Mateus 5.01-12: EU POSSO GOSTAR DE MIM MESMO

EU POSSO GOSTAR DE MIM MESMO
(Mateus 5.1-12)
(Da séreie: EM BUSCA DA MENTE DE JESUS, 1)

Já lhe ocorreu de perguntar a alguem se ele gosta de si mesmo e ouvir como resposta um eloquente “não”? Talvez, sim, e vindo, às vezes, de quem você não imagina.
Já lhe ocorreu, ao contrário, conversar com alguém e não suportar o tamanho do seu ego? Em tudo, o cara é o máximo. Contar vantagem é como ele mesmo!
A vida — quem sabe, a nossa própria vida — derrapa por estes extremos. 

CENAS DA VIDA
Uma menina foi rejeitada, xingada, pisada, ainda no ventre da sua mãe, pela sua própria mãe e até pelo seu pai. Como esta mulher vai ser feliz?
Uma menina, no final de sua infância, foi abusada sexualmente por um parente próximo e querido. Mesmo tendo denunciado, ninguém acreditou nela. Como esta mulher vai acreditar em si mesma?
Como não esperar que o pior virá?
Um garoto foi educado por avós e pais com padrões muito elevados. Desde cedo, só ouviu compromissos e cobranças, nunca elogios e reconhecimentos. Por mais que esforçasse, jamais satisfazia sua família. Crescido, recebia uma crítica, mínima que fosse, como uma bofetada. Sempre se achava sendo julgado e reprovado. Como este homem vai olhar para os outros como iguais? Como poderá ver que tem valor por si mesmo, independentemente de como é (real ou aparentemente) visto?
Um garoto tinha vários irmãos mais velhos, que foram se encaminhando na vida. Ele, não. Era sempre comparado com os outros. Nada do que fazia dava certo, desde cedo. Como este homem poderá achar que viver vale a pena? Como achar que poderá ser um vencedor?
Como vai se ver uma pessoa que vai acumulando fracassos, na escola, no trabalho, nos relacionamentos, por mais que se esforce, como se fosse um Midas ao contrário (em que tudo o que toca dá errado)?
Como vai ter consideração por si mesma a pessoa que viveu a vida inteira uma vida que não era a sua, com amigos que não eram os seus, com uma profissão que não escolheu, numa cidade que detesta, numa casa que lhe parece uma prisão?
Como vai gostar de si mesma uma pessoa que vê nos outros apenas críticos e algozes?

O mundo é feito destas pessoas.
Convivemos com pessoas assim. Às vezes, somos estas pessoas.
Nascemos com algumas características que nós mesmos desconhecemos e vamos sendo modelados e remodelados, ao mesmo tempo em que modelamos e remodelamos os outros. Por razões que também desconhecemos, pessoas que deveriam viver como vítimas são vitoriosas. Entre as pessoas adultas felizes há crianças maltratadas e malamadas, embora talvez esta não seja a regra. Entre as pessoas adultas infelizes há crianças bem tratadas e bem amadas, mas algo aconteceu, que foi maior que o ambiente de amor em que foi guiada pelo mundo nos anos iniciais.
A vida é complexa demais para ser simplificada demais.

Viver é uma tarefa difícil e para a vida toda. Tendo vivido como nós vivemos, Jesus nos capacita a entender que podemos e devemos ir além de nossa formação, na infância, mesmo que conturbada, e além do ambiente em que vivemos, mesmo que pervertido.
Na sua extraordinária mensagem, chamada de Sermão da Montanha, faz uma especie de contralista das pessoas felizes. Sua relação parece sugerir uma desvalorização do ser humano: são felizes os pobres em espirito, os chorosos, os humildes, os famintos e sedentos de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os pacificadores e os perseguidos.

Vendo as multidões, Jesus subiu ao monte e se assentou. Seus discípulos aproximaram-se dele e ele começou a ensiná-los, dizendo:

“Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus.
Bem-aventurados os que choram, pois serão consolados.
Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a terra por herança.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão satisfeitos.
Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão misericórdia.
Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus.
Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois deles é o Reino dos céus.
Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa, os insultarem, os perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês.
Alegrem-se e regozijem-se, porque grande é a sua recompensa nos céus, pois da mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vocês”.

