Efésios 6.1-3: Princípios bíblicos para a vida familiar…, 8 — DEVERES DOS FILHOS, 2

DEVERES DOS FILHOS, 2 (Efésios 6.1-3)

Há uma organização não governamental que tem uma interessante missão: “Dar assistência a crianças carentes portadoras do vírus da Adis, assistência social a pacientes adultos em tratamento na rede pública na cidade do Rio de Janeiro e difundir informações científicas sobre HIV/Aids além de esclarecimento de dúvidas para profissionais de saúde ou leigos”.
Eu me refiro à Sociedade Viva Cazuza, dirigida pela mãe do poeta, dona Lúcia (Maria Lúcia da Silva Araújo), e que tem outro objetivo também: “guardar o acervo do grande poeta e compositor Cazuza”. (As informações estão em www.vivacazuza.org.br)
Para honrar o filho, ela criou esta organização, como, segundo suas palavras, “uma tábua de salvação” para sua própria vida. Falo deste filho e desta mãe porque as vidas deles são públicas. Ela fala dele o tempo todo, para, segundo suas próprias palavras, “eternizar” sua vida, porque “o tempo não pára” (conforme uma das canções de Cazuza).
Enquanto ele vivia, ela tentou demovê-lo de sua vida. Depois que morreu, em 1990, ela decidiu tornar simbolicamente longa uma vida curta, criando e mantendo, entre outros projetos, uma casa de cuidado e integração de crianças com Aids.
Eu me congratulo com ela, por esta forma de conviver com a dor da perda de um filho jovem, que escolheu um caminho, que o levou à morte prematura.
Faltou a Cazuza honrar seus pais.
A obediência aos pais tem a ver com sabedoria. É sábio obedecer.
A honra aos pais tem a ver com sabedoria e caráter. É sábio honrar. É santo honrar.
Depois de aconselhar aos filhos a que obedeçam aos seus pais (“Filhos, obedeçam a seus pais no Senhor, pois isso é justo” — Efésios 6.1), o apóstolo Paulo acrescenta outro:
“Honra teu pai e tua mãe” — este é o primeiro mandamento com promessa — “para que tudo te corra bem e tenhas longa vida sobre a terra” (Efésios 6.2-3).
O escritor bíblico repete literalmente um dos dez mandamentos entregues por Deus a Moisés e transmitido por Moisés a nós, conforme lemos especificamente em Êxodo 20.12 (“Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá”) e Deuteronômio 5.16 (“Honra teu pai e tua mãe, como te ordenou o Senhor, o teu Deus, para que tenhas longa vida e tudo te vá bem na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá”). O Antigo Testamento, portanto, considera a honra aos pais como algo tão importante que a coloca nos Mandamentos Áureos e, num dos documentos, coloca-a junto com a guarda do sábado (“Respeite cada um de vocês a sua mãe e o seu pai, e guarde os meus sábados. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês”– Levítico 19.3) indicando a centralidade da sua importância”.
Jesus citou este quinto mandamento cinco vezes (Mateus 15.4, Mateus 19.19, Marcos 7.10, Marcos 10.19, Lucas 18.20).

No relacionamento com os pais (pai e mãe), Paulo mostra que é algo dinâmico, que deve ser fortalecido. Por isto, ele estabelece a qualidade deste relacionamento em forma de degraus.
O primeiro degrau é obediência (como já tratamos).
O segundo degrau é a honra (de que agora nos ocuparemos).

1. OS CONTORNOS DA HONRA AOS PAIS
Honra e obediência não são sinônimos. Na verdade, a honra antecede à obediência. Quem honra os pais obedece aos pais.
Dá para obedecer sem honrar, mas não dá para honrar sem obedecer.
Você pode obedecer, mesmo discordando, mesmo que enfurecido, mas não dá para honrar, senão com concordância e com alegria.
Obedecer é pouco, porque é algo externo. Honrar é o máximo, porque é algo interno. Honrar é uma decisão que leva a boas atitudes, inclusive a da obediência.

1.1. A honra da gratidão: filhos que honram aos pais são gratos pela provisão deles.
Os pais não são apenas provedores, mas são também provedores, sejam eles bons ou maus provedores, tenham sido eles bons ou maus provedores.
Esta gratidão se demonstra com palavras e com atitudes, em três direções.

