“Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes”.
(Mateus 9.12)
1
O Natal é o início visível do projeto de Deus para a saúde integral do ser humano. Apesar da inclinação do ser humano pelo espetáculo e pela grandiosidade, era preciso que o Natal de Jesus Cristo ocorresse em meio às circunstâncias em que transcorreram, formando um contraponto ao jeito humano de ser e, ao mesmo tempo, oferecendo um convite a um outro tipo de vida.
A angústia de José e Maria, com o filho prestes a nascer, é um protótipo da condição humana. Possivelmente, buscaram ajuda e não encontraram. A alegria do nascimento foi compartilhada com anônimos e fortuitos vizinhos. Possivelmente buscaram ajuda em quem podiam: em Deus. E encontraram. Natal é Deus oferecendo ajuda. Quando o menino contou a história do seu nascimento aos seus colegas de rua, talvez tenha se gabado que, no seu caso, Deus providenciou tudo, mas talvez tenha se lamentado que ninguém tenha se importado ou que seu berço fora humilde demais. Na verdade, não ficou uma seqüela sequer, nem médica, nem psicológica, no menino, apesar da adversidade da sua chegada ao mundo. Deus faz com que todas as coisas concorram para o bem daqueles que amam a Deus.
O Natal de Jesus foi também o início de sua preparação para o ministério. Ele viveu entre os sem-nada e pregou aos sem-nada e salvou o sem-nada. Ele mesmo chegou a dizer que veio para os sem-nada. O cristianismo é notícia boa para os sem-nada. Que dizer aos que têm tudo? Jesus não tem o que lhes dizer. Nem eles sabem ouvir.
Jesus veio para os sem-nada.
E então alcançamos o coração do paradoxo.
Certa ocasião, estive com uma família da classe chamada alta, pensada como os que têm tudo. De fato, a começar pela localização da casa, aquela era uma família onde nada faltava. Mas: eis o motivo porque fui recebido: a família vivia um drama duplo, de conseqüências perturbadoras e permanentes. Embora tivessem tudo, faltava-lhes uma pessoa querida, recentemente morta, faltava-lhes uma compreensão dos fatos derrubados sobre todos dali, faltava-lhes paz. Então, me receberam e ouviram com atenção incomum. Os com-tudo eram, na verdade, uns sem-nada.
Aquela era uma família doente e Jesus veio para lhe restaurar a saúde. Não sei lhe restaurou. Não lhes tenho acesso; são de outra classe. Se, depois de minha saída, confessaram que precisavam de Deus, como fizeram José e Maria em Belém, foram abençoados. Se não admitiram, não receberam a bênção de Deus, porque a bênção de Deus não é invasiva, mas esperante. Deus não força a porta: espera-a ser aberta. Até hoje Ele está à porta, nela batendo para chamar quem está dentro. Ele entra para a festa ou para o luto, para o festejo ou para a luta, quando é convidado.
Até no seu nascimento Jesus nos deixou um convite.
2
Trinta anos depois, seu Natal ecoou em seu estilo de vida e em suas palavras. “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes”.
Desde cedo ele soube disso, que agora diz, por experiência própria.
Há sabedoria nestas palavras. “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes”. Quem vai ao médico por saúde encontra saúde. Quem reconhece que precisa de médico vai ao médico.
Jesus está dizendo o óbvio: a saúde começa com o reconhecimento da enfermidade. É nesta obviedade, no entanto, que muitos tropeçamos, daí a sabedoria das palavras de Jesus. Como nos é difícil reconhecer nossa própria condição.
Todos temos uma história pessoal que nos antecede e deixa marcas na nossa própria história. Viver é reescrever, transcrever e/ou transgredir essa historia, seja ela trágica ou feliz.
Todos temos características individuais, em nossos hábitos e em nossos corpos, que fazem parte de nós, mesmo que não percebamos. Viver é desenvolver características próprias, considerando as recebidas.
Todos convivemos num mundo que nos pressiona e/ou seduz. Viver é responder aos convites deste mundo.
Nossa tarefa torna-se, então, ampla. (Uso um anagrama, para nos ajudar nesta tarefa: CACO)
. Precisamos Conhecer a nossa condição, com seus pontos fortes e seus pontos fracos.
Tivemos um lar bem estruturado, tendo recebido carinho e orientação? Tivermos uma família desestrutura, com brigas e separações? Nossos pais eram equilibrados ou desequilibrados? Eles viviam bem ou em constante conflito? Havia harmonia ou violência em casa? Fomos sempre elogiados, ao ponto de nos acharmos os máximos, ou só fomos criticados e menosprezados? Responder a estas perguntas nos ajuda em nossa caminhada. Se ficaram traumas pesados, talvez precisemos de ajuda profissional para nos livrarmos de tanta carga. Jesus nos recomenda a buscar um médico ou psiquiatra ou psicólogo ou fonoaudiólogo, capaz de nos ajudar em nossa caminhada rumo à saúde.
. Precisamos Admitir nossas fragilidades e nossa necessidade de ajuda, para que as superemos. Nosso passado pode ser mais forte que o nosso presente.