(Mateus 5.1-12)

Além de parecer pregar o conformismo, a aceitação humilhada da condição adversa, Jesus parece por a felicidade como algo possível tao somente para a vida depois da morte, no céu.

Precisamos tomar cuidado para não pensar o que Jesus não pensou. Nada mais longe da Sua intenção que uma defesa do conformismo com base em Seus ensinos.

OLHANDO PARA A NOSSA VIDA

Penso que Jesus nos quis ensinar três verdades úteis para a nossa vida, nesta primeira parte de seu sermão, todas reafirmadas ao longo da longa mensagem, que os capítulos 5, 6 e 7 do primeiro Evangelho.

1. Jesus sempre parte da realidade humana, seja boa ou ruim. Jesus sabe que há pessoas humilhadas. Há pessoas que choram. Há pessoas cujas necessidades básicas não são atendidas. Há pessoas perseguidas. Jesus sabe que há também pessoas humildes. Há também pessoas misericordiosas. Há também pessoas puras de coração Há também pessoas que promovem a paz sempre. Jesus considera a vida como ela é.
Parte de nosso problema advém da recusa a considerar a vida como ela é. O fato de a vida ser como ela é não quer dizer que a aceitemos, mas que reconhecemos que a maldade e a crueldade existem, embora registremos nosso protesto e atuemos para que as coisas não sejam assim.

2. Jesus nos lembra que a vida não pode ser avaliada apenas em função das coisas que nos estão acontecendo em determinado ruim, sejam ruins ou boas. Como aprendemos no verso 12, devemos avaliar a nossa vida considerando nosso passado e nosso futuro. Hoje o nosso cônjuge está doente; que tristeza! E o tempo da salde em que juntos vivemos? Não conta? Quantas pessoas tomam decisões desesperadas porque não trazem à memória aquilo que pode lhes dar esperança (Lamentações 3.21)? Se eu pudesse definir o que é sabedoria de vida, diria que é a capacidade de olhar o presente com os olhos  do passado real e do futuro possível ao mesmo tempo.

3. Jesus nos mostra que há uma outra vida possível, aqui e agora, mesmo para aqueles que, até agora, só colheram fracassos (reais ou simbólicos). Vale a pena viver.
Uma pessoa rejeitada tende a ser agressiva, mas há outra vida possível.
Uma pessoa criticada tende a ser insegura, mas há outra vida possível.
Uma pessoa que coleciona fracassos tende a pensar que assim será até o resto da vida, mas há outra vida possível.
Talvez possamos definir as bem-aventuranças como um recado que poderia ser resumido numa expressão: goste de você mesmo!
Até os que sofrem devem gostar de si mesmos, pelas promessas que recebe. Até dos que sofrem é o Reino dos céus Há uma herança até para os que não têm nada. Até os massacrados pela vida podem ver a Deus. Até os injustiçados podem ser felizes. Até os malditos podem promover a paz e se tornar filhos de Deus.

CUIDADOS COM A PROMESSA
As bem-aventuranças são uma caixa de promessas de Deus. No entanto, cuidado.

A promessa de Deus não é um salvo-conduto para a exibição.
Nossa cultura é a do exibicionismo. As pessoas se comprazem em exibir carros, corpos e conhecimentos.
A toda hora lemos notícias sobre os carros que valem milhares de dólares comprados por artistas do palco e do campo. Geralmente de cores extravagantes, essas possantes maquinas são muitas vezes adquiridas por aquilo que falam dos seus donos, não necessariamente pelo que podem fazer nas ruas e estradas. As publicações que falam de vidas ditas celebres vendem muito, mais pelas fotos que trazem do que pelas informações que oferecem. Roupas são usadas com suas marcas, que deviam ficar na parte de dentro, em destaque no lado de fora. Músculos que deveriam ficar sob a roupa são realçados pela própria roupa. Títulos são demonstrados por anéis, pulseiras e tratamentos. Quem sentido tem, por exemplo, um pregador usar grossos e gordos anéis, se não para um reluzente exibicionismo?
Um dia destes recebi a notícia de um encontro afetivo. Os dois, conhecidos pela internet, se encontraram no aeroporto. Diante de uma pequena plateia, trocaram beijos (aparentemente) apaixonados. Como eu soube? Não foi por meio de um arquivo enviado aos parentes e amigos próximos. O material foi publicado num canal público na internet (youtube), disponível para quem quiser ver, sejam conhecidos ou desconhecidos.
Nas bem-aventuranças Jesus alista o que importa na vida. Que é não se exibir. Não parecer o que não é. O sentido da vida está debaixo da pele e atrás dos músculos. A vida que vale está além da aparência. Segundo Jesus Cristo, aquilo que fazemos nem a nossa outra mão deve saber (Mateus 6.3), quanto mais a multidão para a qual se se pode exibir.

