Efésios 6.4: DEVERES DOS PAIS, 1

Princípios bíblicos para a vida familiar…, 9 (Efésios 5.21-6.4)
DEVERES DOS PAIS, 1 (Efésios 6.4)
(Preparado para ser pregado em 14.10.2007)

Pais, não irritem seus filhos; antes criem-nos segundo a instrução e o conselho do Senhor (Efésios 6.4).

Ler esta recomendação paulina nos soa como um ideal tranqüilo, para nós que amamos nossos filhos. No entanto, nem sempre foi assim na história da humanidade.

DO INFANTICÍDIO AO AMOR
Um pesquisador (Lloyd deMause) mostrou que antes de o amor pelos filhos se tornar um ideal, houve outros ideais. No primeiro estágio da criação de filhos, que chegou ao período do surgimento do Cristianismo, o infanticídio era universalmente aceito, bem como o molestamento sexual deles por seus pais.
No segundo estágio, comum ao tempo do Novo Testamento, as crianças rejeitadas podiam ser abandonadas em praça pública, para serem adotadas como escravas. Foi por isto que um cristão protestou, escrevendo: Os cristãos “casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos” (Epístola a Digoneto).
Mais tarde, a criança passou a ser vista como um indivíduo e começaram a surgir uma legislação de proteção dos seus direitos, que passam a ser reconhecidos. Pouco depois, a criança passou a ser pensada como uma pessoa livre. Só no século 20, passou-se a considerar que a criança tem seus próprios objetivos próprios de seu estágio de vida, podendo explorar suas habilidades próprias. Só, portanto, muito recentemente os pais começaram a ajudar seus filhos a satisfazer suas necessidades. “A criança deve se sentir amada incondicionalmente, sendo invioláveis pelo adulto sua integridade pessoal, seu espaço físico e sua sexualidade”. DeMause, Lloyd. The Evolution of Childrearing Modes. Disponível em <http://www.geocities.com/kidhistory/modesw.htm>.
Penso na história e me recordo que, um dia destes encontrei uma menininha no seu carrinho de bebê. Tinha na mão um DVD sem capa de que ela gostava muito, mas estava chorosa. Perguntei por que. Seu pai me disse que ela queria pão, que o pai carregava numa sacola de padaria. “Ela gosta muito de pão” — disse-me ele. Então, fez uma troca: pegou o CD e lhe deu um pedaço de pão. E continuamos nossos caminhos.
Ao lhe dar o pão, certamente aquele pai deixou de irritar sua filha. Terá ele sido fiel à recomendação paulina?
Na mesma semana deste encontro, li o resultado de duas pesquisas sobre a família brasileira. Uma procurava perceber as relações entre o brincar e o desenvolvimento das crianças brasileiras. Os pesquisadores partiram do pressuposto que brincar é essencial para o desenvolvimento da criança e não é apenas uma forma de diversão. No entanto, notaram que só 14% dos pais acham que a brincadeira é um aliado importante no desenvolvimento infantil. Talvez por isto só 22% deles gostam de passear com eles, atrás de atividades como ver televisão e ouvir música. COLLUCCI, Cláudia. Pais preferem TV a brincar com filhos, diz estudo. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1210200721.htm>.
A segunda pesquisa, realizada com 2093 pessoas em todo o país, procurou retratar a família brasileira em 2007 comparativamente à realidade encontrada dez anos antes. Eis alguns dados, para o nosso caso:
. Os brasileiros têm em média 2,7 filhos por família.
. Entre os pais, 40% já bateram nos filhos, contra 71% das mães.
. Dos casais, 14% não têm filhos.
. Um terço dos jovens convive com a separação dos seus pais.
. Na relação maternidade e trabalho, 59% não concordam que a mulher deve deixar de trabalhar para cuidar dos filhos.
. Quanto aos valores, há dez anos as instituições mais importantes eram, pela ordem: família (61%), estudo (61%), trabalho (38%), religião (38%), lazer (38%), dinheiro (36%) e casamento (31%). A ordem em 2007 pouco se alterou, mas cresceu a importância atribuída à religião (45%). Pesquisa realizada pelo DataFolha. Revista “Família brasileira”. Folha de S. Paulo, de 7.10.2007. 74p. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/revistafamilia/inde07102007.htm>.

