Lc 02:01-08: LUGAR PARA JESUS

Episódios da vida de Maria, 2:
“Lugar para Jesus”
(Lucas 2.1-7)

(1) Naqueles dias César Augusto publicou um decreto ordenando o recenseamento de todo o império romano. (2) Este foi o primeiro recenseamento feito quando Quirino era governador da Síria. (3) E todos iam para a sua cidade natal, a fim de alistar-se.
(4) Assim, José também foi da cidade de Nazaré da Galiléia para a Judéia, para Belém, cidade de Davi, porque pertencia à casa e à linhagem de Davi. (5) Ele foi a fim de alistar-se, com Maria, que lhe estava prometida em casamento e esperava um filho.
(6) Enquanto estavam lá, chegou o tempo de nascer o bebê, (7) e ela deu à luz o seu primogênito. Envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.

O imperador César Augusto, filho adotivo de seu tio-avô Júlio César, governou do ano 27 a.C. a 14 d.C. Para governar a Síria, ele escolheu o senador romano Publius Sulpicius Quirinius, encarregando-o de realizar um recenseamento para fins de cobrança de impostos. Por esta razão, esses recenseamentos eram abominados e tinham que ser conduzidos com mão de ferro, porque geravam revoltas populares.
Na Palestina, esses censos tinham um custo adicional. As pessoas, não importassem onde residissem, tinham que se registrar nas cidades de suas famílias. José e sua noiva eram de Nazaré, uma cidade com uns 400 habitantes. Os ancestrais de José, no entanto, eram de Belém, uma cidade um pouco maior, localizada 130 quilômetros ao sul e com uns 1.000 habitantes.
Os dois foram para lá. Ao tempo de Jesus, o único tipo de hotel existente era uma espécie de parada para caravanas, em que se podia pernoitar, depois de se alimentar os animais. Em alguns havia também um mercado para algumas compras, freqüentado por prostitutas ou pessoas sem destino. Em Belém talvez nem isto houvesse.
Muito provavelmente, o casal ficou alojado na casa de algum parente distante. Os convidados ficavam no quarto de hóspedes, localizado na frente da casa. Possivelmemte, quando José e Maria chegaram, esse quarto já estava ocupado. O melhor que os anfitriões puderam fazer foi aloja-los nos fundos. Era comum na cidade que as casas tivessem cavernas nos fundos das casas, que servia de estábulo, onde ficava a junta de bois, usados para o transporte de cargas.

Deste relato, ficam evidentes algumas realidades:

1. Nossas vidas são mudadas por decisões que nós não tomamos. José e Maria tiveram que fazer uma viagem que não podiam, mas que tinham que fazer por determinação legal, para eles e para todos. Ser parte de uma sociedade impõe compromissos, nem sempre agradáveis. Se parte de uma família, no caso uma linhagem familiar (linhagem de Davi, que não lhe trazia nenhum benefício material), cobrava um preço alto. Não podiam se alistar pelo correio, nem justificar suas ausências. Tinham que se registrar em Belém.
Ser parte de uma família às vezes cobra um preço alto, mas vale a pena. Ali somos acolhidos e acolhemos. Somos protegidos e protegemos. Somos formados e formamos. É na família que vamos nos tornando gente, e isso se aplica a recém-nascidos, que têm tudo para aprender, e a idosos, que também aprendem.

2. Nem sempre dá para planejar todas as coisas, mesmo num mundo como o nosso, em que há <II>sites<FI> na internet até para dar nó em gravata, quanto mais fazer reserva em hotel. José, por mais cuidadoso que fosse, não conseguiu dar um lugar adequado ao seu filho (sim, seu filho, porque assim o tratou) para nascer.

3. Ás vezes, são tantas as demandas que a generosidade humana não consegue atender. Em Belém, cidade minúscula, não cabia tanta gente. Possivelmente foram preparados abrigos provisórios, ainda assim insuficientes. Maria, então, teve que ir para o estábulo.

4. Às vezes, as condições que nos são dadas não são as que queremos. Umas podem e devem ser recusadas. Outras devem ser aceitas. José e Maria buscaram onde foi possível um lugar decente para o primeiro filho do casal (sem berço, sem enxoval). Eles não gostaram das condições da caverna, escura, muito escura (num tempo sem luz elétrica…), insalubre, mal-cheirosa. Não era o que sonharam. Foi o possível. Como uma mãe que dá a luz num camburão, Maria aceitou sua condição e ali foi feliz. Tinha que ser ali? Ali seria, com alegria.

Deste relato, ecoam mensagens de Natal aos nossos corações.

