MORTE: ATITUDES DIANTE DO INEVITÁVEL
Preparado para ser pregado na IB Itacuruçá, em 24.08.2003
1. INTRODUÇÃO
Comecemos por recordar que a morte é o último capítulo das biografias de todos os seres humanos. Eles podem viver muito ou pouco, mas morrerão, depois de terem vivido muito ou pouco.
O capítulo 5 de Gênesis resume as biografias de dezenas de pessoas, como Matusalém: Depois que gerou Lameque, Matusalém viveu 782 anos e gerou outros filhos e filhas. Viveu ao todo 969 anos e morreu (Gênesis 5.26-27).
Diante da inevitabilidade da morte, os homens não a desejam; antes, vêm, ao longo do tempo, modelando seus corpos, multiplicando os remédios e as técnicas médicas, seja para negá-la, seja para retardá-la. Negar a morte é gesto inútil e alienado, por mais que haja mais academias para o corpo do que livrarias para as mentes em nossas cidades. Retardá-la é um esforço legítimo, desde que se saiba que está uma batalha perdida. Desejá-la é atitude enferma, porque Deus pôs em nós o sentimento da eternidade (Eclesiastes 3.11).
2. NOSSA ATITUDE DIANTE DA INEVITABILIDADE DA MORTE
Já que a morte está aí, pronta para chegar em hora não sabida, eis o que devemos fazer:
2.1. Consideremos a morte como ela é: sofrimento, separação, saudade.
Morte é sofrimento duplo: para quem vai e para quem fica a dor é imensa.
Morte é separação real, para quem fica, e separação temida, para quem vai.
Morte é saudade, para quem fica.
Quanto pressentiu a morte, Jesus desejou não experimentá-la, por causa do sofrimento que a envolveria.
As realidades do sofrimento, da separação e da saudade não devem gerar em nós um sentimento de autopiedade (se acho que "todos devem ter pena de mim", estou me esquecendo que a vida continua)…
Viver pode ser sofrer:
Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem – não foi homem,
Só passou pela vida – não viveu.
(Francisco Otaviano)
2.2. Renunciemos ao sentimento de onipotência.
A morte faz parte da vida. Aceitar este fato não é conformismo, mas evidência de sabedoria. Sejamos mais humildes. A humildade é a lição dos sepulcros. Há alguns lindos, mas dentro deles não há vida…
Os fortes morrerão, como os fracos também morrerão. Na minha adolescência vi na parede uma flâmula com uma caveira encimando a seguinte frase: "todos acabaremos assim". Nunca me esqueci.
2.3. Aceitemos que Deus ainda está no controle.
Apesar da realidade da morte, a história tem um Senhor. Até os cabelos de nossas cabeças estão contados por Ele (Mateus 10.30).
Não se revolte contra Deus. O revoltado é aquele se rebela contra Ele (como se Ele fosse o culpado) questiona-o por ter determinado ou não evitado a morte.
2.4. Creiamos na ressurreição.
Se a morte é a sexta-feira da vida, a ressurreição é o domingo. Jesus foi assassinado numa sexta-feira, mas ressuscitado num domingo bem cedo.
O apóstolo Paulo mostra como Jesus Cristo matou a morte: Mas, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrito: "Tragada foi a morte na vitória" [da ressurreição de Jesus].
Onde está, o morte, a tua vitória? Onde está, o morte, o teu aguilhão?
O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei.
Mas graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo.
(1Coríntios 15.54-57)
2.5. Vivamos sem máscaras.
Relacionemo-nos com pessoas, não com máscaras. Relacionemo-nos como pessoas, não como máscaras. Os nossos papéis sociais são apenas papéis, nunca as nossas identidades.
2.6. Valorizemos a diversidade da vida que as gerações propiciam.
Os mais novos idades devem valorizar os mais velhos, porque a velhice é um ciclo que poderão alcançar. Eles têm muito a ensinar, embora não possam mais correr. Nem por isto podem ser desgastados.
Os mais velhos devem valorizar os mais novos, que estão chegando com a vida a pulsar; há muitos idosos que querem que os mais novos tenham os seus gostos e os seus hábitos. Ainda bem que não têm.
2.7. Curtamos as pessoas agora.
Elogiemos, cultivemos agora os nossos filhos, nossos pais, nossos amigos.
Não dê motivo para se sentir culpado quando o outro (pai, filho, cônjuge, neto, avô) se for. Muito da dor do luto vem da culpa de não ter curtido o vivo. Davi chorou a morte do filho Absalão (2Samuel 18.33), mas é possível que parte da sua dor tenha advindo de sua culpa pelo péssimo pai que foi.
Se um dia vamos mandar flores, que não seja no dia do funeral. Seja agora, como pede o poema de Myrthes Mathias, "Agora".