A PERMANÊNCIA DE UM IDEAL
Neste contexto, os deveres dos pais vão também encontrando outros contornos, nem sempre fáceis de ser esculpidos. Quanto volto ao apóstolo Paulo, vejo que o ideal continua lá, como está também em outra carta:

“Pais, não irritem seus filhos, para que eles não desanimem” (Colossenses 3.21).

Leio a recomendação paulina para os pais sobre seus filhos e me enterneço com sua sabedoria, que só pode ser divinamente inspirada, porque a sabedoria romana vigente era completamente diferente.
Ao tempo em que os leitores de Éfeso receberam as instruções paulinas, predominava o direito do paterfamilias (pai de família). Por esse estatuto, um pai tinha poder absoluto sobre sua casa e seus filhos, podendo legalmente repudiá-los, vendê-los como escravos e até mesmo matá-los. O infanticídio era comum.
Enquanto o pai estivesse vive, um filho não poderia possuir nada; tudo o que ganhasse ou comprasse era do seu pai. Quando se casasse, precisava contar com um pecúlio do pai para sustentar sua própria casa.
Quando um bebê nascia, a mãe o colocava no chão; se o pai o pegasse no colo, era aceito na família. Se o pai não o pegasse (como acontecia quando sofria de alguma deficiência), o bebê era exposto em algum lugar público, onde seria tomado e transformado em escravo.
Por diversos fatores, um quarto (25%) dos bebês não sobrevivia ao primeiro ano; metade não chegava aos dez anos de idade. Hoje no mundo a média é de 50 mortes por mil (ou 0,05%), enquanto no Brasil é de 22 por mil (ou 0,2%), um índice que poderia ser menor.

Então, volto a ler o imperativo paulino, agora em outra versão:

“Pais, não enfureçam seus filhos, magoando-os. Tomem-nos pelas mãos, para levá-los pelo caminho do Senhor”. (A mensagem, de Eugene Peterson)

Vejo como ela ecoa o comando mosaico.

“Ouça, oh Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor. Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças. Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração. Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar. Amarre-as como um sinal nos braços e prenda-as na testa. Escreva-as nos batentes das portas de sua casa e em seus portõe”s. (Deuteronômio 6.4-9).

É como se Deus, por Moisés e por Paulo, nos dissesse: pai é fundamental na formação do(s) seu(s) filhos. É como se dissesse aos pais: tornem a criação de seu(s) filho(s) algo que dê prazer aos dois. Se um pai quer ser autoritário, mas não use a Bíblia em busca de autorização para o seu gesto. Nela o que encontramos é o dever do amor aos filhos.

Escrevendo aos efésios, Paulo apresenta o mandamento sob uma forma negativa e sob uma forma positiva. Positivamente, ele diz: criem [seus filhos] segundo a instrução e o conselho do Senhor. Negativamente, ele adverte: Pais, não irritem seus filhos.
Paulo prossegue sua argumentação sobre a vida familiar. Espera que os filhos obedeçam a seus pais (versos 1-3). Espera-se também que os pais não provoquem seus filhos, levando-as à desobediência. As crianças são pessoas, que não devem ser manipuladas, exploradas ou massacradas.

PARA QUE OS PAIS SE LEMBREM
Antes de considerar as formas que a irritação pode  tomar, preciso fazer alguns lembretes aos pais, para que não irritem seus filhos:

1. A paternidade não termina com o nascimento; na verdade, começa.
Ser pai é gerar e continua gerando. O problema de nossa sociedade não são os filhos, mas os pais, especialmente quando parecem esquecer que todos os seus gestos e cada uma de sua palavra educam seu(s) filho(s). Todas as suas ações ensinam; todas as suas opiniões ficam guardadas.
Pais: não transfiram responsabilidades, seja para os avós, seja para a igreja, seja para a escolha, seja para a TV. Vocês serão pais sempre, mesmo que seus filhos não morem mais em sua casa.

2. Os filhos tenderão a ser o que os pais são.
Não sabemos tudo sobre como se forma o caráter de uma criança, mas o pouco que sabemos é suficiente para nos dar a certeza que seus pais desempenham um papel central na sua formação. O meio é essencial no crescimento de uma igreja, e seus pais são o seu meio mais próximo e mais presente.
Se é assim, os pais devem tomar cuidados para que seu(s) filho(s) não lhes reproduzam as mazelas, aprendidas no ensino informal, que é o convívio em casa.
Em outras palavras, a primeira tarefa dos pais é reconhecer que estão educando sempre.
A segunda é fazer uma auto-avaliação. E aqui há muitos problemas, porque há pais que não se percebem como são.
Vou mencionar alguns comportamento negativos altamente aprendíveis.

. o uso da força. Se um filho vê seu pai “apelando para a ignorância” para resolver, do seu jeito, os conflitos, tenderá a aprender que este é o ideal que deve buscar nos seus relacionamentos. Os pais devem avaliar se têm procedido assim. Se queremos filhos diferentes do que são, precisam mudar de comportamento e, tendo já mudado ou não, conversar com seus filhos, para mostrar o caminho mais excelente: o do diálogo, inimigo de toda forma de autoritarismo e de machismo.

. a subserviência ao egoísmo. Se um filho convive com um pai que só pensa em si (do tipo “farinha pouca, meu pirão primeiro”), receberá o egoísmo como um padrão a ser seguido. Seu “herói” procedia assim: por que fará diferente? Se não vê altruísmo, generosidade, desprendimento, hospitalidade, vai aprender com quem? Sua família não recebe ninguém em casa; quando tiver a sua, talvez não venha receber ninguém também. Sua família de hoje nunca ajuda a ninguém; a sua, quando a tiver, tenderá a não ajudar a ninguém, de igual modo. Os pais precisam se converter à generosidade, se não querem um mundo melhor, a partir dos seus filhos.

. a escravidão à maledicência. Se na sua casa falam mal de todos o tempo todo, como o filho vai aprender que a língua é capaz de incendiar uma floresta (Tiago 3.5)? Os pais precisam se exercitar nesta área, em busca de um padrão bom, capaz de vencer gerações.

. o escorregão da mentira. Os pais podem ser campeões sobre o valor da verdade, mas as mentiras que proferirem falarão mais forte que suas verdades. Um “diga que não estou” quando o telefone tocar jamais será esquecido. Um atravessar a rua para não se encontrar com um conhecido ecoará pelas décadas de vida do filho. Um sorriso para uma pessoa de quem se falou horrores em casa marcará para sempre a vida de um filho. Uma infidelidade será um veneno que vai matar o filho, que tenderá a ser igual. Um pai não pode mentir. Se o filho o perceber, ficará decepcionado. Se o filho não o perceber, vai reproduzi-lo com seu padrão. Se você é um pai que mente, saiba que seu filho está anotando, para lhe reproduzir. Se você é um pai que mente, pare de mentir.

. uma atitude marcada por uma auto-estima baixa. Pais emocionalmente fortes tendem a influenciar positivamente. Pais emocionalmente fracos tendem a influenciar negativamente. Construa em casa um ambiente sadio. Que sua casa não seja o território dos convencidos, dos que se acham sempre os melhores. Que sua casa não seja o território dos derrotados, dos que acham que não valem nada. A começar por você, pai, veja-se como Deus o vê: um amado por Ele. Seu filho tenderá a se ver assim também.

