Pela internet, recebi, de pessoa que não conheço, a seguinte solicitação: “Gostaria que me indicasse uma fonte que possa me esclarecer sobre significado (dito pernicioso pelos cristãos) a respeito do carnaval e sua história”.
Resolvi encarar eu mesmo o assunto, já que considero pernicioso o carnaval, que, de tão arraigado, impede que o ano comece antes do seu fim na quarta-feira.
Para começar, preciso devolver a pergunta: o que é o carnaval? Um feriado? Um período em que as pessoas dançam livremente nas ruas? Um tempo reservado para o espetáculo das escolas de samba? Um período em que o corpo é liberado de qualquer amarra na busca do prazer?
Em minha resposta, tomarei a Bíblia, mas não citarei nenhum texto específico.
1. Se o carnaval for um feriadão, nada tem em si de pernicioso. Pernas para o ar, que ninguém é de ferro. Um período para o descanso é sempre bem-vindo. Ao mesmo tempo, precisamos considerar o preço pago pelo país por este tipo de calendário que põe para fevereiro o ano que deveria começar um mês antes.
2. Se o carnaval for um tempo propício para a arte por meio dos desfiles das escolas de samba, não há como escapar à pergunta sobre quem está por trás do espetáculo.
O carnaval pode ser visto, portanto, como um espetáculo, nas pistas ou nas telas da televisão. Sem dúvida, é um espetáculo bonito, mesmo que repetitivo.
E o que se vê, pelo menos nos sambódromos do Rio de Janeiro e de São Paulo segundo as luzes da televisão?
Vêem-se cor, movimento e harmonia. A televisão mostra também corpos seminus ou, mesmo, nus, indicando que a liberdade de usar e exibir o corpo está ali presente também numa forma de licença.
Não se vê quem patrocina a festa toda, bastante cara pelo seu gigantismo desde o seu preparo. Parte do dinheiro vem do poder público (municipal ou estadual), em sua estratégia de apoiar as manifestações culturais ou de dar circo ao povo, dependendo do ângulo de visão; parte vem dos ingressos (que voluntariamente as pessoas pagam, mesmo que caros) e parte vem de outro tipo de fonte, associada a práticas postas fora da lei por perniciosas.
Não se pode ver o espetáculo dos dias de carnaval sem o sistema que o precede. Os ensaios são espaços de deificação do corpo, como nos festejos de rua. São também tempos de licença para práticas não propriamente culturalmente ricas.
3. Se o carnaval for um período em que o corpo está liberado para o frenesi, com relacionamentos fugazes que acabam na quarta-feira, deve ser pensado em suas conseqüências, incluindo-se aí as danças ao ar-livre (como em algumas capitais do nordeste) que duram dias e noites sem parar.
Aprendemos na Bíblia que somos o nosso corpo. Não temos um corpo. Nós somos o que o nosso corpo faz. A teologia bíblica do prazer, portanto, inclui a dimensão de que devemos prestar contas do que somos. Entendemos que somos criações de Deus. Nosso prazer deve ser desenvolvido em meio à verdade. O prazer que lança mão da mentira para se realizar não agrada a Deus, e um cristão vive primeiro para agradar a Deus desfrutando o que vida tem de bom e santo.
Não agrada a Deus quem se diverte sem pensar nas circunstâncias. Não agrada a Deus quem se diverte pelas mãos do álcool ou da droga. Não agrada a Deus quem vive como se o mundo fosse acabar amanhã. Não agrada a Deus quem busca o sexo fácil, mesmo que consentido, com muito prazer e nenhum amor.
(Uma vez me vi numa cidade toda carnavalizada. Minha pergunta, enquanto me desviava de pessoas incômodas, foi: “existiria carnaval sem álcool?” Todas as pessoas tinham copos de bebidas alcoólicas na mão. Que festa é esta?)
Em nenhum momento na Bíblia, pela qual procuramos pautar (falhando e acertando, acertando e falhando) nossas vidas, temos licença para pecar. Não há intervalos para o nosso compromisso de procurar sempre fazer o que é justo e correto.
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Uma outra resposta, em direção distinta, da recusa cristã ao carnaval tem a ver como a nossa estratégia da diferenciação. O que entusiasma a tantas pessoas não entusiasma necessariamente os cristãos, que são (ou deveriam ser) críticos da sociedade.
A atitude dos cristãos com relação a práticas social e juridicamente legitimadas (como o uso do cigarro e do álcool) nasce do seu desejo de se diferenciar e de sua convicção de que são práticas nocivas ao corpo, tanto do indivíduo quanto da comunidade. Todo o prazer tem o seu preço. Há prazeres cujo preço é alto demais. O do carnaval é um deles. Por isso, precisamos ficar de fora.