “Deus não é homem para que minta, nem filho de homem para que se arrependa. Acaso ele fala, e deixa de agir? Acaso promete, e deixa de cumprir? Em Malaquias 3.6 a promessa vem revistida de provas: “De fato, eu, o Senhor, não mudo. Por isso vocês, descendentes de Jacó, não foram destruídos”.

O cotejo de textos assim é um desafio apaixonante para os leitores da Bíblia, que não deve ser lida às pressas, mas com coração e inteligência, com alma e paciência.

O texto de Gênesis 6 é a melhor explicação para o arrependendimento de Deus, quando põe em paralelo duas atitudes: “Então o Senhor arrependeu-se de ter feito o homem sobre a terra, e isso cortou-lhe o coração”. Deus se arrepender é o mesmo que ter o coração cortado. Outro texto elucidativo é o do Salmo 106.40: “Por isso acendeu-se a ira do Senhor contra o seu povo e ele sentiu aversão por sua herança”. Deus se arrepender é o mesmo que sentir aversão, não ter mais prazer com este povo, por causa do pecado deste povo.
Arrepender-se, portanto, a forma humana de entender o sofrimento de Deus diante da maldade humana. Quando a Bíblia diz que Deus se arrepende está dizendo que Deus sofre. Para descrever o sentimento de Deus, o homem usa linguagem de homem, chamada de antropomorfismo, que o jeito humano de atribuir a Deus comportamentos e pensamentos característicos do ser humano.
Trata-se de uma forma inadequada, mas não há outra maneira. Fica bem claro, no entanto, que este arrependimento não tem uma conotação moral. No Novo Testamento, arrependimento está associado a confissão do pecado. No Antigo Testamento, em todas as vezes em que o verbo “arrepender-se” aparece-se é aplicado a Deus, não. Deus não se arrependeu porque estava errado. Deus se arrependeu para manifestar seu amor, para atender uma oração, como fica bem claro na maioria dos textos referidos. Todos estes textos, portanto, são sobre a natureza amorosa de Deus.

Questão 3
Outra questão, complexa, mas que precisa ser respondida a partir da mesma percepção da revelação progressiva de Deus, está no contexto das ordens que dá para que se matem pessoas. Em outras palavras: Como entender as ordens (de matar, por exemplo) que Deus dá, especialmente aquela em relação aos amalequitas (“Samuel disse a Saul: `Eu sou aquele a quem o Senhor enviou para ungi-lo como rei de Israel, o povo dele; por isso escute agora a mensagem do Senhor. Assim diz o Senhor dos Exércitos: ‘Castigarei os amalequitas pelo que fizeram a Israel, atacando-o quando saía do Egito. Agora vão, ataquem os amalequitas e consagrem ao Senhor para destruição tudo o que lhes pertence. Não os poupem; matem homens, mulheres, crianças, recém-nascidos, bois, ovelhas, camelos e jumentos’ ” — 1Samuel 15.1-3)?
Quero sugerir algumas pistas para entender estas instruções, que nos horrorizam.

1. A linguagem humana sobre Deus é linguagem humana. É, portanto, antropomórfica. O antropomorfismo se aplica a palavra de Deus, mas também a atitudes de Deus.

2. O Antigo Testamento é o tempo do Antigo Testamento, o Testamento ainda sem a graça. É o Testamento do tempo da lei da retaliação, da justiça retributiva, que não conhecia o perdão. Foi essa cultura que Jesus veio mudar e, por causa disso, pagou com a própria vida. (Por isto, é uma negação de Jesus defender a pena de morte.)

3. A compreensão humana ao tempo do Antigo Testamento é a do “olho por olho, dente por dente”. Deus estava plantando uma nova semente nos corações, que ainda não tinha germinado. Só este povo, com esta compreensão, para com ele se comunicar, visando um novo tempo. Deus agiu no interior desta cultura de violência.

4. Muitas ordens de matar foram dadas como punição pelo pecado de pessoas e de nações (ou clãs). Algumas dessas ordens são aplicações de penas de morte, oferecidas dentro do contexto da época. Em alguns casos, a eliminação de alguns visava a permanência do povo, como no caso do castigo pela adoração do bezerro de outro (Êxodo 32) ou no caso de Acã (Josué 7) e até mesmo, no Novo Testamento, no caso único de Ananias e Safira (Atos 5). Precisamos entender a natureza corporativa da sociedade de então; não havia a idéia de indivíduo, mas Deus estava preparando o povo para a idéia de responsabilidade individual (como delineada por Ezequiel 18).

5. Temos que separar ordens vindas de Deus e ordens vindas de homens. Nem todas as ordens de matar atribuídas a Deus vêm de Deus, mas de amigos e de inimigos de Deus. Nem todas as ordens são aprovadas por eles e nem todas são reprovadas. Só entendemos esta dinâmica quando nos deixamos penetrar pelo Deus revelado no Novo Testamento.

6. Algumas ordens tinham a ver com a sobrevivência de Israel, e a sobrevivência de Israel tinha a ver com o plano de redenção para toda a humanidade. Este plano se completou em Jesus. A mulher samaritana ouviu do Mestre que a salvação vem dos judeus (João 4.22), porque Jesus foi um judeu.

 CONTINUA