A promessa de Deus não é um salvo-conduto para a ambição.
Se é certo que devemos ter desejos, não podemos permitir que nos dominem, para que nossas vidas não sejam movidas pela ambição. Podemos e precisamos ter desejos, coordenados com uma perspectiva realista da vida. Devemos e podemos ir mais além, o que demanda esforço e estudo.
Em função da cultura contemporânea e de desvios pessoais de caráter, muitas pessoas acham que podem ficar ricas de uma hora para outra, ou por um golpe de sorte ou por um gesto de trapaça. As loterias exercem um fascínio tremendo sobre as pessoas. Ainda há gente que cai em contos de vigários, como correntes, pirâmides e bilhetes premiados. Um amigo perdeu parte do que tinha amealhado pelo trabalho por acreditar que poderia ficar muito rico comprando um certo tipo de aplicação financeira fora do sistema financeiro; ele sabia que era fraudulento, mas quem iria saber quando botasse a mão na bolada, que só chegou para quem aplicou o golpe. Outro conhecido deixou o emprego, de baixa remuneração, dizendo que iria ganhar 50 vezes mais por mês vendendo um determinado produto.
Em nossa sociedade, os que conseguem o enriquecimento rápido por meios ilícitos acabam se tornando padrões para os outros. Eles fazem a lei. Quando a lei os pega, eles mudam a lei. Temos visto este filme rodando na história brasileira.
O desejo legítimo é o motor do progresso. A cobiça é a mãe do crime.

A promessa de Deus não é um salvo-conduto para a humilhação.
Há pessoas que não veem minguem, não escutam ninguém Há pessoas que têm prazer em humilhar as outras, olhando-as com desdém, falando-lhes com grosseria, tratando-as com desrespeito. Os que humilham os outros são aqueles para quem ninguém importa, exceto enquanto forem úteis.

Há pessoas que julgam os outros a partir de sua classe social. Aos que consideram iguais, tratam como iguais. Aos que consideram como desiguais, tratam como desiguais.
Quando lemos a Bíblia, aprendemos que somos todos iguais, não por concessão, mas por realidade. O princípio de Jesus, tantas vezes repetido, recomenda bem claramente: “Como vocês querem que os outros lhes façam, façam também vocês a eles” (Lucas 6.31). Muitos que reclamam do tratamento desrespeitoso dos outros tratam mal aos outros.

GOSTANDO DE SI MESMO

Os conselhos bíblicos, incluindo as bem-aventuranças, não são um convite ao conformismo ou a uma vida pequena.
O Sermão do Monte, desde as bem-aventuranças, é um convite a uma vida corajosa e moderada, de que fala também o apóstolo Paulo:

“Deus não nos deu o espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação”.
(2Timóteo 1.7 – ARA)

Gosto destas palavras em cadeia: coragem (o contrário de covardia), poder, amor e moderação. Em nossa cultura, parecem palavras que se contradizem. Na sabedoria bíblica são palavras que se complementam.
Um cristão pode até ter uma autoestima baixa, mas não deveria. Ele é bem-aventurado. No entanto, na jornada da vida, a autoestima baixa pode ser companheira de muitos cristãos, o que acontece quando têm uma visão errada acerca de si mesmos e de Deus.
A meditação nas bem-aventuranças nos ajuda a entender verdades essenciais sobre nossa vida, para um programa realista. Uma autoestima baixa tem mais a ver com a fantasia do que com a realidade.