1. O Natal é Deus se mostrando na condição humana.
A condição humana é feita de impostos a serem pagos, salários a serem recebidos, empregos a serem conquistados e/ou perdidos. A condição humana é feita de alegrias e tristezas na família.
Deus não se protege atrás da sua condição divina. O Natal é Deus abrindo mão de sua condição e assumindo a nossa. Natal é Jesus no ventre de Maria numa viagem que não deveria ser feita, especialmente diante dos recursos da época: 130 quilômetros no lombo de um animal, talvez um jumento, a mãe montada, o pai a pé.
Por ser Deus, Jesus não ficou livre daquela incômoda viagem. Seus pais tiveram que se alistar, mesmo estando sua mãe grávida. Talvez se perguntassem, quando Maria se sentia mal, por que aquilo, naquela hora. Não poderia o Senhor Deus dar um outro jeito, especial para eles? As regras da vida são para todos — eis o que o Natal também nos prega.
Por estarem para dar à luz ao Filho de Deus, José e Maria não foram livres da condição humana, de procurarem hotel e não acharem. Tiveram os mesmos temores que qualquer mãe: nasceria com saúde? Talvez tenham feito as mesmas perguntas que fazemos, quando as coisas saem do nosso controle: por que agora? por que comigo? Meu filho não merece passar por esta humilhação!
Desde a anunciação (do nascimento próximo), pelo anjo, Maria estava aprendendo, bem rápido, quem é Deus e como Ele age. Chama parceiros que vão fazendo seu caminho em meio a dificuldades, embora esteja conosco. Poderia mandar um enxoval para o bebê, mas deixou Maria envolve-lo em panos e ficou ao lado. Poderia mandar entregar um berço do ouro, mas não se moveu para transformar a manjedoura no chão, onde os animais se alimentavam, embora estivesse ali quando José varreu o lugar e limpou a madeira côncava, que receberia seu filho. Deus viveu a condição humana de Maria, José e Jesus, como vive a nossa.
Presente em nossa condição, Deus transforma algumas situações e nos ensina a viver nas novas situações, mas Ele também mantém outras situações e nos ensina a viver em meio a elas, sempre ao nosso lado. Deus vai nos capacitando para enfrentarmos as dificuldades da vida.

2. O Natal é Jesus aprendendo, desde cedo, o que é a condição humana.
Ele nasceu pobre. Sua mãe grávida não teve um hotel para se hospedar. Ele mesmo não teve um hospital, com profissionais da saúde cuidando do parto, para nascer.
O Deus-conosco (Emanuel) é um Deus pobre, como nós somos. Podemos até ter boas condições intelectuais e financeiras, mas somos pobres, limitados, adoecíveis, pecadores. Esta é a condição para todos nós.
Sempre queremos um Deus que nos resolva todos os problemas, até aqueles que nós mesmos criamos. Somos crianças esperneando. Deus viveu em Jesus está condição. Havia um problema: a falta de vaga na hospedaria. Houve uma solução: um estábulo. Pedimos soluções. Estamos prontos para as soluções de Deus? O Natal tem esta mensagem porque é Deus providenciando uma solução. A solução vem porque Deus nos conhece em nossa condição, que Ele mesmo viveu. Deus conhece a nossa condição: logo, pode-nos atender em nossas necessidades.

3. O Natal é um convite para uma mudança na nossa condição humana.
“Não havia lugar para eles na hospedaria” (verso 6c). Esta expressão resume a expectativa de Deus para cada um de nós: que haja lugar para ele em nossas vida. Em Belém, a expectativa não foi realizada, pelo que João escreveu: Jesus “veio para o que era seu, mas os seus não o receberam” (João 1.11).
Pouco sabemos sobre aquela hospedaria (ou estrebaria ou quarto de hóspedes), mas sabemos que não tinha mais lugar. Não cabia mais ninguém. O espaço estava ocupado por outras pessoas. Lucas está nos dizendo: nós também podemos fazer como os de Belém e rejeitar Jesus.
Há rejeições frontais e há rejeições oblíquas, sob as formas da indiferença ou da falta de atenção.
O Natal nos convida a tornar o nosso coração o hotel de Jesus, o quarto de hõspedes de Jesus, o santuário de Jesus. Quando o hospedamos, Ele nos incomoda com sua presença santa, mas nos conforta com sua santa graça. A vinda de Jesus mudou a vida de José e Maria. Quando fazemos do nosso coração a casa de Jesus, Ele nos conduz para o céu, numa caminhada que começa agora. Jesus, no ventre de Maria, deu sentido à sua caminhada até Belém. Jesus, na casa do nosso coração, dá sentido à nossa caminhada na vida, por aqui, até nossa pátria definitiva, onde nos espera de braços abertos.

Tem razão o poeta medieval:

“Embora Cristo há muito tempo
em Belém tenha nascido
se Ele não nasceu em você,
seu coração continua perdido”.
(Angelus Silesus, século 17)

ISRAEL BELO DE AZEVEDO