João 14.04-06: JESUS É A VERDADE

JESUS É A VERDADE
João 14 .4-6

Em 1980, houve uma escavação arqueológica ao sul de Jerusalém, documentada pelo canal de televisão inglês, BBC. O resultado foi uma tumba com vários ossários com ossos e fragmentos dispersos. Os cientistas não deram muita importância.
Quase 30 anos depois, um outro canal de televisão (“Discovery Channel”) fez um longo documentário mostrando que os restos mortais ali encontrados eram de Jesus, sua mãe Maria, sua esposa Maria Madalena, seu filho Judá e outros membros da sua família.
Um dos pesquisadores da época, Amós Kloner, que dirigiu as escavações, ficou furioso: “O documentário não é sério. Eles estão “inventando” coisas. Eles não descobriram nada. Tudo já foi publicado. Não há base para se fazer um documentário como este ou para identificar esta família como sendo a família de Jesus”. (“Jesus’ tomb found” claim as empty as Jesus’ [real] tomb. Disponível em .)
A história deste documentário é uma história de uma mistificação: como, em nome do espetáculo (e do dinheiro), miragens se transformam em imagens e ficção vira ciência. Não foi a primeira vez. Lembram-se do frenesi com a “descoberta” dos ossos de Tiago, irmão de Jesus? Mesmo que não haja prova alguma que sejam de Tiago, os ossos ficam por aí como fantasmas ameaçando a verdade.
Ao mesmo tempo, mesmo inventada, a “descoberta” fica no ar, podendo até mesmo virar descoberta (sem aspas). Foi assim com “O Código da Vinci”, o livro e o filme, que saíram da mesa da ficção para freqüentar a estante da ciência, provocando até debates.
Semeia-se uma dúvida em torno de Jesus. Será que ele não foi casado? Será que ele ressuscitou mesmo? Será que a Bíblia fala mesmo a verdade?
Há um interesse econômico nisto tudo (Jesus ainda faz sucesso nos meios de comunicação) e há também um interesse ideológico: colocar o relato bíblico na categoria da lenda. O Antigo e o Novo Testamento sofrem. Quem não tem fé fica firme na sua falta de fé. Quem tem fé pode ficar confuso. Vemos este empenho dessacralizador dentro e fora do cristianismo. Hipóteses, que são afirmativas que precisam de comprovação, são vendidas como certezas a serem consumidas. Recentemente li dois livros sobre os últimos dias anteriores à morte de Jesus. Um era de um médico cristão. O outro, de uma dupla de teólogos cristãos. O livro do médico, partindo da veracidade do texto bíblico, usava a ciência forense para descrever com rigor o sofrimento físico de  Jesus. O outro, partindo do pressuposto que o texto bíblico não é história, mas afirmação de fé, põe em dúvida alguns relatos dos Evangelhos. E o que põe no lugar? Especulações, sem nenhuma evidência documental. Acontece que especulação vende.

UMA TRÍPLICE AUTO-AFIRMAÇÃO
Trago este preâmbulo informativo a propósito de uma afirmativa categórica de Jesus Cristo, captada pelo evangelista João.

[Jesus disse aos seus discípulos, próximo de sua morte:]
(1) “Não se perturbe o coração de vocês. Creiam em Deus;a creiam também em mim. (2) Na casa de meu Pai há muitos aposentos; se não fosse assim, eu lhes teria dito. Vou preparar-lhes lugar. (3) E se eu for e lhes preparar lugar, voltarei e os levarei para mim, para que vocês estejam onde eu estiver. (4) Vocês conhecem o caminho para onde vou”.
(5) Disse-lhe Tomé: “Senhor, não sabemos para onde vais; como então podemos saber o caminho?”
(6) Respondeu Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim”.