Os filhos devem dizer aos seus pais que lhe são gratos. É raro um filho fazer isto quando seus pais estão vivos. Você tem dito a seus pais que é grato por eles acordarem cedo e trabalharem duro para que você tenha alimento na mesa, roupa no corpo, casa para dormir e outros acessórios?

Os filhos devem falar aos seus pais com respeito. Um filho que honra os seus pais nunca levanta a voz com eles. Maimônides (1135–1204), um sábio judeu espanhol, lembra que um filho não deve amaldiçoar seu pai ou sua mãe ou lançar pragas, nem se rebelar contra eles. Honre o seu pai, saudando-o com cortesia e alegria, abraçando-o e se deixando abraçar, beijando-o e se deixando beijar por ele.

Os filhos devem falar dos seus pais com respeito. É uma marca da natureza humana achar-se melhor que os outros; isto tende a acontecer, e é falta de honra, com sós filhos. Alguém em tom bem-humorado cunhou as frases que ilustram como os filhos homens tendem a pensar dos pais homens:

O QUE O FILHO PENSA DO PAI
Aos 7 anos:
Papai é grande. Sabe tudo!

Aos 14 anos:
Parece que papai se engana em certas coisas que diz…

Aos 20 anos:
Papai está um pouco atrasado em suas teorias; não são desta época…

Aos 25 anos:
O “coroa” não sabe nada… Está caducando, decididamente

Aos 35 anos:
Com minha experiência, meu pai seria, hoje, milionário…

Aos 45 anos:
Não sei se consulto o “velho”; talvez me pudesse aconselhar…

Aos 55 anos:
Que pena papai ter morrido; a verdade é que ele tinha idéias notáveis!

Não importa o que você acha do seu pai. Se você o honra, reconhece que ele “sabe das coisas”, mesmo que tenha estudado mais que ele, tenha mais dinheiro que ele, tenha mais saúde que ele.
Quando conversa com seus amigos, o que diz dos seus pais? Quer saber como? Veja o que seus amigos pensam dos seus (seus) pais? Como procedem quando os encontram? O que eles sabem dos seus pais é o que você diz deles a eles.

1.2. A honra da atenção: filhos que honram aos pais dão-lhes o devido lugar como seus orientadores para a vida.
Vou logo a Provérbios e tiro três conselhos, entre vários:
. “Ouça, meu filho, a instrução de seu pai e não despreze o ensino de sua mãe” (Provérbios 1.8).
. “O filho sábio acolhe a instrução do pai, mas o zombador não ouve a repreensão” (Provérbios 13.1).
. “Os olhos de quem zomba do pai, e, zombando, nega obediência à mãe, serão arrancados pelos corvos do vale, e serão devorados pelos filhotes do abutre” (Provérbios 30.17).
Achou esta última forte demais? Olhe, por exemplo, para seus colegas que entraram para dependência das drogas ou do álcool; seus pais o aconselharam a seguir por este perigoso caminho? Que são os traficantes senão corvos? Que é tráfico senão um abutre?
Honrar é considerar os sentimentos dos pais e as idéias dos pais. Honrar é sentar-se diante dele (seja numa cadeira, ao telefone ou no MSN) para ouvir deles e aprender com eles. É burro o filho que não ouve os pais.
Os pais são os conselheiros dos filhos. Jogar fora este conselho não é atitude de gente inteligente. Uma forma de desonrar os pais é considerar a opinião dos seus colegas como melhores que as dos pais. Os colegas devem ser ouvidos; suas falas devem ser checadas com as dos pais; se não houver conciliação, quem honra os pais lhes dá preferência, mesmo que esteja em dúvida. Os pais são os únicos cujo interesse máximo é o bem-estar dos filhos. Os colegas, não têm este interesse. Os chefes, não visam este “lucro”.
Mesmo quando os pais estão equivocados, eles devem ser honrados. Meus pais me proibiam de ir ao cinema. Porque eu os honrava, eu os obedeci enquanto estive na casa deles. Quando comecei a morar sozinho, um ano depois comecei a ver filmes no cinema. O que eu perdi nos 19 anos anteriores? Não perdi nada.
Meu pai me proibia ir a estádios de futebol. Não guardei ressentimento, embora nunca fosse vascaíno com ele; eu me tornei botafoguense vendo televisão de longe numa casa vizinha. Depois, ele mesmo me levou ao Maracanã. Que perdi não indo a estádios? Não perdi nada. Meu pai achava que não era seguro; só posso agradecer por seu amor, manifesto também quando revisou seus conceitos e me levou ao maior estádio do mundo para ver a seleção brasileira.