. o equivoco do desinteresse pelo Reino de Deus. Que lugar Deus ocupa em sua casa? Há muitos pais que choram porque não desenvolveram práticas de natureza espiritual em casa, que devem começar muito cedo, com histórias bíblicas e orações no berço, mesmo que não sejam entendidas. Que lugar a Bíblia e a oração ocupa na sua casa. Você quer que seu fiolho leia a Bíblia e ele tem visto você lendo a Bíblia. Você quer que seu filho seja uma pessoa de oração, mas ele não o vê orando. O que espera que aconteça com ele: algo diferente do que acontece com você. Que lugar a igreja ocupa em sua casa? Você conversa durante o culto, mas quer que seu filho fique bem comportado. Você fica do lado de fora, mas quer que ele, quando for junior ou adolescente, fique no santuário? O que você faz na igreja é o que o seu filho tenderá a fazer. Como você tem sido está bom? Você tem buscado o Reino de Deus em primeiro lugar? Se sim, pode ser que seu filho não o imite, mas você fez a sua parte. Se não e seu filho o reproduzir, será sua a responsabilidade.

É evidente que, em alguns casos, esses comportamentos podem gerar atitudes opostas nos filhos, seja por um mecanismo de reação, seja por um dom da graça. No entanto, dê modelos que valem a pena ser imitados, caso o sejam.

3. As crianças são diferentes dos adultos. Seu universo é essencialmente lúdico; o dos pais é essencialmente fabril.
Os pais não devem se infantilizar, falando com as crianças como se fossem crianças. As crianças não devem ter um crescimento acelerado, nem devem se parecer com adultos. A consciência crítica da criança está em formação, segundo seu nível de compreensão, e não se deve esperar dela um vocabulário e um raciocínio adultos.
Essa diferença ajuda numa outra área bem distinta. Quem tem filhos menores, tomam o cuidado de não falar mal da igreja para eles. Depois, quando são adolescentes e jovens, você acha que já são maduros para ouvir sobre os defeitos do pastor, sobre a hipocrisia de um determinado irmão, sobre sua discordância com esta ou aquela prática na igreja. Você está errado; eles não são maduros para isto. Talvez queiram mesmo sair da igreja e  agradecem a munição que você lhes dá, mesmo quando vêm ao culto; não vêm, mas sabem, por você, que o coro ou o grupo vocal desafinou, que o pastor não preparou o sermão, que o irmão fulano brigou no estacionamento… Você não diz quantas pessoas se consagraram ao Senhor, que isto não dá ibope; que a Ceia do Senhor foi emocionante, que isto não provoca outras perguntas; que muitos foram à frente agradecer dons de Deus na sua vida, que isto não é interessante… Pais, seus filhos não têm a maturidade que vocês imaginam. Não os ponham para fora da igreja com suas críticas.

4. Seu filho não pediu para nascer; logo, você não lhe faz um favor.
O convite é evidente: sacrifique-se por seu filho. Coma menos, para ele comer mais. Trabalhe mais ou trabalhe menos, conforme for o caso, para dar mais conforto ou mais atenção a ele. Durma menos para que ele durma mais. Ajoelhe mais, para que seja mais guardado do mal.
Sacrifique-se por seu filho, não se separando do seu cônjuge. A separação é uma solução só aparentemente fácil.
Sacrifique-se por seu filho, se separar do seu cônjuge. Neste caso, não deixe que seu(s) filho(s) pague(m) o preço do seu fracasso. Negocie com o seu ex-cônjuge para que seu filho sofra menos. Minimize o prejuízo deles.
Se o seu filho for o problema, e não você, não desista dele. Continue tenho para ele os mesmos sonhos que teve quando era ainda um projeto e nem estava posto na barriga da mãe. Ore com e por ele. Se não for mais possível orar com ele, ore por ele, nem que seja a única coisa que você possa fazer. Única e melhor.
[CONTINUA]
ISRAEL BELO DE AZEVEDO

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