Silêncio, mesmo que por um pouco.
O poeta está escrevendo os versos para uma melodia cujas notas cantam por todo seu corpo.
A letra vai nascendo em voz alta, para depois ser ditada.
Os olhos estão fechados para navegar pela memória, pousando por um pouco em sua profissão de pastor das ovelhas do pai.
Ele se lembra agora de que as fazia trafegar por campos verdejantes que descobria, sempre em busca dos melhores, e as trazia e as deixava pastar, sob os seus atentos cuidados de pastor. Nalgumas vezes a chegada até estes pastos incluía a passagem por veredas estreitas. Como algumas coxeavam, ele as pegava no colo e as atravessava. Ficava cansado. Por isto, quando podia, descansava sob a certeza de que tinha feito o melhor e tinha mesmo: bastava contemplar os animais para ali levados. Distantes mas vivos tempos aqueles, tempos de medo e de esperança, tempos para recitar as grandes verdades do seu povo e notar que o Deus de Abraão, Isaque e Jacó era o mesmo de Boaz, Obede e Jessé e dele também, escapado uma vez das garras de um leão e protegido tantas outras das mãos dos assaltantes.
Daquelas veredas finas, prolepse de águas tranqüilas, os canais da lembrança conduzem o agora poeta-rei a outros tempos, também difíceis tempos, quando a morte chegou tão próximo, que o seu perfume roçou os poros. O vale tão era escuro e profundo, que tinha a forma de um sepulcro. Só que o vale é agora apenas um registro porque Deus desceu Suas mãos e fez o resgate para a vida.
Da sombra nasce o riso nos lábios que um dia tremeram quando o inimigo parecia ter braços de ferro e pernas de gigante, até que… Até ser acolhido na Cabana, recebido com honra, alimentado em banquete, diante de outros convidados.
O poeta vai lembrando e escrevendo na mente as estrofes, enquanto formula um desejo: estar onde o seu Pastor está, porque Davi quer estar Ele com todos os dias da sua vida. Seu Pastor presente, nada lhe falta, porque Sua presença é tudo.
Ficou lindo o poema. Sem a partitura original, cada um de nós pode fazer sua própria melodia. Como na vida, para a qual Deus nos dá o roteiro.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO
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