1. Todos nós, independentemente de nossas biologias e biografias, devemos nos ver como realmente somos: pessoas amadas por Deus. Esta certeza, se não nos habita, deve nos habitar. Não importa o que digamos de nós mesmos ou que digam de nós.
Na minha infância me lembro de uma pessoa da igreja. Eu era criança e ele já era um jovem, um jovem que andava encurvado e pelos cantos das ruas. Não levantava a cabeça. Não falava com ninguém. Era um derrotado. Ele não nasceu para viver encurvado, mas estava. Ele não nasceu para viver tecido pelo medo, mas vivia. Só esta imagem perdurou dele: uma pessoa cuja cabeça a vida encurvou. Nada mais me restou dele. Que tristeza: ser lembrado deste modo. Não por acaso, Jesus repete “bem-aventurados” oito vezes. Se as ouviu, é como se não fossem para ele, embora tenham sido, porque são para todos os marcados para a infelicidade.

2. Se temos problemas com nossa auto-estima, devemos aprender olhar a vida de uma forma diferente com que olhamos até agora. Jesus toma exemplos de pessoas que teriam tudo para viver de cabeça baixa e os transforma em bem-aventurados. Não há condição, por pior que seja, que não possa ser revertida. As derrotas no plano emocional são muito difíceis de serem equacionadas, mais que as financeiras ou físicas, mas podem ser superadas. Os traumas podem ser superados. A violência pode ser vencida. O sonho despedaçado pode ser reconstruído. As sequelas na vida podem ser colocadas à margem, para saírem do centro da vida.
Se na minha infância, o jovem encurvado me marcou negativamente, outro me marcou positivamente. No começo dos anos 60, esteve na minha igreja, em Campo Grande (Vitória, ES), o professor Oliveira, um homem fisicamente limitado mas emocionalmente elevado. Ele não tinha os dois bracos e tocava vários instrumentos ao mesmo tempo. Num deles, um bumbo que sonorizava  com os pés, estava escrito: “Querer é poder”.

3. Há alguns versículos da Bíblia que juntam emoção e razão de uma forma monolítica. Ouçamos alguns:

. “Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”.

(Romanos 8.1– NVI)
. “Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora”.
(João 6.37– NVI)
. “Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que este fosse salvo por meio dele”.
(João 3.17 – NVI)

Não por acaso o coração da Bíblia é a seguinte promessa-verdade:

. “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” .
(João 3.16 – ARA)

O que acabamos de ouvir? Ouvimos que Deus nos ama com tal intensidade que retirou toda a condenação que pesava contra nós por causa do nosso pecado. Para a festa dele, ele convida os que nunca são convidados para nada, habitantes de caminhos e valados (Lucas 14.23) e os poe para dentro. A todos estes a quem amou Deus encaminhou para ser cuidado pelo seu Filho Jesus Cristo, que não rejeita ninguém, nem os rejeitados ou autorrejeitados. Jesus chama a este processo de amor de “salvação”, em que a nossa parte é o exercício da confiança. Cremos mesmo que todos os que vão a Jesus não são desprezados? Cremos mesmo que somos convidados para a festa de Deus, mesmo quando por aqui nunca nos chegue um convite? Temos nós certeza que a nossa salvação é para sempre, para esta vida e para a próximos, para os próximos anos e bilênios? Cremos que Deus nos pode restaurar a autoconfiança para que tenham uma autoestima elevada?
Jesus cura a autoestima baixa.
Pedro, o apóstolo, viu sua alegria partir. A morte de Jesus estava uma tristeza sem fim, como acontece em todas as mortes de pessoas queridas. Imagino que, num dia, Pedro caminhava pela praia, sem rumo, longe das pessoas, com vergonha das pessoas. Ele creu em Jesus e Jesus morreu. Além disso, ele se sentia culpado por que negara a este Jesus três vezes, mesmo tendo sido avisado, e por agora não ter forças para liderar o grupo que restava e que esperava o seu pastoreio.
Então, Jesus o encontrou e lhe perguntou três vezes: “você me ama”? A tríplice pergunta de Jesus ofereceu a Pedro a oportunidade de ser curado de sua auto-estima baixa. A cada resposta, a confiança foi aumentando até ficar plenamente restabelecida. Jesus curou Pedro e Pedro pode pastorear a igreja.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO
(Igreja Batista Itacuruçá, 11.1.2009. manhã) <!– @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0.21cm } –>