Tomé, um dos discípulos de Jesus, comparece nos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) apenas com o seu nome. No Evangelho de João, no entanto, ele é uma personagem. Devemos prestar atenção nele.
Tomé é o discípulo que se diz pronto para seguir Jesus até à morte (João 11.16). Ele é um símbolo dos mártires.
Tomé é também o discípulo que se recusa a crer a partir do que os seus amigos viram, porque queria ver com os próprios olhos seu Mestre ressurreto (João 20.24). E quando o viu, soltou esta linda declaração de fé: “Senhor meu e Deus meu!” (João 20.28).
Aqui (no capítulo 14), Tomé disse desconhecer o caminho por onde Jesus seguiria para lhes preparar lugar no céu. Ele começa com uma afirmativa (“Senhor, não sabemos para onde vais”) seguida de uma pergunta (“como, então, podemos saber o caminho?”)
Em sua resposta, Jesus não diz onde fica o caminho, nem o que é a verdade e nem  como se deve viver. Ele aponta para si mesmo e diz: “Eu sou o caminho para o Pai”. “Eu sou a verdade do Pai”, isto é, a revelação completa do Pai. “Eu sou o mapa da vida”. Em outras palavras, “a mensagem essencial de nosso Senhor foi Ele mesmo. Ele não apenas pregou o Evangelho; Ele mesmo é o Evangenho. Ele não apenas deu pão; Ele disse: “Eu sou o pão”. Ele não apenas trouxe luz; Ele disse: “Eu sou a luz”. Ele não apenas mostrou a porta; Ele disse: “Eu sou a porta”. Ele não apenas designou um pastor; Ele disse: “Eu sou o pastor”. Ele não apenas apontou o caminho; Ele disse:  “Eu sou o caminho,.a verdade e a vida” (J. Sidlow Baxter)
Na resposta a Tomé (e a mim e a você), Jesus faz uma síntese de sua vida e missão. É como se reunisse numa só frase tudo o que já dissera de essencial a seu próprio respeito. É como se dissesse: minha mensagem sou eu mesmo.
Ele já se apresentara como sendo o CAMINHO que leva à vida (Mateus 7.14) e como caminho para a justiça (Mateus 21.32). Os cristãos levaram tanto a sério sua fé em Jesus, que acabaram identificados como seguidores do Caminho (Atos 9.2; Atos 19.9; Atos 19.23; Atos 22.4; Atos 24.13; Atos 24.22), antes mesmos de serem conhecidos como cristãos (Atos 11.26; cf. Atos 15.23). Os cristãos somos chamados a seguir por este Caminho como sendo o seu caminho, por escolha e com temor e tremor, pois “o cristão não é alguém que faz todo o caminho com Cristo. Nenhum de nós o faz. O cristão é alguém que encontrou a estrada certa” (Charles L. Allen). Sirva-nos de desafio o desejo manifesto por John Bunyan: “Gosto de ouvir meu Senhor falar e onde vejo as pegadas de Seus sapatos na terra, ali desejo colocar minhas pegadas também”.
No prefácio do seu Evangelho, João diz que a VIDA estava em Jesus (João 1.4). Ele mesmo se apresentou como sendo a vida, quando declarou: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá; e quem vive e crê em mim não morrerá eternamente” (João 11.25-26).
Quanto à  VERDADE, ao longo de Seu ministério, Jesus repetiu que falava a verdade, pois falava o que ouvira do Pai. Uma de suas expressões prediletas, deixada nos Evangelhos, é: “na verdade, na verdade, digo” ou “Eu lhes digo a verdade” (NVI). O ministério de Jesus é o ministério da verdade.
Em que sentido Jesus é a verdade?
Diante de Pilatos, que o interrogava, Jesus disse: “Vim ao mundo para testemunhar da verdade. Todos os que são da verdade me ouvem” (João 18.37). Diante desta declaração, Pilatos colocou o problema permanente do ser humano: o que é a verdade (João 18.38). Pena que não quis ouvir a resposta. Pena que muitos ainda hoje não querem ouvir a resposta.
Ao longo dos séculos, muitas pessoas têm confessado que a verdade é Jesus ou que Jesus é a verdade. Um deles foi o notável escritor Fyodor Mikhailovich Dostoevsky (1821-1861). Logo depois de deixar a prisão na Sibéria, onde vivera por alguns anos só podendo ler a Bíblia, escreveu uma carta em que dizia: “Creio que não há nada mais amável, mais profundo e mais compassivo, mais racional, mais firme e mais perfeito que o Salvador. Se alguém me provasse que Cristo está fora da verdade e que, na realidade, a verdade exclui Cristo, eu preferiria ficar com Cristo a ficar com a verdade”.
Sua confissão era um eco de muitas outras, como esta mais sintética do conde Zinzendorf (1700-1760), um século antes dele: “Eu tenho uma paixão: Jesus; somente Jesus”.

O QUE É A VERDADE
Ao homem dos séculos 20 e 21 as declarações de Jesus, Dostoevsky ou Zinzendorf soam absurdas.
Em certo sentido, até para cristãos. Você deixaria Jesus Cristo, caso descobrisse que Jesus não está com a verdade?

Precisamos voltar à  pergunta de Pilatos: o que é a verdade?

Na verdade, Pilatos não estava interessado na resposta à pergunta que fez a Jesus. Tanto que, em seguida, virou-se para o lado e trocou de assunto. Ele não preocupou em saber se as acusações imputadas a Jesus eram verdadeira. Ele supôs que não fossem, embora fossem verdadeiras para os acusadores. Ele preferiu ficar com a verdade, cheia de  ódio, dos acusadores. Para ele, o poder e a ordem eram mais importantes que a verdade.
Provavelmente a atitude desdenhosa de Pilatos tenha decorrido do pressuposto de que não se pode mesmo conhecer a verdade. Há muitas pessoas hoje que reagem à afirmação de que Jesus é a verdade com a certeza de que não existe a verdade absoluta, senão a verdade de cada um, tal como Pilatos, talvez.
Sim, é corrente, até mesmo entre crianças, que a verdade é algo subjetivo: cada um tem a sua. Em última instância, por exemplo, Jesus não pode dizer que é a verdade; os cristãos não podem dizer que Jesus é a única esperança. Isto pode ser verdade para os cristãos, não para os não cristãos. A verdade é algo relativo — eis uma crença bem comum, chamada genericamente de relativismo.
Ao mesmo tempo, e em contraposição, convivemos com os esforços das ciências, cuja meta é descrever as coisas como elas são. Por isto, o método científico é rigoroso e estabelece algumas regras para que uma afirmação seja feita. Menciono algumas destas regras, que não impedem grandes fracassos.
Uma experiência só pode ser validada se puder ser repetida. Um cientista escreve um artigo relatando o resultado que alcançou; neste artigo, ele tem que dizer como chegou a esta resultado para que, em algum outro lugar, outro cientista repita a experiência e chegue ao mesmo resultado.
Toda narrativa, em qualquer área do conhecimento, deve ser baseada em fontes, fontes que devem estar disponíveis para que possam ser examinadas por outros pesquisadores.
Com todos estes cuidados, o erro pode estar presente, e até a fraude.

As duas visões (a verdade não existe; a verdade existe) coexistem, o que pode nos deixar confusos. Uma menina de cinco anos é jogada pela janela do sexto andar de um prédio. Seu pai disse que o crime foi cometido por um estranho. A polícia pede a prisão temporária do pai e da madrasta da menina, que se dizem inocentes. Qual é a verdade, para que se faça justiça? — eis o que quase todos querem saber. QUASE todos, porque quem cometeu o crime, seja sem for, não quer, por razões óbvias, que se saiba o que realmente aconteceu em função das conseqüências que a verdade trará.
Num caso destes, a visão de que a verdade não existe não subsiste diante da morte de uma sorridente menininha. De igual modo, a visão segundo cada pessoa traça o seu caminho, segue a sua verdade, vive a sua vida não subsiste diante da infelicidade que esta ilusória liberdade traz. O que esta liberdade tem trazido é infelicidade, pela recusa de ouvir o convite de Jesus: “eu sou o caminho” (venha por mim), “eu sou a verdade” (creia em mim), “eu sou a vida” (viva comigo).
A afirmativa de Jesus não deixa margem para o relativismo. O seu “eu sou” é categórico; não está datado; não está restringido a uma cultura; não depende de uma escolha de fé. A vida de Jesus, um Deus que se faz homem, não é para ser vista como a de um mestre judeu; Ele era mais que um rabi; era Deus em forma de homem. O seu “eu sou o caminho, a verdade e a vida” coloca uma decisão para todo o ser humano, pois, “a questão mais pungente no problema da fé é se um homem enquanto um ser civilizado pode crer na divindade do Filho de Deus, Jesus Cristo, pois aí reside toda a nossa fé” (Dostoevsky).
Na verdade, “em Jesus, Deus deseja ser o verdadeiro Deus não somente na altura, mas também na profundidade — na profundidade da natureza, na pecaminosidade e mortalidade humana”. (Karl Barth)
A morte de Jesus atesta Sua divindade, ao ponto de um descrente declarar, diante de tantas evidências aos seus olhos, que Ele era realmente o que dizia ser. Sua ressurreição demonstra Sua divindade, pois, a despeito de todos os esforços, seu corpo saiu sozinho do túmulo em que foi depositado três dias antes. Sua ascensão foi testemunhada por atônitos discípulos, que a descreveram e mantiveram a sua fé nEle.
O que aconteceu com Jesus atesta o seu “eu sou o caminho, a verdade e a vida”. O que acontece a quem segue Jesus demonstra que existe um único caminho para o céu, uma única verdade para se crer e uma vida eterna para se viver.

Quem recebe as palavras de Jesus como verdadeiras sabe com Quem caminhar: com Ele. O caminho é para ser conhecido e trilhado.
Quem recebe as palavras de Jesus como verdadeiras sabe em Quem crer: nEle. A verdade é para ser ouvida e seguida.
Quem recebe as palavras de Jesus como verdadeira sabe como viver: como Ele. A vida é para ser vivida como tendo valor eterno.