3. NOSSA ATITUDE DIANTE DA INEVITABILIDADE DA NOSSA MORTE.
Tendemos a viver como se não fôssemos morrer. Não importa o nosso comportamento: ela virá.
3.1. No plano da fé
. Afirmemos e celebremos a soberania de Deus. O Senhor dá a vida; o Senhor dirige a história. Deus é soberano quanto quebra as regras para nos deixar viver e quando mantém as regras que produzem a morte. Jó pôs os termos certos: "Nu saí do ventre de minha mãe, e nu tornarei para lá. O Senhor deu, e o Senhor tirou; bendito seja o nome do Senhor" (Jó 1.21).
. Recordemos que a morte virá, também para nós. Podemos e devemos cuidar de nossos corpos, coisa que nossa geração faz muito bem (como o prova o fato que temos mais academias de musculação do que livrarias para a mente), mas este cuidado não se pode tornar um culto do corpo vivo e uma negação da morte. Neste sentido, para pouco aproveita o exercício corporal (1Timóteo 4.2).
. Relembremos que a morte não é justa. Os justos não ficam para semente, nem os ímpios morrem mais cedo. A morte nasce para todos independentemente de quaisquer méritos. Não morrem sempre os mais velhos depois dos mais novos. Não morrem sempre os doentes à frente dos enfermos. Não morrem os que não têm nada para realizar, mas morrem os que estão no auge das realizações e no seu ocaso.
A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitece
e a gente nem soubesse
que era o fim…
(Mário Quintana)
. Afirmemos a esperança na ressurreição, mas não desejemos a morte. Não devemos temer a morte, porque ela não nos sepulta definitivamente, mas nos lança para uma nova vida. O apóstolo Paulo nos ensina que para nós a morte e a vida são boas, quando estamos com Cristo. Vivendo, estamos com Cristo. Mortos, estaremos com Cristo. Ele é o nosso modelo: ele mostrou como morreremos, como ressuscitaremos e como iremos para a presença do Pai. No entanto, isto não nos deve levar a desejar a morte. Mesmo que as nossas vidas estejam um vale de lágrimas, elas não são um vale de lágrimas. Deus nos pôs aqui para a viver a vida inteiramente até o fim, de preferência com qualidade. Em lugar de desistir da vida, invistamos na sua qualidade.
. Fruamos o presente como um presente de Deus para nós. Este é o nosso tempo. Ouço, às vezes, a expressão saudosista de alguns: "ah, no meu tempo!". Não concordo: o nosso tempo é hoje. Vivamos os nossos tempos como sendo os nossos tempos. Uma das formas de viver o presente é nos lembramos do nosso Criador. Os que se acham onipotentes não se lembram dAquele é onipotente. Por isto, lembremos do nosso Senhor, antes que se rompa o cordão de prata, e se quebre o copo de ouro, e se despedace o cântaro junto à fonte, e se quebre a roda junto ao poço, e o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu (Eclesiastes 12.1,67).
3.2. No plano prático:
. Procuremos não deixar ao desamparo os que vão ficar (especialmente cônjuges e filhos). Na medida do possível, providenciemos um seguro de vida, tenhamos sempre uma poupança, edifiquemos algum patrimônio, na medida de nossas possibilidades. Nossas vidas já farão muita falta. Que não façamos muita falta também materialmente.
. Procuremos adquirir, por exemplo, um plano funeral que torne menos dolorosos os momentos posteriores à notícia de nossa morte.
. Procuremos manter a vida sem pendências (sejam elas bancárias ou documentais). Sem obsessão, deixemos tudo organizado.
. Procuremos manter os cônjuges (ou parentes) bem informados. Conheci um casal, em que a esposa não sabia quanto o marido ganhava, nem onde tinha conta. As finanças dele eram um segredo. Esta é a postura errada.
4. NOSSA ATITUDE DIANTE DA PERDA DOS NOSSOS QUERIDOS
A experiência da morte de Lázaro (João 11) nos ajuda nos lega um bom roteiro para as nossas atitudes diante do falecimento de nossos queridos.
. Lutemos pela vida de nossos queridos.
Quando Lázaro ficou enfermo, suas irmãs, Marta e Maria, mandaram chamar Jesus (João 11.3). Foi esta a forma de lutarem pela vida do irmão. Eis o que devemos fazer sempre: lutar sempre para que nossos queridos vivam.
. Vinda a morte, fiquemos de luto.
Quando soube da morte de Lázaro, Jesus chorou (João 11.35). Suas irmãs choraram (João 11.33).
Não devemos ter vergonha de estar sofrendo, porque estamos sofrendo. Ensina-se, às vezes, que o cristão não pode chorar por um querido que parte. Essas pessoas querem ser mais fortes que Jesus. A vida eterna não apaga as lágrimas de hoje; só as de amanhã, só as da eternidade.