Nossa infância foi feliz, com saúde física e emocional, ou convivemos com doenças, remédios e internações? O mundo em que vivemos nos impõe um ritmo que não é nosso? Temos tido dificuldade em nos ajustar? Não é pecado sofrermos de alguma doença emocional (e devia dizer “doença mental”, mas o termo tem a força da preconceituosa interdição…); é pecado não usar os recursos que Deus nos disponibilizada para a saúde plena por meio de alguma terapia, seja ela medicamentosa ou psicoterápica.
. Precisamos nos Convencer que a saúde é possível e que não precisamos nos condenar a vivermos doentes o resto da vida. Só devemos nos conformar com a doença, quando os recursos da oração, da medicação e da psicoterapia foram esgotados. Devemos orar, buscar um médico e orar. Devemos orar, buscar aconselhamento e orar. Nada substitui a oração. Quem ora busca ajuda em Deus e nos homens e mulheres que Deus capacita.
. Precisamos Ousar, acreditando na possibilidade de ajuda e tomando a iniciativa da busca por ajuda, mesmo que isto nos exponha e nos traga até vergonha. Tenho acompanhado o modo como a sociedade vê os deficientes físicos (e eu sei que o termo “deficiente físico” acabará sendo substituído por outro menos centrado nos que não têm nenhuma deficiência… Somos todos deficientes.). No entanto, a interdição continua para os que sofrem de distúrbios mentais. Os que têm doenças ditas somáticas (físicas) enchem os consultórios e hospitais. Basta alguém ter um distúrbio mental para dizer que não é “maluco” para procurar um psiquiatra. Quantos têm vidas mais saudáveis a partir do momento em que passaram a tomar determinado remédio, que substitui algo que lhe falta naturalmente no corpo…
Todos lidamos com isto. Querem nos ajudar, nesta ou naquela área, mas nós mesmos não reconhecemos que precisamos de ajuda, que temos necessidade de apoio. Às vezes, até admitimos que temos problemas, mas nos convencemos que nos libertaremos sozinhos. Às vezes, para evitarmos a cura que vem de fora, usamos até o nome de Deus em vão, quando nem a Ele estamos recorrendo.
Todos sabemos o que é isto. Queremos ajudar, mas somos repelidos.
Nossa saúde depende de nossa atitude diante dela. “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes”. Se não nos conhecemos, ao ponto de não reconhecermos nossa enfermidade, não nos convenceremos que a saúde é possível e não buscaremos ajuda.
3
A questão mais importante da vida, que é a salvação, segue o mesmo itinerário. Não por acaso, saúde e salvação têm o mesmo significado, que é a preservação da vida..
O itinerário para a salvação é o mesmo (CACO), tanto para a primeira salvação, quanto para a salvação continuada. Eu me refiro aqui à salvação inicial, quando somos justificados na cruz e tornados justos. Eu me refiro também à salvação continuada, que é livramento com que somos alcançados na hora da adversidade, seja ela qual for.
Quanto à salvação inicial, ela nos alcança quando conhecemos quem somos, admitimos que somos pecadores, convencemo-nos que precisamos de Jesus e ousamos ir a Ele.
Precisamos conhecer quem somos. Somos espiritualmente doentes. Davi foi radical, ao descrever sua condição. Disse ele a Deus: “Contra ti, só contra ti, pequei e fiz o que tu reprovas, de modo que justa é a tua sentença e tens razão em condenar-me. Sei que sou pecador desde que nasci, sim, desde que me concebeu minha mãe” (Salmo 51.4-5).
Precisamos admitir que somos pecadores. O pecado é a nossa condição. Nossa declaração não pode ser outra, senão esta: “Confesso a minha culpa; em angústia estou por causa do meu pecado” (Salmo 38.18)..
Precisamos nos convencer que precisamos de Jesus, o Salvador. Não somos capazes de nos purificar a nós mesmo, pela inteligência, pela força, pelo esforço ou pela religião. Nada podemos fazer, senão ir a Jesus.
Precisamos ousar e ir a Jesus, para que Ele nos salve. O mesmo que diz que “não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes” também diz: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo” (Apocalipse 3.20). Os dois textos dizem a mesma coisa: Deus vem ao encontro de quem o busca. Na verdade, Jesus diz que veio para os pecadores, com o objetivo de os transformar em justos mediante a Sua cruz.
Quanto à salvação continuada, do dia a dia, todos os dias, experimentamos os livramentos divinos, quando conhecemos nossa condição necessitada, admitimos que precisamos de ajuda para sermos libertados, convencemo-nos que a libertação vem de Deus e ousamos comparecer diante de Jesus para aguardar o livramento.
Gosto dos salmos porque são os gritos de pessoas necessitadas que não tinham vergonha de pedir socorro. Há pessoas morrendo porque não choram, não pedem ajuda. Os salmistas, não, são todos sem-vergonha, ao exporem suas vísceras. Jesus não teve vergonha de expor sua angústia diante do sofrimento que se fazia vizinha. Quem se expõe se salva; quem não se expõe, morre, sem socorro.
O conselho bíblico é claro: “Portanto, visto que temos um grande sumo sacerdote que adentrou os céus, Jesus, o Filho de Deus, apeguemo-nos com toda a firmeza à fé que professamos, pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado. Assim, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade” (Hebreus 4.14-16).
Deus abençoa os necessitados. Você é um deles? Deus abençoa os pecadores. Você é um deles.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO