Gênesis 1.1: Nós no meio ambiente

No princípio, Deus, 3 (Gn 1.1)

NÓS, NO MEIO AMBIENTE

O primeiro versículo da Bíblia apresenta Deus como criador da terra. Quem continua pelos versos seguintes nota, como canta Neemias, que Deus criou a terra e tudo o que nela há (Salmo 24.1). Cuidar do meio ambiente é um corolário da fé cristã.

O SANGUE DA TERRA

Segundo um poeta, as águas de março fecham o verão, pelo menos no Brasil. Ultimamente, no entanto, parece que a poesia vai ter que ficar circunscrita à história da literatura e da música, tais as mudanças no clima no Brasil e no mundo.

Nosso missionário em São Gabriel da Cachoeira (AM), pastor Geraldo Pereira de Souza Jr., pede orações porque os rios (rios amazônicos!) de sua região estão se secando, impedindo o transporte de pessoas e bens, feito por embarcações, e fazendo explodir o preço da água mineral.

As cidades brasileiras que vivem do turismo tiveram grandes dificuldades no verão 2006-2007 por causa de semanas seguidas, sem interrupção, de chuvas, quando o normal são semanas seguidas de sol, com pancadas de chuvas.

Ainda estão na memória as imagens da cidade de New Orleans tendo seus diques arrebentados, permitindo que 1339 pessoas fossem tragadas definitivamente pelas águas, na nação mais rica do mundo, rica e impotente diante da fúria do furacão Katrina em agosto de 2005.

Até dezembro de 2004, poucas pessoas conheciam a palavra “tsunami”, de origem japonesa. Eu era uma delas. No entanto, nunca mais esqueceremos a palavra e muito menos as imagens de corpos e casas boiando no oceano Índico, quando morreram 285 mil pessoas. A tragédia provocou discussões teológicas e até mesmo negações do papel de um Deus que intervém na história: como Deus intervém, se permite a morte de tantas pessoas inocentes? Alguns também se perguntaram sobre o que o homem tem feito à terra, especialmente porque muitas áreas atingidas eram áreas aterradas, logo tomadas do mar. Teria ele vindo buscar o que era seu?

Com o relatório publicado no início de 2007, produzido pelo Painel Intergovernamental Sobre Mudança do Clima, preparado por 2500 cientistas do mundo todo, as ameaças ganharam destaque nos meios de comunicação. O assunto deixou de interessar apenas a cientistas, especialmente porque as populações notam em seus próprios corpos os efeitos das mudanças climáticas, provocadas em grande parte pela emissão de metano e gás carbônico, lançados na atmosfera por processos naturais e também pela ação do homem.

Um cientista brasileiro (Luiz Gylvan Meira Filho, professor da Unicamp, em Campinas, SP) afirma que “o aumento da temperatura média global este século não tem precedente na história recente, nos últimos cerca de dez mil anos.  E esta é uma razão importante para preocupação.  Os danos são de uma certa forma proporcionais à taxa de mudança, mais do que à magnitude da mudança em si, já que nos adaptamos lentamente ao clima, sempre que a taxa da mudança não seja maior do que a nossa capacidade de adaptação. (…) A mudança do clima devida ao aquecimento global (…) nos deixará mal adaptados ao clima, e isso é mais sério do que normalmente imaginamos”. (Cf. KASSAB, Álvaro. O tempo esquenta. Disponível em .)

Alguns biólogos temem que, mantido o atual quadro de irresponsabilidade para com o meio ambiente, haverá uma extinção em massa (a sexta da história da humanidade), com o desaparecimento de dois terços das espécies.

A terra, portanto, está sangrando, mas muitos de nós agimos como se não fosse conosco. Há 6,5 bilhões de pessoas na terra. Que posso fazer eu para que a temperatura não aumente, para que o nível dos mares não suba, para que o efeito estufa seja suavizado, para que espécies animais não sejam extintas?

Um ataque à terra é um ataque a Deus.

OS CRISTÃOS ACUSADOS

A preocupação com o meio ambiente é relativamente recente. Os cristãos, por vezes, somos acusados de contribuir com a degradação do meio ambiente.

Vejamos se os críticos têm razão.

1. Dizem alguns críticos que, ao propor a idéia de um Deus distinto da natureza, negando assim o panteísmo (segundo o qual Deus é tudo) e o panentesimo (segundo o qual, Deus está em tudo), o Cristianismo contribui para que a natureza seja depreciada, nunca louvada.