1.2. A honra do cuidado: filhos que honram pais cuidam deles, até à velhice
Filhos que honram seus pais opinam sobre as vidas deles, chamando carinhosa e respeitosamente sua atenção quando acham que estão errados.
Filhos que honram seus pais não os exploram financeiramente ao ponto de os levar à exaustão para atenderem desejos transformados em necessidades
Filhos que honram seus pais provêem condições para que eles tenham uma velhice com qualidade. Há pais que, por falta de recursos ou por teimosia, não têm planos de saúde. Os filhos, por sabedoria, devem insistir para que tenham um plano de saúde; se não podem, devem se responsabilizar (cotizando-se ou não) por estes planos. Não é algo fácil porque a idade vai nos tornando mais teimosos. Os filhos, por sabedoria, devem fazer um plano visando os funerais dos seus pais. Sei que este não é um assunto agradável; a morte não é agradável, mas é certa. Então precisamos nos preparar para ela; já que não podemos nos preparar emocionalmente (ninguém se prepara para uma perda), podemos nos preparar materialmente, para não sermos surpreendidos por despesas que não podemos fazer como filhos ou por situações que não nos permitam enterrar de modo digno os nossos pais.

2. A NATUREZA DA PROMESSA
Quem lê os Dez Mandamentos (tanto em Êxodo 20 quanto em Deuteronômio 5) nota que há uma promessa no segundo (“Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor, o teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, mas trato com bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem aos meus mandamentos” (Êxodo 20.3-6). No entanto, esta é uma promessa genérica relacionada à obediência aos mandamentos; a honra aos pais, contudo, contém uma promessa específica decorrente da honra. Neste sentido, pode-se dizer que a honra aos pais é o único que contém uma promessa para quem o pratica.
E que promessa é esta?
Ela foi formulada no contexto da terra de Canaã a ser conquistada e colonizada. Aplica-se a nós? O Espírito Santo não a deixou no Antigo Testamento; repetiu-a no Novo, pela boca de Jesus, pela pena de Paulo.
Por que este mandamento vem com uma promessa? É fácil obedecer aos pais, mas é difícil honrá-los. Fácil é, para os filhos, seguir suas próprias cabeças; difícil é curvar-se diante da experiência dos pais, aceitando-a como melhor. Sedutor é, para os filhos, seguir a cabeça dos seus amigos ou dos meios de comunicação; difícil é resistir aos convites que vêm dos lados para  ficar com as palavras que saem dos lábios dos pais, saboreando-as como palavras de vida.
Quem honra os pais é obediente e sábio; os pais são mais experientes e sabem mais das ameaças e das oportunidades que os filhos. Quem honra os pais tem inteligência e caráter; enreda-se menos nas teias do pecado.
Quem honra os pais e quer muito algo que eles não querem negocia com eles. Não os convencendo, honra-os, obedecendo-os.
Assim, por exemplo, você, filho, quer fazer uma tatuagem ou colocar um piercing, mas seus pais não querem. Para honrá-los, negocie com eles. Se eles toparem, ótimo. Se não concordarem, não faça a tatuagem ou não coloque o piercing. Agrade aos seus pais.
Você namora uma menina. Seus pais não gostam do seu namoro. Você tenta lhes mostrar que a garota é legal, que o namoro é legal, e os convence. Que bom. Se não os convencer, honre-os. Saia desta vida.
Você anda com um grupo; seus pais estão nervosos com isto. Mostre que sua amizade não lhe faz mal. Leve-os a conhecer o grupo. Se ainda assim essa amizade traz tristeza aos seus pais, honre-os, procurando outra turma.
Cazuza não desfrutou da promessa da honra aos pais. Há uma promessa para quem honra aos pais, promessa de vida longa, não vida interrompida por decisões erradas, por atitudes que poderiam ser evitadas, se os pais fossem honrados. Há uma promessa para quem honra aos pais, promessa de vida com paz, não vida com mentiras, não vida na corda bamba dos perigos desnecessários, se os pais fossem honrados.

CONCLUSÃO
Termino com uma palavra mais ampla: pais, vivam de tal modo que sejam dignos da honra dos seus filhos, amando-os, dirigindo-os, cuidando deles.
Filhos, honrem seus pais, achem-nos vocês dignos ou não de serem honrados. Não percam a promessa que Deus lhes deixou junto com o mandamento.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO