AINDA CANTO
SALMO 63
A qualidade de nossas vidas tem a ver com nossas atitudes diante da vida. O Salmo 63, que vamos ler, é o registro da experiência de um homem diante das dificuldades, que não eram poucas como veremos. Ele é bem diferente daqueles que se deixam conduzir pelas circunstâncias. Ele aprendeu que “as circunstâncias não nos tornam quem somos, mas revela o que somos”.
Há pessoas que não são como este poeta. Há pessoas que não são como o apóstolo Paulo, aquele prisioneiro que cantava na cadeia injusta.
Há pessoas que têm uma certeza: o pior virá. Alguém pensou nessas pessoas, de forma irônica, aconselhando sarcasticamente:
1. Deixe que as pequenas coisas lhe incomodem; não só deixe que lhe incomodem, mas crie essas coisas.
2. Perca sua perspectiva das coisas. Não coloque as coisas mais importantes em primeiro lugar.
3. Ache uma boa coisa com a qual se preocupar – uma sobre a qual você não possa fazer nada, mas se preocupar.
4. Seja perfeccionista: condene-se a você e aos outros por não atingirem a perfeição.
5. Esteja certo, sempre certo, 100% certo o tempo todo. Seja o único a estar certo e seja rígido em relação à sua certeza.
6. Não confie ou acredite nas pessoas, ou nada aceite a não ser as fraquezas e o que têm de pior. Suspeite. Ache motivações ocultas nas pessoas.
7. Sempre se compare de forma não favorável com os outros, o que garante um sentimento imediato de miséria.
8. Leve para o lado pessoal, com um peso nos ombros, tudo que acontece com você e de que você não gosta.
9. Não se dê por completo ou com entusiasmo para ninguém ou coisa alguma.
10. Faça da infelicidade um alvo na sua vida, ao invés de passar pelas farpas da vida com uma filosofia de que “o pior ainda virá”.
(HEWETT, James S., ed. Illustrations Unlimited. Wheaton, Illinois: Tyndale, 1988, p. 281).
CANTANDO COM O POETA
Lendo estes bem-humorado decálogo, ficam mais claros os desejos do poeta do Salmo 93.
Comecemos por ler juntos o Salmo.
1
(a) (Salmo de Davi, quando ele estava no deserto de Judá).
Esta é uma informação da tradição, que procura situar na história quando se deu a experiência que serve de pano de fundo para o belo poema, cuja melodia não conhecemos.
O deserto de Judá ficava entre as colinas de Judá e o mar Morto. Por ter montes, vales, cavernas, florestas e riachos, servia como esconderijo, embora a temperatura pudesse chegar a 40 graus durante o dia e fazer muito frio à noite. Davi se refugiu aí algumas vezes (1Samuel 13.15, 1Samuel 22.5, 2Samuel 15:23 ).
Davi foi o que se tornou em função dos muitos desertos que habitou.
(b) Oh Deus, tu és o meu Deus, eu te busco intensamente; a minha alma tem sede de ti! Todo o meu ser anseia por ti, numa terra seca, exausta e sem água.
O poeta compara sua busca por Deus a sua busca por água, ele que estava num deserto. Ele deseja Deus como a terra seca e rachada precisa de água. O poeta é alguém que conhece a Deus, mas quer conhecer ainda mais. Ele sabe que, quanto mais o conhecemos, mais podemos conhece-lO.
2
Quero contemplar-te no santuário e avistar o teu poder e a tua glória.
Ele já contemplou a Deus no templo em Jerusalém. Agora está no meio da floresta e quer voltar ao santuário para cultuar de novo com os seus irmãos. Ele podia contemplar a Deus sozinho e, porque contemplava a Deus sozinho, queria contemplar a Deus em conjunto com seus irmãos. Sua experiência interior não o tornava tão autossuficiente que não precisasse dos seus irmãos. Era junto com seus irmãos, mais do que no solilóquio da natureza, que via o poder de Deus, refletido nas vidas das pessoas. As pessoas, com suas dores e com suas vitórias, eram a maior evidência do poder de Deus.
3
O teu amor é melhor do que a vida! Por isso os meus lábios te exaltarão.
As coisas que Deus dá são muito boas, mas o Deus que nos dá as coisas é muito melhor. As coisas acabam, mas Deus não. O poeta não idolatra coisas. O poeta adora a Deus. O poeta não ama a Deus pelas coisas Deus lhe dá. O poeta ama a Deus por quem Deus é. O poeta está no deserto, onde parece que Deus não está, mas o poeta sabe que ninguém lhe pode separar do amor de Deus. Deus também está deserto, mesmo que faça frio, e os lábios batam um no outro.
4
Enquanto eu viver te bendirei, e em teu nome levantarei as minhas mãos.
O poeta se recorda de tudo o que Deus já lhe fez. O poeta sabe que Deus está ao seu lado agora, mesmo no deserto. Por isto, faz sua promessa, de que vai bendize-lo enquanto tiver vida.
5
A minha alma ficará satisfeita como quando tem rico banquete; com lábios jubilosos a minha boca te louvará.
Comendo precariamente e desejando comer fartamente, o poeta tem a certeza que o alimento melhor é o pão do céu. Estar na presença de Deus é melhor que estar num banquete de ricas comidas e bons amigos.
6
Quando me deito lembro-me de ti; penso em ti durante as vigílias da noite.
O poeta se deita, mas os problemas não se vão. As dificuldades continuam e é preciso estar atento. Também durante a noite é preciso vigiar. No deserto, não se pode descansar.
Estar no deserto é como descer para a noite. Muitas vezes experimentamos a noite, formada de solidão, sofrimentos e choro. A solidão precisa ser enfrentada com meditação. A noite, que penetra a alma, precisa ser penetrada pela alma, para que sua intensidade sirva de escola.
7
Porque és a minha ajuda, canto de alegria à sombra das tuas asas.
O poeta olha para os lados e está só. Não, não está só. Deus está ao seu lado. De seu esconderijo, vê um pássaro com suas imensas asas. Era a imagem de que precisava para entender como Deus age. Naquele momento, Deus tem asas para o proteger. A ajuda vem mesmo do alto. O inimigo pode vir, que será enfrentado, não nas armas próprias, mas nas armas da confiança.
8
A minha alma apega-se a ti; a tua mão direita me sustém.
O poeta repete: ele não dispensa os amigos e protetores, mas sabe que o auxílio infalível é Deus. Por isto, quer estar onde Deus está. Ele quer que Deus esteja onde ele está. Ele sabe de onde vem sua força: sua força vem de Deus. Ele sabe de onde vem sua sabedoria: sua sabedoria vem de Deus. Ele sabe de onde vem sua esperança: sua esperança vem de Deus.
9
Aqueles, porém, que querem matar-me serão destruídos; descerão às profundezas da terra.
Chegam notícias que os inimigos estão por perto. Serão que descobrirão o esconderijo e será necessária uma outra fuga alucinada? Não: os inimigos já foram derrotados.
10
Serão entregues à espada e devorados por chacais.
Os inimigos não mais o alcançarão. Antes que cheguem, os chacais os destruirão, fazendo a vontade de Deus.
11
Mas o rei se alegrará em Deus; todos os que juram pelo nome de Deus o louvarão, mas as bocas dos mentirosos serão tapadas.
Ainda lá fora os inimigos celebram a vitória contra o poeta, mas é tudo mentira. A verdade é outra: ele é que o vencedor ou melhor: Deus é o vencedor. Mas o poeta está apegado a Ele. A vitória de Um é a vitória do outro.
CANTEMOS COMO O POETA
Assim cantou o poeta.
E nós, por que podemos cantar.
1
PODEMOS E DEVEMOS CANTAR MESMO QUE ESTEJAMOS NO DESERTO
O deserto é lugar para se cantar. Cantemos enquanto choramos por causa da violência (verso 9), por causa da mentira contra nós (verso 11). Não esperemos que a violência cesse. Não esperemos que a mentira se cale.
Quem canta vence.
Quem não canta já perdeu. É como ir para uma entrevista de emprego sabendo que a vaga NÃO será sua.
A vitória começa com uma atitude de canto perante a vida, mesmO no deserto.
Todos ficamos admirados da fibra de Abraham Lincoln (1809-1865), que faliu duas vezes, viu morrer a namorada, teve um colapso nervoso, sofreu de depressão e perdeu oito eleições até ser eleito e reeleito presidente dos Estados Unidos. Mas a história está cheia de outros exemplos, que podem ser recordados, assim:
Aleije-o e terás um Sir Walter Scott. Tranque-o em uma sela e terás um John Bunyan. Enterre-o na neve do Vale Forge e terás um George Washington. Submeta-o a um amargo preconceito religioso e terás um Benjamin Disraeli. Derrube-o com paralisia infantil e ele se tornará um Franklin D. Roosevelt. Queime-o severamente em um incêndio escolar que os médicos digam que nunca andará novamente e terás um Glenn Cunningham, que estabeleceu o recorde mundial em 1934 ao correr uma milha em 4 minutos e 6.7 segundos. Ensurdeça um compositor gênio e terás um Ludwig van Beethoven. Que ele ou ela nasça preto em uma sociedade cheia de discriminação racial e terás um Booker T. Washington, uma Harriet Tubman, uma Marian Anderson ou um George Washington Carver. Faça dele a primeira criança a sobreviver em uma pobre família italiana pobre 18 filhos e terás Enrico Caruso. Deixe-o nascer de pais que sobreviveram aos campos de concentração nazista, paralise-o da cintura para baixo quando ele tiver quatro anos e terás um incomparável concertista de violino, Itzhak Perlman. Diga que ele tem problemas de aprendizado, chame-o de “retardado” e descreva-o como ineducável e terás um Albert Einstein.
Escrevendo aos filipenses, Paulo lhes pediu a viverem sem queixas e discussões (Filipenses 2.14). Quando não cantamos, queixamo-nos e reclamamos. Quando não cantamos, murmuramos. A queixa ou murmuração é “a expressão de uma desordem e rebelião interna que agita o punho na face de Deus e repudia o Seu direito de governar, que questiona Seu amor e Sua sabedoria” (Dwight Pentecost)
SALMO 63
este espaço de necessária travessia,
mesmo que a manhã seja dura e a noite, fria,
mesmo que o perigo acampe por perto.
É aqui que deixarei de ser um Jacó esperto
para me tornar um Israel que em Ti confia.
É aqui que minha voz perderá o protesto
para ser o poema de quem Te reverencia.
É aqui que minhalma à Tua vai se apegar,
desistente de ser tão teimosamente errante.
É aqui que tomarei a aula sobre como olhar
sem medo para a adversidade, mas esperante.
É aqui que a Tua fidelidade vou celebrar,
por que o Senhor aqui… é fino restaurante.
És o amigo que a mentira faz calar
e acorrenta o leão, para que eu cante.
(Israel Belo de Azevedo — Rio de Janeiro, 23.1.2009)
2
QUANDO CANTAMOS, CRESCEMOS NO CONHECIMENTO DE DEUS E VEMOS SEU PODER E AMOR EM AÇÃO.
Ouço de novo o canto do poeta:
Oh Deus, tu és o meu Deus, eu te busco intensamente; a minha alma tem sede de ti! Todo o meu ser anseia por ti, numa terra seca, exausta e sem água.
Quero contemplar-te no santuário e avistar o teu poder e a tua glória.
O teu amor é melhor do que a vida! Por isso os meus lábios te exaltarão.
Enquanto eu viver te bendirei, e em teu nome levantarei as minhas mãos.
(Salmo 63.1-4)
Quem canta demonstra que tem fome e sede de Deus.
Quem tem sede de Deus vê o amor, o poder e a glória de Deus.
Quem tem sede de Deus bendiz a Deus.
Quem bendiz a Deus vê que a vida vale a pena. A vida é um dom de Deus.
Quem bendiz a Deus bendiz no interior do seu coração, mas canta também no coração do santuário, onde os que crêem estão reunidos.
Quem canta sabe que o amor de Deus é melhor que a vida, que as coisas da vida, que as bênçãos da vida, que as vitórias da vida, que as alegrias da vida.
3
CANTANDO, DESENVOLVEMOS NOSSA CONFIANÇA EM DEUS
Cantou o poeta:
Aqueles, porém, que querem matar-me serão destruídos; descerão às profundezas da terra. Serão entregues à espada e devorados por chacais.
Mas o rei se alegrará em Deus; todos os que juram pelo nome de Deus o louvarão, mas as bocas dos mentirosos serão tapadas.
(Salmo 63.9-11).
Estão caluniando você, confie em Deus. Não perca o seu tempo desfazendo as mentiras; confie em Deus. Você desmente uma, inventam outra. Deus lhe defende melhor, se você é verdadeiro.
Há situações que podem derrubar você? Confie em Deus. Estão tramando o mal contra você, confie em Deus. O mal não subsistirá. Lembra-se dos 70 que Jesus enviou? Eles voltaram alegres e disseram: “Senhor, até os demônios se submetem a nós, em teu nome”. [Jesus] respondeu: “Eu vi Satanás caindo do céu como relâmpago. Eu lhes dei autoridade para pisarem sobre cobras e escorpiões, e sobre todo o poder do inimigo; nada lhes fará dano. Contudo, alegrem-se, não porque os espíritos se submetem a vocês, mas porque seus nomes estão escritos nos céus” (Lucas 10.17-20).
O amor de Deus, e não nenhum pensamento positivo, é a razão do otimismo. Seja otimista, porque você foi feito à imagem e semelhança de Deus.
Não seja como esta pessoa descrita neste poema (de autor desconhecido):
Era primavera
Mas era o verão que eu queria,
Os dias quentes,
E o ar livre.
Era verão,
Mas era o outono que eu queria,
As floras coloridas,
E o fresco ar.
Era outono,
Mas era o inverno que eu queria,
A bela neve,
A alegria de temporada de férias.
Era inverno,
Mas era a primavera que eu queria,
O esquentar
E o florescer da natureza.
Eu era criança,
Mas era a vida adulta que eu queria,
A liberdade
E o respeito.
Eu tinha 20 anos,
Mas era 30 que eu queria,
Ser maduro,
E sofisticado.
Eu era uma pessoa de meia idade,
Mas eu estava no meio do que queria,
A presença da mente,
Sem limitações.
Minha vida tinha terminado.
Mas eu nunca consegui o que queria.
Lembre-se: seu nome está escrito no Livro da Vida.
Se você tiver que começar de novo, Deus lhe dará força nesta nova caminhada, como aconteceu como Thomas Edison.
Em Dezembro de 1914, o grande laboratório Edison em West Orange, Nova Jersey, estava quase inteiramente destruído pelo fogo. Em uma noite, Edison perdeu dois milhões de dólares em equipamentos e o arquivo do seu trabalho de uma vida inteira. O filho de Edison, Charles, correu freneticamente tentando encontrar o pai. Finalmente ele o encontrou em pé perto do fogo, o rosto rosado no brilho do fogo, os cabelos brancos balançados pelo vento do inverno.
— Meu coração doeu por ele — disse Charles Edson. — Ele não era novo e tudo estava sendo destruído. Ele me chamou atenção. ‘Onde está sua mãe?’ — gritou ele. ‘Encontre-a. Traga-a até aqui. Ela nunca mais verá algo assim enquanto ela viver.’
Na manhã seguinte, andando sobre as cinzas de tantas de suas esperanças e sonhos, um Edison de 67 anos disse:
— Existe uma grande valor na desgraça. Todos nossos erros estão queimados. Graças a Deus podemos começar do zero.
4
COMPROMETAMO-NOS EM CANTAR
A confiança do poeta é um convite. Cantemos também.
A minha alma ficará satisfeita como quando tem rico banquete;
com lábios jubilosos a minha boca te louvará.
Quando me deito lembro-me de ti; penso em ti durante as vigílias da noite.
Porque és a minha ajuda, canto de alegria à sombra das tuas asas.
A minha alma apega-se a ti; a tua mão direita me sustém.
(Salmo 63.5-8)
Para cantar, apegue sua alma a Deus. Agarre-se em Deus. Cole em Deus. O canto sairá dos seus lábios, mesmo no deserto.
Preferimos nos apegar a coisas, que são palpáveis, mas elas se vão. Precisamos das coisas, mas não podemos dar a elas o valor que não tem.
Preferimos nos apegar a pessoas, mas elas se vão. Assim como nós as decepcionamos, elas nos decepcionam. Um dia lhes somos importantes; no outro, já não somos.
Primeiro ame a Deus, depois vá atrás das coisas. Quem inverte a ordem colhe a desordem.
Primeiro ame a Deus, depois se relacione com as pessoas. Se você colocar as pessoas acima de Deus, será esquecido pelas pessoas.
Importe-se com o que importa. Importe-se com Quem importa. Importe-se com Quem se importa com você, mesmo que você esteja no fundo do poço. Ele desce com você.
Comprometa-se em ajudar as pessoas a terem razão para cantar.
Por que o poeta cantou?
Por que, depois de ter cantado, nos legou seu canto?
O poeta assim o faz porque a sua experiência com Deus lhe mostrou que o amor de Deus é melhor do que a própria vida.
O poeta assim o faz também porque quer que cantemos também. Ele escreve para que tenhamos a mesma experiência revigorante que teve.
Podemos fazer o mesmo. Podemos ajudar os outros a cantar. Podemos levar outros a terem experiência com Este Deus de amor.