DIANTE DA VERDADE, QUE É JESUS
O que fazer diante da Verdade chamada Jesus?

1. A primeira atitude foi personificada por Pilatos.
Ele acertou em fazer a pergunta, mesmo porque não há como não fazer esta pergunta. Ela nos chega a cada dia. A cada dia somos levados a tomar decisões.
Ele errou em não desejar a resposta. Ele despistou.
Uns despistam desdenhando Jesus, não O levando a sério como deve ser levado.
Outros despistam colocando na mesa problemas, sejam filosóficos ou científicos, que não têm nada a ver com a fé. A fé em Jesus resulta de um relacionamento com Ele, a partir da premissa que Ele é o caminho, a verdade e a vida.
Discuta filosofia; filosofia humilde faz bem à fé. Faça ciência; ciência honesta faz bem à fé. Discuta filosofia, faça ciência, mas não ignore a afirmativa de Jesus. Ele é o caminho, a verdade e a vida, para você?

2. A segunda atitude foi personificada por Tomé.
Ele não sabia o caminho e procurou por ele e o encontro em  Jesus.
Ele sabia que o certo não era o que achava que era certo. Até ser discípulo de Jesus, agira assim, mas não encontrou o que seu coração buscava.
Existe a Verdade e ela tem um nome: Jesus Cristo.

. Tomé se colocou face a face com a Verdade, para ser ensinado e iluminado por ela
Ele sabia que o cristão não tem verdade própria, mas deve buscar a verdade em Quem é a Verdade.
O que ouviu de Jesus não era agradável, à primeira vista. Jesus, por exemplo, não garantia sucesso rápido, mas falava da cruz que teria que carregar e ser morto nela, num gesto que os homens e mulheres do seu tempo considerariam uma fragorosa derrota. Ele ouviu que Seu Mestre iria partir e todos os seus discípulos ficariam sozinhos, enfrentando oposição e perseguição.
Tomé não fugiu da Verdade, mas se deixou conduzir por Suas mãos pelo caminho da vida.
Não fuja da verdade, mas que se ponha contra você, contra o seu jeito de viver, contra o seu pecado. A verdade, que é Jesus, se põe contra você mas a seu favor.

. Tomé se deixou libertar pela verdade
Alguém tempo antes, segundo o Mestre, Tomé viu que muitos creram em Jesus, depois que ele se apresentou com a luz do mundo. “Então Jesus disse: “Quando vocês levantarem o Filho do homem [quando me crucificarem], saberão que Eu Sou e que nada faço de mim mesmo, mas falo exatamente o que o Pai me ensinou. Aquele que me enviou está comigo; ele não me deixou sozinho, pois sempre faço o que lhe agrada”. Tendo dito essas coisas, muitos creram nele. Disse Jesus aos judeus que haviam crido nele: “Se vocês permanecerem firmes na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão a verdade e a verdade os libertará”.
A ilusão escraviza; a verdade liberta. A mentira oprime; a verdade liberta.
Gosto de ler e reler Jesus dizendo aos seus discípulos (e neles me incluo, pela graça):

“Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos. Vocês serão meus amigos, se fizerem o que eu lhes ordeno. Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz. Em vez disso, eu os tenho chamado amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido. Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto que permaneça, a fim de que o Pai lhes conceda o que pedirem em meu nome”. (João 15.13-16)

Sabemos pouco sobre Tomé, mas sabemos que continuou com Jesus. Depois que Jesus partiu, ele continuou com seu discípulo (Atos 1.13).

A verdadeira liberdade é saber quem nós somos e o que podemos ser.
Éramos escravos, agora somos amigos de Deus.
Quem é liberto pela Verdade não tem medo do passado ou do presente ou do futuro. Ele sabe que o seu Redentor vive.
Quem é liberto pela Verdade é capacitado para viver de modo livre, sem as amarras do vício, sem as pressões da turma.

Gosto de pensar na verdade como essencialmente libertadora. Digo-o porque muitas pessoas acham que seguir a Jesus é perder a sua liberdade. De certo modo, estão certos. Seguir a Jesus implica em renunciar à liberdade de seguir a onda ou seus próprios desejos. Na verdade, seguir a Jesus implica em aceitar a liberdade que Jesus oferece, a partir da verdade, para que se trilhe o caminho da vida que vale a pena.
Ser livre é ir ao Pai, em nome de Jesus, e pedir.
Ser livre é, olhar para Jesus, e amar como Ele amou.
Aos olhos do instinto, verdade e liberdade não rimam, mas rimam, na gramática e na vida.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO 

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