A prática cristã dá, infelizmente, razão parcial aos críticos. De fato, por não adorarem a natureza, colocando-a como criada, alguns cristãos acabam por ter uma atitude depreciativa em relação à natureza. No entanto, eu lembro o poeta do salmo 19: “Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos” (Salmo 19.1). Lembro também outro poeta: Francisco de Assis, que escreveu:

Louvado sejas, meu Senhor

Com todas as tuas criaturas,

Especialmente o senhor irmão Sol,

Que clareia o dia

E com sua luz nos alumia.

E ele é belo e radiante

Com grande esplendor:

De ti, Altíssimo, é a imagem.

Louvado sejas, meu Senhor,

Pela irmã Lua e as Estrelas,

Que no céu formaste as claras

E preciosas e belas.

Louvado sejas, meu Senhor,

Pelo irmão Vento,

Pelo ar, ou nublado

Ou sereno, e todo o tempo,

Pelo qual às tuas criaturas dás sustento.

Louvado sejas, meu Senhor

Pela irmã Água,

Que é muito útil e humilde

E preciosa e casta.

Louvado sejas, meu Senhor,

Pelo irmão Fogo

Pelo qual iluminas a noite,

E ele é belo e jucundo

E vigoroso e forte.

Louvado sejas, meu Senhor,

Por nossa irmã a mãe Terra,

Que nos sustenta e governa

E produz frutos diversos

E coloridas flores e ervas.

Louvado sejas, meu Senhor,

Pelos que perdoam por teu amor,

E suportam enfermidades e tribulações.

Bem-aventurados os que as sustentam em paz,

Que por Ti, Altíssimo, serão coroados.

Leio ainda o testemunho do cientista Francis Collins que ainda jovem, antes de se tornar um dos mais brilhantes biólogos da humanidade, renunciou ao ateísmo depois da seguinte experiência durante uma caminhada por uma montanha no Estado de Washington: “Era uma bela tarde. De repente, a extraordinária beleza da criação ao meu redor foi tão avassaladora que eu senti que não poderia resistir mais uma vez.” (Cf. reportagem de Steven Swinford, no The Sunday Times de 11 de junho de 2006).

De modo algum, portanto, o teísmo cristão, em sua essência, deprecia a criação. Se o fizesse, depreciaria o Criador. Mesmo distinta da criação, a natureza mantém o seu encanto, a sua santidade. A terra é santa porque Deus a criou. A terra é santa porque Deus se revela nela. A terra é santa porque Deus está nela. Na verdade, “a Sua voz ressoa por toda a terra, e as suas palavras, até os confins do mundo. Nos céus ele armou uma tenda para o sol, que é como um noivo que sai de seu aposento e se lança em sua carreira com a alegria de um herói. Sai de uma extremidade dos céus e faz o seu trajeto até a outra; nada escapa ao seu calor” (Salmo 19.4-6).

2. Dizem alguns críticos que, ao propor uma relação individual do homem com Deus, o cristianismo estimula o ser humano a renunciar a perspectiva solidária da vida, resultando num individualismo que nega a nossa responsabilidade para com o meio em que vivemos e do qual somos também parte.

Somos obrigados a admitir que, diferentemente do que propõe a Bíblia, no Primeiro e no Segundo Testamentos, acabou por prevalecer uma influência individualista, derivada do pensamento grego, fora do caminho bíblico da vida em comunidade. O individualismo é a afirmação da supremacia do indivíduo, que deve buscar a sua felicidade a qualquer preço, mesmo em prejuízo da comunidade e da natureza. Em relação à natureza, o individualismo é hedonista, isto é, busca o prazer, custe o que custar. Mais ainda, também em relação à natureza, o individualismo é pragmatista, ficando só com o funciona e descartando o que não funciona.

Embora destaque a responsabilidade pessoal, a Bíblia concebe o homem como um  ser que se desenvolve na comunidade. Nada mais evidenciador desta realidade do que o próprio culto público. Podemos cultuar sozinhos e o fazemos, mas precisamos dos outros para cultuar com mais solenidade e alegria.

Não há lugar, no Cristianismo bíblico, para o absenteísmo, filho de Platão, mas não de Jesus. A religião cristã é uma religião essencialmente solidária. Eu lhes trago duas provas bíblicas, entre muitas possíveis.

No primeiro aprendemos:

“Pois vejam! Criarei novos céus e nova terra, e as coisas passadas não serão lembradas. Jamais virão à mente!

Alegrem-se, porém, e regozijem-se para sempre no que vou criar, porque vou criar Jerusalém para regozijo, e seu povo para alegria.

Por Jerusalém me regozijarei e em meu povo terei prazer; nunca mais se ouvirão nela voz de pranto e choro de tristeza.

