Daniel 9: ALÉM DA VERGONHA

ALÉM DA VERGONHA
Daniel 9

(4) Orei ao Senhor, o meu Deus, e confessei:
“Oh Senhor, Deus grande e temível, que manténs a tua aliança de amor com todos aqueles que te amam e obedecem aos teus mandamentos, (5) nós temos cometido pecado e somos culpados. Temos sido ímpios e rebeldes e nos afastamos dos teus mandamentos e das tuas leis. (6) Não demos ouvido aos teus servos, os profetas, que falaram em teu nome aos nossos reis, aos nossos líderes e aos nossos antepassados, e a todo o teu povo.
(7) Senhor, tu és justo, e hoje estamos envergonhados. Sim, nós, o povo de Judá, de Jerusalém e de todo o Israel, tanto os que estão perto como os que estão distantes, em todas as terras pelas quais nos espalhaste por causa de nossa infidelidade para contigo.
(8) Oh Senhor, nós e nossos reis, nossos líderes e nossos antepassados estamos envergonhados por termos pecado contra ti. (9) O Senhor nosso Deus é misericordioso e perdoador, apesar de termos sido rebeldes; (10) não te demos ouvidos, Senhor nosso Deus, nem obedecemos às leis que nos deste por meio dos teus servos, os profetas. (11) Todo o Israel transgrediu a tua lei e se desviou, recusando-se a te ouvir.Por isso as maldições e as pragas escritas na Lei de Moisés, servo de Deus, têm sido derramadas sobre nós, porque pecamos contra ti. (12) Cumpriste a palavra proferida contra nós e contra os nossos governantes, trazendo-nos grande desgraça. Debaixo de todo o céu jamais se fez algo como o que foi feito a Jerusalém.
(13) Conforme está escrito na Lei de Moisés, toda essa desgraça nos atingiu, e ainda assim não temos buscado o favor do Senhor, o nosso Deus, afastando-nos de nossas maldades e obedecendo à tua verdade. (14) O Senhor não hesitou em trazer desgraça sobre nós, pois o Senhor, o nosso Deus, é justo em tudo o que faz; ainda assim nós não lhe temos dado atenção. (15) Oh Senhor nosso Deus, que tiraste o teu povo do Egito com mão poderosa e que fizeste para ti um nome que permanece até hoje, nós temos cometido pecado e somos culpados.
(16) Agora Senhor, conforme todos os teus feitos justos, afasta de Jerusalém, da tua cidade, do teu santo monte, a tua ira e a tua indignação. Os nossos pecados e as iniqüidades de nossos antepassados fizeram de Jerusalém e do teu povo objeto de zombaria para todos os que nos rodeiam. (17) Ouve, nosso Deus, as orações e as súplicas do teu servo. Por amor de ti, Senhor, olha com bondade parac o teu santuário abandonado. (18) Inclina os teus ouvidos, oh Deus, e ouve; abre os teus olhos e vê a desolação da cidade que leva o teu nome. Não te fazemos pedidos por sermos justos, mas por causa da tua grande misericórdia.
(19) Senhor, ouve! Senhor, perdoa! Senhor, vê e age! Por amor de ti, meu Deus, não te demores, pois a tua cidade e o teu povo levam o teu nome”.

Estamos diante de um profeta envergonhado. Daniel olha para a sua cidade e para a sua nação e cora de vergonha. É como se dissesse, como escreveu o historiador brasileiro João Capistrano de Abreu (1853-1927):
“Art. 1º – Todo brasileiro deve ter vergonha na cara.
Parágrafo único: Revogam-se as disposições em contrário.”

Na oração de Daniel, oração sincera, profunda e verdadeira, que não tem vergonha de confessar a sua aflição e o seu próprio erro para o mal da sua nação.

1. Deus faz conosco uma aliança para a construção de uma terra justa (verso 4).
Uma nação justa é uma tarefa para homens e mulheres justos.

2. Não temos uma nação justa porque não somos justos (versos 5-7).
Nossos profetas (pregadores) não estão falando da justiça, porque, seduzidos, estão mais interessados em benefícios para si ou para suas organizações. Falta aos nossos profetas o sentido da profecia.
Nossos governantes não estão praticando a justiça, porque estão mais interessados em benefícios para si e seus amigos. Faltam à maioria projetos realmente bons e de longo prazo. Política para eles é a busca do bem comum… a eles.
Nosso povo não tem praticado a justiça. Embora grite (e grita pouco), tem traves nos próprios olhos, ao condenar o que faz. Não temos seguido os mandamentos de Deus, que são justos.
A partir do livro bíblico de Lamentações, anoto os meus LAMENTOS.

1
“Como está deserta a cidade,
antes tão cheia de gente!”
(Lamentações 1.1)

Quero de volta a minha cidade um dia sorridente,
cheia de gente em toda praça e em toda esquina,
borbulhando de crianças correndo para baixo e para cima
coalhada de colegiais encostados nos muros em frente.
Não quero esta cidade pelo tráfico controlada.
Não quero esta cidade pela corrupção construída.
Não quero esta cidade pelo desespero possuída.
Não quero esta cidade pelo medo comprada.

2
“É por isso que eu choro”.
(Lamentações 1.16)

Choro quando vejo que em nossa cidade
nos foi roubada, com a violência, a liberdade.
Choro quando vejo uma pessoa desconhecida
perder, por causa de um celular ou carro, a sua vida.
Choro porque, sendo tanta a maldade,
ela nos vai acompanhar pela eternidade.
Choro porque, além de chorar, chorar, chorar
é como se pudéssemos apenas chorar, chorar, chorar.

3
“Levante-se, grite no meio da noite,
quando começam as vigílias noturnas;
derrame o seu coração como água na presença do Senhor.
Levante para ele as mãos em favor da vida de seus filhos.”
(Lamentações 2.19)

Não, Senhor, não são noturnas as vigílias,
não há manhãs, nem tardes tranqüilas:
Tenho que tecer o tempo em total tensão.
É por isto que derramo em Ti o meu coração,
por mim e também por nossos filhos e filhas,
que querem trabalhar mas só encontram estágios
que querem brincar sem aguardar maus presságios
A Ti levanto a minha mão, confiante na tua promessa
cuja realização, sei com fé, nada há que impeça.

Repito o que escrevei em outro momento cívico:
“Choro de indignação contra aqueles que deveriam fazer tudo o que podem, mas só fazem para si mesmo. Esta é a nossa maior vergonha.
Choro de indignação contra aqueles que levantam bandeiras, mas seus mastros estão furados, embora envernizados; são bandeiras, mas bandeiras sem mãos limpas que as levantem. Esta é a nossa maior decepção. (Ouço de novo o discurso de Jesus, quando chamou a algumas pessoas de “sepulcros caiados”, bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. Por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade” — Mateus 23.27-28).
Choro de indignação contra aqueles que não investem em educação (deixando ir as crianças, em lugar de as fazerem vir, como manda Jesus Cristo) o que determina a Constituição em vigor e que ainda não conseguiram mudar. Este é a nossa maior estupidez.
Choro de indignação contra aqueles que não vêem os corpos brasileiros estendidos nos corredores das emergências dos hospitais públicos, num cenário típico do livro bíblico das Lamentações. Este é o nosso maior crime.
Choro de indignação contra aqueles que cortam aos jovens o direito de sonhar por lhes faltarem oportunidades para porem em prática o que aprenderam. Este é o nosso maior equívoco. (Ah se não fosse a promessa bíblica de que os jovens são fortes e podem vencer o mundo, como Jesus venceu!)”

3. Precisamos todos nos arrepender (versos 8-15).
Entre as coisas que aprecio nesta oração é que Daniel nunca se exclui. Ele conclama povo, profetas e políticos ao arrependimento, começando por ele mesmo.
Precisamos nos envergonhar da nação que somos.
Precisamos nos envergonhar de como votamos e como acompanhamos os homens e mulheres que elegemos.
Precisamos nos envergonhar dos deveres que não cumprimos, embora critiquemos a mesma atitude nos outros.
Precisamos nos envergonhar do desvio que tentamos cometer, ao acusarmos os outros, para que não tenhamos, nós mesmos, que pedir perdão. Denunciar não pode ser apenas um espetáculo.
Precisamos nos envergonhar de nosso presente. Precisamos nos envergonhar de nosso passado.
Nosso pecado é local e nacional, sistêmico e endêmico. Entre nós, a corrupção, por exemplo, é pandêmica. Do mais pobre ao mais rico só não rouba quem não pode ou quem tem vergonha na cara.
Enquanto não nos arrependermos, pagaremos o preço por nossos pecados.

4. Devemos orar por nosso país (verso 16-19).
Nossa oração não se baseia em nossa bondade, mas na bondade de Deus. Como ora Daniel, “Não te fazemos pedidos por sermos justos, mas por causa da tua grande misericórdia” (verso 18).
A oração é a primeira atitude. Não é a única, mas a primeira. Com ela, dizemos que confiamos em Deus para, entre tantas coisas, nos ajudar a entender o que precisamos fazer.
Na verdade, sendo sinceros, não sabemos bem o que fazer para estancar a corrupção, a criminalidade e a desigualdade. Precisamos que Deus nos oriente. Não há soluções à vista.
Então, canto como o poeta bíblico:

“Nossos olhos estão cansados
de buscar ajuda em vão”.
(Lamentações 4.17)

Quem busca na política busca em vão,
mas a política é a via para a vida em comunidade.
Quem busca nos homens busca em vão
mas Deus usa homens como canais de felicidade.
Com coragem, que treme, apresento-me então
para servir a Deus com toda a disponibilidade.
(LAMENTO 6)

DECÁLOGO CÍVICO
Termino com uma sugestão de um DECÁLOGO CÍVICO, porque preciso orar e viver as conseqüências da oração.

1. Viverei segundo princípios, mesmo que esta fidelidade me traga prejuízos e contrarie os meus interesses.
2. Lutarei com todas as minhas forças para preservar meus direitos e com a mesma intensidade lutarei para cumprir os meus deveres.
3. Serei duro com o meu voto, antes, durante e depois das eleições, jamais abrindo mão de minha consciência crítica.
4. Participarei de grupos e movimentos cujos objetivos sejam a promoção do bem comum.
5. Orarei pelas autoridades e vigiarei permanentemente por sua conduta pessoal e pública.
6. Não (me) corromperei, mesmo que os benefícios sejam altos, os riscos sejam pequenos, e tenha a impressão que todos ao meu redor o façam. Para tanto, cuidarei para não me deixar reger pela falta de ética circundante, porque a corrupção é como uma serpente de muitas cabeças: furto, roubo, pirataria, sonegação.
7. Respeitarei os sinais de trânsito, mesmo que com eles eu não concorde e mesmo que me atrasem, exceto nos casos de ameaça real à integridade física por causa de assaltos.
8. Serei cortês no meu trato com os outros, de modo a contribuir para que meu país seja um lugar aprazível para se viver.
9.  Preservarei o meio ambiente. Logo: não desperdiçarei água, nem alimento. Não sujarei as ruas. Não farei na rua o que só devo fazer em casa.
10. Darei o devido valor ao Brasil, falando corretamente nosso idioma, preservando e visitando nossas belezas naturais, enaltecendo seus símbolos (como o Hino Nacional e a Bandeira do Brasil).

ISRAEL BELO DE AZEVEDO