Ter vergonha de sofrer é sofrer duas vezes. Sofrer pela perda. Sofrer pela vergonha. Se acreditemos que Deus enxuga as lágrimas, choremos. Se não acreditamos, não choremos.
. Façamos as perguntas que quisermos fazer.
Marta e Maria questionaram a Jesus (João 11.21). Elas ficaram tristes com a demora de Jesus. Como eram amigas dele, talvez o tenham censurado.
Diante da morte, faz parte do processo de maturidade fazer todas as perguntas. Sabemos que as respostas não nos satisfarão, mas precisamos fazer as perguntas. Deus não se aborrece com as nossas perguntas.
Se vierem as respostas, façamos novas perguntas e partamos para um novo momento em nossas vidas. Se as respostas não vierem, continuemos perguntemos, mas não paremos de viver.
. Olhemos para a frente.
Morto o irmão, Marta procurou mostrar que ele estava morto, e que esta situação não podia ser revertida (João 11.39). Jesus reverteu aquela situação, ressuscitando Lázaro. Esperamos a mesma verdade, na eternidade, porque Jesus é a ressurreição e a vida (João 11.25).
Olhar para a frente é a atitude mais difícil na hora da perda. Sabemos que a vida continua, mas não queremos que ela continue. Precisamos de um tempo para nos recompor, mas este tempo não poder longo demais.
O luto não deve ser para sempre. Olhar para a frente é a melhor homenagem que podemos prestar àquele que perdemos. Olhar para a frente é confiar que Deus continua nos amando apesar da perda.
. Usemos a memória dos bons momentos a nosso favor.
Não nos esqueçamos daquilo que aquele que partiu significou para nós. Usemos as nossas lembranças, boas lembranças, felizes lembranças, a nosso favor. Agradeçamos a Deus pelos tempos bons. Peçamos a Deus para nos fortalecer nos tempos tristes da saudade.
. Tomemos atitudes que produzam vida, não mais morte.
Há muito que podemos fazer. Precisamos tomar a atitude de não morrer juntos.
— Por que não casar de novo, se a perda foi de um cônjuge? Abraão chorou profundamente a perda de sua Sara, mas se casou depois com Quetura.
— Por que não ter outro filho, mesmo que adotado, se este é um bom desejo?
— Por que não integrar um grupo, antigo ou novo, que fale de vida, não de morte?
— Por que não criar um fundo, havendo recursos, com o nome daquele que partiu, para perpetuar sua memória?
— Por que não se envolver mais ativamente no Reino de Deus por meio da igreja?
5. NOSSA ATITUDE PARA COM OS OUTROS QUE EXPERIMENTAM A PERDA DE PESSOAS QUERIDAS
As pessoas quer perderam um ser querido (pai, mãe, filho) precisam que as amparemos. Nosso apoio pode se manifestar em várias dimensões.
. Consolemos os enlutados.
Consolar é estar com quem está sozinho, fazendo-lhe companhia. Consolar é chorar junto. Consolar é abraçar. Consolar é acolher.
Devemos consolar não só na hora da perda, porque a perda é para sempre, e o consolo deve durar também. O nosso consolo não deve durar o nosso tempo, mas o tempo do outro.
O consolo não demanda necessariamente palavras. Os amigos de Jó foram perfeitos até abrirem as bocas. Aí começou a desgraça deles e do seu amigo. Para consolar, não precisamos explicar. Ao consolar, devemos tomar cuidado para não julgar, não pôr culpa, não tornar o ar ainda mais pesado.
Consolar é abraçar. Consolar é acolher.
. Compartilhemos a esperança.
Consolar é compartilhar a esperança. Sabemos que o nosso Redentor vive. E se Ele está vivo, nós viveremos. Não esperamos somente para esta vida, por mais que gostemos dela.
Jesus morreu para que tivéssemos esperança. É esta verdade em amor que devemos compartilhar, sempre em amor, para que nossas palavras não sejam um chicote, nem um julgamento.
. Ajudemos os que passam por os momentos de luto.
Consolar é oferecer ajuda concreta, que pode ir além do abraço, do choro, do culto fúnebre, do segurar a alça do caixão. Se tempos recursos e a pessoa precisa, emprestemos, doemos, ajudemos.
. Criemos oportunidades para a vida.
Consolar é criar oportunidades de vidas. Busquemos oportunidades (ministérios, viagens, grupos, jantares, livros) que sejam capazes de levantar a pessoa enlutada. Nem sempre é agradável conviver com uma pessoa que perdeu alguém, mas isto é o mínimo que podemos fazer.
5. CONCLUSÃO
Em tudo agradecemos a Deus que venceu a morte.