Nunca mais haverá nela uma criança que viva poucos dias, e um idoso que não complete os seus anos de idade; quem morrer aos cem anos ainda será jovem, e quem não chegara aos cem será maldito.

Construirão casas e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão do seu fruto.

Já não construirão casas para outros ocuparem, nem plantarão para outros comerem. Pois o meu povo terá vida longa como as árvores; os meus escolhidos esbanjarão o fruto do seu trabalho.

Não labutarão inutilmente, nem gerarão filhos para a infelicidade; pois serão um povo abençoado pelo Senhor, eles e os seus descendentes.

Antes de clamarem, eu responderei; ainda não estarão falando, e eu os ouvirei.

O lobo e o cordeiro comerão juntos, e o leão comerá feno, como o boi, mas o pó será a comida da serpente. Ninguém fará nem mal nem destruição em todo o meu santo monte, diz o Senhor” (Isaías 65.17-25).

O segundo é uma síntese plena da fé cristã como ela deve ser: “A religião que Deus, o nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo” (Tiago 1.27). Uma religião que não se importa com os necessitados não pode ser considerada cristã, e isto se aplica a uma igreja (comunidade de crentes) e a uma pessoa. O cristão que não se importa com os necessitados pode merecer este nome?  

Esta dimensão inclui a ética pessoal. Um cristão pode até não ser íntegro, mas terá sua consciência queimando se não paga seus impostos, se não remunera a sua empregada doméstica com, pelo menos, o que a lei estabelece. Se a consciência estiver queimando por não alcançar o padrão, ele é um cristão. Se a sua consciência não se importa com o que faz nas relações familiares e profissionais, não é um cristão, mas um cínico.

A religião que Deus aceita como pura e imaculada encontra formas para manifestar sua indignação contra a injustiça e a violência.

A religião que Deus aceita faz com que louvor em adoração rime com clamor contra a injustiça. Adoração sem protesto pode servir aos deuses deste mundo, em mais uma forma de idolatria.

3. Dizem alguns críticos que, ao propor que haverá um novo céu e uma nova terra, a serem inaugurados com o fim do mundo, o cristianismo propõe a lógica do quanto pior melhor, para que a parousia seja abreviada.

Lembro que, ainda no final dos anos 70, uma das primeiras vozes a falar na morte do homem por causa da poluição, foi um cristão chamado Francis Schaeffer. Ele advertia os cristãos para não deixarem a dianteira dos que lutam pela preservação do meio ambiente. (No Brasil, o livro, logo esgotado, foi publicado pela Juerp em 1970: A poluição e a morte do homem.)

Lembro-me que participei em 1977 de um congresso internacional, promovido pelo Concilio Mundial de Igrejas, em Boston, sobre o seguinte tema geral: a fé, a ciência e o futuro. Reunidos ali no Massachussets Institute of Technology (MIT), os cristãos, quando pouco se falava do assunto, lançaram um amplo programa por uma sociedade ecologicamente viável.

É verdade que a doutrina bíblica da criação inclui a dimensão da queda, a partir da qual até hoje a natureza, incluídos os seres humanos, ainda gemem por causa do pecado original. A humanidade estabeleceu o seu domínio sobre a terra. O problema é que este domínio tornou-se uma tirania. Deus não quer a manutenção desta tirania. (AUSTIN, Richard Cartwright. Three Axioms for Land Use. Disponível em .) O jubileu da terra tem a ver com isto.

Aprendemos na Bíblia que à criação seguiu-se a queda, mas a queda se seguirá a redenção, para a qual Jesus Cristo veio. O plano de Deus é restabelecer tudo em todos em Cristo. O resumo do Evangelho, nas palavras do apóstolo Paulo, preconiza, cheio de esperança que Jesus “é a cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a supremacia. Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude, e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão nos céus, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz. Antes vocês estavam separados de Deus e, na mente de vocês, eram inimigos por causa do maug procedimento de vocês. Mas agora ele os reconciliou pelo corpo físico de Cristo, mediante a morte, para apresentá-los diante dele santos, inculpáveis e livres de qualquer acusação, desde que continuem alicerçados e firmes na fé, sem se afastarem da esperança do evangelho, que vocês ouviram e que tem sido proclamado a todos os que estão debaixo do céu. Esse é o evangelho do qual eu, Paulo, me tornei ministro” (Colossenses 1.17-23).

É verdade que os cristãos esperam um novo céu e uma nova terra, mas isto não niilismo, pela simples razão que o desejo por novos céus e nova terra é o motor para que, à luz destes novos céus e desta nova terra, os cristãos se empenhem por justiça agora e agora, o que inclui um empenho: o de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para promover um desenvolvimento sustentável.

O niilismo é suicida. O cristianismo se move na esperança. A expectativa de novos céus e nova terra é um espelho da esperança cristã.

Somos peregrinos na terra. Se somos peregrinos, não nos apegaremos a terra, explorando-a como se fosse nossa última casa. O tesouro do peregrino está no céu. O peregrino pode cuidar da  terra, desfrutar da terra e transformar a terra, sem degradá-la, sem desagradar a Deus.

PARA UMA MUDANÇA DE PARADIGMA

Para termos atitudes saudáveis em relação ao meio ambiente, precisamos entender que em relação ao assunto, há três correntes. (A síntese está admiravelmente posta num artigo de Salomão Schartzman: Consciência Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Disponível em .)

A primeira corrente é antropocêntrica, ao propor que a natureza existe para servir ao homem, não havendo limites éticos ao uso de recursos naturais. Os seres humanos podem e devem intervir a fim de adaptar e transformar os ambientes naturais aos seus interesses.

Esta visão tem prevalecido, se não em termos teóricos, em termos práticos, ao ponto de levar o historiador Arnold Toynbee a perguntar: assassinará o homem a mãe terra?

A segunda corrente é geocêntrica, porque pressupõe que o homem deve se adaptar e se integrar à natureza, e não a natureza ao homem. Neste caso, “os interesses das pessoas devem se subordinar à necessidade de preservação das espécies e dos ambientes naturais” São as necessidades e não os desejos que devem ser satisfeitos. “O ambientalismo geocêntrico é uma forma extrema de ambientalismo, na medida em que exige, para se realizar, de uma profunda transformação na maneira pela qual as sociedades estão organizadas”.

A terceira corrente sugere o que vem sendo chamado de “desenvolvimento sustentável”, um termo criado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento no “Relatório Brundtland”. Embora a visão seja antropocêntrica, fica claro que “a natureza tem limites, que o progresso humano não pode continuar de forma ilimitada e incontrolável, e que deve haver uma responsabilidade coletiva pelo uso dos recursos naturais”. Segundo esta visão, “é necessário atender às necessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras de atender a suas próprias necessidades”. (SCHWARTZMAN, Simon.  Consciência Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Disponível em )

Precisamos de uma mudança de paradigma, que tem um custo. Como escreveu um meteorologista brasileira (Carlos Nobre), “os exemplos atuais indicam que, ainda que a mudança de paradigma de geração e uso de energia para uma sociedade descarbonizada carregue uma conta econômica astronômica, não estando claro quem a pagará. Isto terá que ser realizado se coletivamente quisermos evitar colocar a máquina climática planetária em terra incógnita. Assim, dado um desejo maior social, da sociedade planetária, perde o sentido se falar em `interesse econômico’, que é de um grupo, corporação ou país. Há um custo de transformação, mas este custo provavelmente é bem menor do que o crescente custo de adaptação às mudanças climáticas ao não se fazer nada”. (Cf. KASSAB, Álvaro. O tempo esquenta. Disponível em .)

UMA TEOLOGIA

Para que tenhamos atitudes santas em relação à terra, precisamos de uma  teologia bíblica sobre o meio ambiente. E a Bíblia está cheia de informações e prescrições sobre este assunto. Para minha surpresa, um pesquisador relacionou 2463 versículos (8% do total) sobre o meio ambiente nas Sagradas Escrituras. (JOHNSON, William T. The Bible on Environmental Conservation: A 21st Century Prescription. Disponível em .)

Eis algumas verdades para serem vividas:

1. Toda criação é sagrada, no sentido que é uma obra de Deus.

Quando lemos a narrativa da criação, vemos Deus se envolvendo pessoalmente nela. O universo revela Deus. A criação comunica a glória de Deus (Salmo 19.1).

2. Toda a criação sofre os efeitos da queda, o pecado original do ser humano.

As conseqüências, ecologicamente falando, são pintada pelo profeta Naum: “Você multiplicou os seus comerciantes, tornando-os mais numerosos que as estrelas do céu; mas como gafanhotos devastadores, eles devoram o país e depois voam para longe” (Naum 3.16).

A degradação da natureza é uma conseqüência direta da queda. São pecaminosas as políticas nacionais que permitem ou estimulam que os sistemas econômicos que exaurem a terra. As conseqüências ultrapassam o plano apenas ecológico. Vimos recentemente a atitude dos Estados Unidos, que “preferiram investir bilhões para assegurar o acesso às reservas iraquianas de petróleo, do que investir na pesquisa de alternativas energéticas mais limpas” (Carlos Alfredo Joly — Cf. KASSAB, Álvaro. O tempo esquenta. Disponível em ).

3. É nossa responsabilidade cuidar da terra.

A instrução entregue à primeira família (“O Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo”– Gênesis 2.15) alcança a humanidade de todos os tempos”.

Ouçamos o ensino que o Senhor legou ao seu povo, num contexto agrícola e que pode ser universalizado: “Então disse o Senhor a Moisés no monte Sinai: `Diga o seguinte aos israelitas: Quando vocês entrarem na terra que lhes dou, a própria terra guardará um sábado para o Senhor. Durante seis anos semeiem as suas lavouras, aparem as suas vinhas e façam a colheita de suas plantações. Mas no sétimo ano a terra terá um sábado de descanso, um sábado dedicado ao Senhor. Não semeiem as suas lavouras, nem aparem as suas vinhas. Não colham o que crescer por si, nem colham as uvas das suas vinhas, que não serão podadas. A terra terá um ano de descanso'” (Levítico 25.1-5).

O cuidado inclui o solo, mas também os animais, animais que Deus abençoa na criação (Gênesis 1.22). Em Deuteronômio há uma instrução clara: “Não amordacem o boi enquanto está debulhando o cereal” (Deuteronômio 25.4). Por que? O animal deve ser tratado com dignidade. No caso, trata-se de um animal que trabalha.

Que dizer, então, desta outra recomendação: “Se você passar por um ninho de pássaros, numa árvore ou no chão, e a mãe estiver sobre os filhotes ou sobre os ovos, não apanhe a

mãe com os filhotes. Você poderá apanhar os filhotes, mas deixe a mãe solta, para que tudo vá bem com você e você tenha vida longa” (Deuteronômio 22.6-7)? É muito interessante que o respeito à mãe-pássaro merece o mesmo prêmio destinado à obediência aos pais (como nos Dez Mandamentos).

Deus nos dá um mandato cultural (cultura é cultivo, cultura é transformação) deixado por Deus, que inclui cuidar da terra, inclusive dos animais nela existentes (Gênesis 2.19).

4. A terra, e tudo o que nela há, é propriedade de Deus. Ele cede esta terra, e tudo o que nela há, ao ser humano por empréstimo.

O salmista nos ensina, com precisão: “Do Senhor é a terra e tudo o que nela existe, o mundo e os que nele vivem; pois foi ele quem fundou-a sobre os mares e firmou-a sobre as águas” (Salmo 24.1-2). Somos todos usuários, não mais que usuários da terra.

5. O ser humano pode usar os recursos da terra.

Aprendemos em Levítico: “Vocês se sustentarão do que a terra produzir no ano de descanso, você, o seu escravo, a sua escrava, o trabalhador contratado e o residente temporário que vive entre vocês, bem como os seus rebanhos e os animais selvagens de sua terra. Tudo o que a terra produzir poderá ser comido” (Levítico 25.6-7).

A visão bíblica acerca do meio ambiente pode ser classificada como antropocêntrica, no sentido que recomenda o uso dos recursos naturais como fontes para a satisfação das necessidades materiais humanas. Uma leitura de Gênesis nos mostra que Deus providenciou plantas e animais para o convívio e para o alimento humanos.

Eu não sou vegetariano (ainda!), mas, se alguém entende que deve sê-lo por uma razão  de saúde ou de reverência pelos seres vivos, eu respeito, respeito e aplaudo. Pode ser radical para alguns a decisão, mas é digna de respeito.

Antropocentricamente entendo que os animais podem ser usados para fins de pesquisa médica, mas dentro de limites. Os animais podem ser abatidos, para alimento, mas dentro de limites. Esses limites devem considerar realidades óbvias como o sofrimento. Na pesquisa, os animais devem ser usados só em último caso, nunca como jogo ou experimentação irresponsável. No alimento, os animais para abate devem ser tratados com dignidade desde a sua criação. Não devemos desperdiçar a carne colocada diante de nós. Não devemos abater por esporte (como nos casos de caça e pesca esportiva, em que haja sacrifícios destes animais).

Todo desrespeito à dignidade do solo e dos animais é pecado. Isto inclui o desrespeito para com o ser humano, seja aquele que está diante de nós (no convívio humano), aquele que está à margem de nós (por alguma condição desumana) e aquele que ainda não nasceu (que não pode ser abortado, porque concebido irresponsavelmente).

PREMISSAS PARA UM COMPROMISSO

Uma teologia bíblica precisa desembocar numa mente bíblica, com atitudes biblicamente orientadas em todas as áreas da vida, que parte de uma certeza negativa: a falta de cuidado com a natureza tem um nome na Bíblia: pecado.

Nosso compromisso, portanto, se dá num mundo real. A queda é uma realidade, narrada na Bíblia e verificada por nós no dia a dia, tanto nos nossos corações quantos nos corações dos outros.

É por causa do pecado que o homem amaldiçoa a terra, com seu descuido e sua ganância.

O próprio livro das origens dá o contorno desta tragédia: “E ao homem [Deus] declarou: “Visto que você deu ouvidos à sua mulher e comeu do fruto da árvore da qual eu lhe ordenara que não comesse, maldita é a terra por sua causa; com sofrimento você se alimentará dela todos os dias da sua vida” (Gênesis 3.17).

Nosso parâmetro, no entanto, não pode ser a maldição humana, mas a bênção divina para a terra. Na narrativa da criação, temos duas expressões. Uma é, várias vezes, aplicada à obra geral: “Deus viu que ficou bom”. A outra é utilizada no contexto da criação dos seres vivos, os humanos incluídos: “Deus os abençoou”.

Devemos aceitar a bênção divina e recusar a maldição humana. O estrago foi feito; o estrago está sendo feito. No entanto, se queremos viver como imagens e semelhanças de Deus, não devemos amaldiçoar a obra do Criador.

Talvez alguém possa indagar: a degradação da terra é plano divino? A resposta bíblica é: não. Foi e é conseqüência do pecado. Nossa tarefa, como cristãos, é recusar, nos termos paulinos, a  tendência da carne, e um deles é tratar irresponsavelmente a terra. “Quem semeia para a sua carne, da carne colherá destruição; mas quem semeia para o Espírito, do Espírito colherá a vida eterna. E não nos cansemos de fazer o bem, pois no tempo próprio colheremos, se não desanimarmos” (Gálatas 6.8-9).

Embora não possamos zerar todos os malefícios que já causamos ao nosso planeta, é nosso dever nos empenhar para minimizar esses ataques. Embora uma terra livre dos males seja possível apenas na Nova Terra, que é o céu onde Jesus nos aguarda, somos chamados a cuidar dela. O mandamento divino para a criação (em Gênesis 1) não foi revogado na queda (em Gênesis 3). Tanto não foi que Deus renova, ao longo da Bíblia, o cuidado que devemos ter com toda a Sua obra, que inclui os seres humanos, os animais e o meio ambiente.

Com o pecado, esta tarefa tornou-se mais difícil, mas continua como encargo do ser humano, mesmo decaído. A criação será redimida. Enquanto isto não acontece, a criação geme e espera que os filhos de Deus se manifestem para que haja paz na terra, desejo expressos tantas vezes na Palavra de Deus que não podemos escapar para os céus e pôr lá toda a esperança. O escapismo deixa a terra à mercê dos destruidores. Deus não abandonou a terra por causa do pecado humano. Ele ainda ama a sua criação.

Precisamos ter a convicção que a questão ecológica jamais  será plenamente resolvida, por causa da queda. O fato de nem todos virem a aceitar Jesus como Senhor não nos deve desanimar no anúncio do Seu Evangelho para todos.

A redenção da terra e a redenção da humanidade não são tarefas separadas. Esta interdependência foi estabelecida por Deus (Romanos 8.19,21).

O modo como o homem trata a terra tem uma dimensão escatológica. Uma boa escatologia entende que não é tarefa do homem dar uma mãozinha para o que fim venha logo. Deus não precisa desta mãozinha. A volta de Jesus Cristo está encriptada na soberania de Deus, como mistério inalcançável e incontrolável.

Se salvação é reconciliação, os salvos precisam dar o fruto do Espírito, e um deles não é o egoísmo, a fonte do desequilíbrio no meio ambiente. Nossa missão maior, que é o anúncio de Jesus, deve incluir nosso compromisso de sermos sal da terra. Não é curioso: “sal da terra”?

TERMOS DE UM COMPROMISSO

Neste contexto, o nosso contexto, quero sugerir um compromisso amplo e claro, em termos bem pessoais: eu me comprometo a viver de modo ecologicamente saudável. Não importa que o grão que eu plante seja pequeno como um grão de mostarda; o meu grão eu semearei.

Um redimido por  Jesus Cristo não pode ser o destruidor da natureza, gesto que  desobedece a Palavra de Deus. “O homem tem responsabilidade para com seu irmão, bem como pelas plantas, pelos animais, pela terra e seus recursos, como administrador de Deus, que requer o uso responsável, sábio e moderado e o cuidado de tudo o que Ele estabeleceu. Eu sou o guardador do meu irmão, logo sou responsável pela minha terra com seus recursos, não somente para o presente mas também para as futuras gerações”. (Rowland Moss)

Fico feliz que, em geral, tenhamos melhorado em nossa consciência, mas temos muito ainda a crescer. Eu me lembro da minha infância, quando eu caçava passarinhos e ativava-o-pau-no-gato-te-o-tó a-te-mor-rer. O mundo mudou e eu mudei. Ainda não cheguei ao nível de compromisso de minha esposa, mas olho para trás e me alegro que, embora armado com um bodoque (estilingue), nunca tenha acertado um pássaro, nem invadido um ninho. Meu trauma com cachorros que me morderam na rua e me obrigaram a tomar injeções na barriga fui curado e hoje até ando com um pela rua.

Então, em termos práticos:

1. Eu me comprometo a cuidar da terra.

Sei que os recursos da terra são finitos e alguns não são renováveis. Sei que “nós não temos outra casa para morar coletivamente senão esta, o planeta Terra. Então temos que nos responsabilizar por ela, e assumir uma ética da permanente responsabilidade” (BOFF, Leonardo. Carta da Terra: É preciso cuidar da vida. Disponível em .)

O cuidado da terra, eu o recebo como um mandamento de Deus para mim. A terra é um jardim e eu vou plantar e eu vou regar.

2. Eu me comprometo a desfrutar da terra sem lhe causar dano.

Os cristãos devemos apreciar a maravilha da criação em que Deus nos colocou, sabendo que Deus a criou. Embora sejamos peregrinos nesta terra, somos convidados a viver intensamente e prazerosamente. À luz de uma vivência bíblica, não posso cantar:

“Passarinhos, belas flores, querem me encantar.

São vãos terrestres esplendores

Mas contemplo o meu lar”.

Diferentemente deste hino, sei que os recursos da terra são um dom de Deus para mim e é assim que vou usá-los. Eu me deixarei encantar pelos cantos dos passarinhos, desde que livres, e pelo perfume das belas flores.

Então, vou avaliar as minhas atitudes em relação aos recursos naturais, procurando me informar para ser mais conscientemente responsável. Não     quero ser um poluidor, não quero ser um destruidor, não quero ser um assassino, não quero ser um perdulário (gastador) dos recursos que Deus colocou sob minha administração. A solução da crise ambiental passa pela aceitação do senhorio de Jesus Cristo e inclui uma atitude responsável para com o meio ambiente por parte daqueles que o aceitam. A preocupação com a terra deve ser parte do testemunho com cristão.

Por isto, não vou desperdiçar água, no banheiro, no jardim, na calçada, na garagem. A água não é inesgotável. De toda a água da terra, 97% são água do mar; apenas 3% são água doce. Desses 3%, apenas 22.4% podem ser consumidas pelos seres humanos, embora nem toda seja potável. A propósito, 12% da água doce superficial da terra estão no Brasil. Fiquei sabendo que um banho de ducha por 15 minutos, com a torneira meio aberta, consome 243 litros, mas se eu fechar o registro enquanto me ensaboa, diminuindo o tempo de banho para 5 minutos, o consumo cai para 81 litros. É difícil mudar, mas vou me esforçar para usar a água como uma bênção de Deus e bênção de Deus não se desperdiça. Não quero pecar.

Não vou desperdiçar energia, seja elétrica ou de qualquer outra fonte. Não sairei de casa (ou do meu quarto) e deixarei a(s) luz(es) acesa(s). Não quero pecar.

Não vou descarregar na atmosfera o ozônio que eu puder não descarregar. Não quero pecar.

Não vou desperdiçar alimento, pondo no prato só que eu devo e posso comer, em casa ou no restaurante. Mesmo que possa pagar por mais que comida que devo, pagarei a que puder comer. No restaurante, a comida que sobrar levarei para casa ou para doar a alguém. Não quero pecar.

Não vou jogar lixo (copo, papel, garrafa, objetos) na rua, na praça, no parque, no ônibus, no trem, no rio ou na praia. Quero a calçada limpa para quem caminhar depois de mim. Quero o rio limpo para que as águas corram para outro rio ou para o mar. Quero a praia limpa para quem vier amanhã. Se tiver algum objeto que me sobre, vou doar para uma pessoa concreta; não vou joga-lo na rua. Não vou sujar o que puder não sujar, para que mais água não seja gasta para limpar o que já poderia estar limpo. Não quero pecar.

Não vou apertar a buzina do meu veículo, a menos que seja realmente necessário. Não vou poluir o ar com meus sons, sejam buzinadas, músicas ou gritos.

Não vou usar o papel como se ele não viesse de árvores derrubadas, porque sei que precisamos de sacrificar uma árvore para ter 62,5 quilos de celulose. Se puder, darei preferência a papel reciclado.

3. Eu me comprometo a transformar a terra, seguindo o projeto original de Deus.

A criação de Deus foi completa em si mesma. Ao mesmo tempo, Deus legou ao homem a capacidade de domesticá-la, no sentido de a tornar cada vez mais habitável. É por isto, por exemplo, que o homem constrói casas, estradas, pontes e túneis.

Nesta obra criadora humana. urge que o projeto divino não seja desrespeitado. Os limites que Deus pôs são meus limites.

4. Eu me comprometo a defender a terra contra quaisquer tipos de ataque.

Toda vez que o meio ambiente for maltratado, em claro desrespeito aos mandamentos de Deus, eu levantarei a minha voz em protesto. (PUBLIC Morals Committee of the Reformed Presbyterian Church of Ireland. The Christian and the Environment. Disponível em .)

Denunciarei o que precisa ser denunciado, como o maltrato a um animal numa rua ou num laboratório. Vou me empenhar pessoalmente, de modo coerente, para que haja equilíbrio no meio ambiente.

EXALTAÇÕES

Termino com uma seleção de exaltação ao Criador, mosaicada do livro dos Salmos (onde há 341 referências ao meio ambiente):

“Que a terra dê a sua colheita, e Deus, o nosso Deus, nos abençoe!”

(Salmo 67.6)

Deus “transforma os rios em deserto e as fontes em terra seca, faz da terra fértil um solo estéril, por causa da maldade dos seus moradores.

Transforma o deserto em açudes e a terra ressecada, em fontes.

Ali ele assenta os famintos, para fundarem uma cidade habitável, semearem lavouras, plantarem vinhas e colherem uma grande safra.

Ele os abençoa, e eles se multiplicam; e não deixa que os seus rebanhos diminuam”.

(Salmo 107.33-38)

“Tu abriste fontes e regatos; secaste rios perenes.

O dia é teu, e tua também é a noite; estabeleceste o sol e a lua.

Determinaste todas as fronteiras da terra; fizeste o verão e o inverno.”

(Salmo 74.15-17)

“Senhor, Senhor nosso, como é majestoso o teu nome em toda a terra! Tu, cuja glória é cantada nos céus.

Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que ali firmaste, pergunto: `Que é o homem, para que com ele te importes? E o filho do homem, para que com ele te preocupes?’

Tu o fizeste um pouco menor do que os seres celestiais e o coroaste de glória e de honra. Tu o fizeste dominar sobre as obras das tuas mãos; sob os seus pés tudo puseste: todos os rebanhos e manadas, e até os animais selvagens, as aves do céu, os peixes do mar e tudo o que percorre as veredas dos mares.

Senhor, Senhor nosso, como é majestoso o teu nome em toda a terra!”

(Salmo 8)

“Como é feliz aquele cujo auxílio é o Deus de Jacó, cuja esperança está no Senhor, no seu Deus, que fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há, e que mantém a sua fidelidade para sempre!” (Salmo 146.5-6)

“Cantem ao Senhor com ações de graças; ao som da harpa façam música para o nosso Deus. Ele cobre o céu de nuvens, concede chuvas à terra e faz crescer a relva nas colinas.

Ele dá alimento aos animais, e aos filhotes dos corvos quando gritam de fome.

Não é a força do cavalo que lhe dá satisfação, nem é a agilidade do homem que lhe agrada; o Senhor se agrada dos que o temem, dos que colocam sua esperança no seu amor leal.  

(Salmo 147.7-11)

“Louvem o Senhor, vocês que estão na terra, serpentes marinhas e todas as profundezas, relâmpagos e granizo, neve e neblina, vendavais que cumprem o que ele determina, todas as montanhas e colinas, árvores frutíferas e todos os cedros, todos os animais selvagens e os rebanhos domésticos, todos os demais seres vivos e as aves, reis da terra e todas as nações, todos os governantes e juízes da terra, moços e moças, velhos e crianças.

Louvem todos o nome do Senhor, pois somente o seu nome é exaltado; a sua majestade está acima da terra e dos céus”.

(Salmo 148.7-13)

“Bendito seja o seu glorioso nome para sempre; encha-se toda a terra da sua glória. Amém e amém”. (Salmo 72. 19)

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