Mateus 5.20: EU POSSO PERDOAR

Em busca da mente de Cristo: Eu posso perdoar
(Mateus 5.21-26)

Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados: ‘Não matarás’ e ‘quem matar estará sujeito a julgamento’.
Mas eu lhes digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento.
Também, qualquer que disser a seu irmão: ‘Raça’, será levado ao tribunal. E qualquer que disser: ‘Louco!’, corre o risco de ir para o fogo do inferno.
Portanto, se você estiver apresentando sua oferta diante do altar e ali se lembrar de que seu irmão tem algo contra você, deixe sua oferta ali, diante do altar, e vá primeiro reconciliar-se com seu irmão; depois volte e apresente sua oferta.
Entre em acordo depressa com seu adversário que pretende levá-lo ao tribunal.
Faça isso enquanto ainda estiver com ele a caminho, pois, caso contrário, ele poderá entregá-lo ao juiz, e o juiz ao guarda, e você poderá ser jogado na prisão.
Eu lhe garanto que você não sairá de lá enquanto não pagar o último centavo.

INTRODUÇÃO

Como uma menina abusada sexualmente em casa vai perdoar seu algoz?
Como uma esposa traída vai perdoar o homem a quem amou por tanto tempo?
Como uma família que teve um filho assassinado vai perdoar o homicida?
Como um adulto conviverá com o fato de ter sido abandonado ainda bebê perdoando sua mãe (ou seu pai)?
Como alguém perdoará  uma pessoa que teve uma dúvida a seu respeito e a espalhou como certeza, sem conferir, sem pensar nas conseqüências?
Como um homem derrubado pela maledicência de “um irmão em Cristo” vai perdoar quem lhe causou tanto prejuízo?
Como uma senhora que teve suas economias liquidificadas por um espertalhão vai lhe perdoar?

Estas situações não deveriam nos sobrevir, mas nos sobrevêm.

Ao longo de nossas vidas, estamos cercados de bondades e maldades. A bondade tem o condão da invisibilidade. A maldade é como um ponto preto numa superfície branca. Olhamos para o ponto preto, por menor que seja, e desprezamos a superfície branca, mesmo imensa.
Não nos lembramos que a bondade nasce do desejo de fazer coisas boas, pois só pensamos no desejo como o berçário do mal. Assim, os desejos dos outros são os nossos infernos.
A solução seria não ter desejos, mas os temos. Outra solução seria não conviver, mas esta opção não nos é dada.
Os desejos, dos outros (que nos incomodam) e os nossos (que incomodam aos outros), e as convivências tornam inevitáveis os conflitos. O conflito existe quando nós somos pensados como obstáculos aos desejos dos outros. O conflito existe quando nós pensamos os outros como obstáculos aos nossos desejos. Nesses casos, a vitória é triunfar sobre os obstáculos, não importa o preço.

Muitas vezes o resultado destes conflitos é a ofensa, seja ela verbal ou física.
O que fazer quando ofendemos?
O que fazer quando somos ofendidos?

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NÓS TAMBÉM OFENDEMOS

Não temos grandes dificuldades quando ofendemos porque raramente temos a percepção que ofendemos. Quando ofendemos, não sofremos tanto. Tendemos a nos importar pouco com aqueles que têm algo contra nós.
É tanta a nossa dificuldade que Jesus fala deste tipo de ofensa, aquela que nós provocamos. Diz ele: “qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento” (…) Portanto, se você estiver apresentando sua oferta diante do altar e ali se lembrar de que seu irmão tem algo contra você, deixe sua oferta ali, diante do altar, e vá primeiro reconciliar-se com seu irmão; depois volte e apresente sua oferta” (Mateus 5.22-24).
Preferimos nos concentrar na maldade que nos fere, não em nossa maldade que fere os outros. Nela precisamos pensar. Pensar e agir, para ver o que podemos reparar. A ofensa que praticamos impede ao ofendido de cultuar a Deus e deveria nos incomodar também. A ofensa que recebemos nos impede de cultuar a Deus e deveria incomodar o ofensor também.
Tomemos cuidado para não usarmos dois pesos e duas medidas: compreensão, para nós; juízo, para o outro. Nosso modo de ser deve exceder o dos fariseus.
O juiz nesta questão não somos nós, mas os outros. Se o outro diz que o ofendemos, nós o ofendemos. “Se o seu irmão tiver algo contra você…” — eis a advertência de Jesus.
O fato de eu não saber que ofendi não me torna inocente. No dia em que eu souber que ofendi, preciso agir. Não devo me esconder no fato de que não sabia ou que não tive a intenção. O sofrimento do outro não depende do que eu ache.
Como eu me sinto quando sou a vítima, nessas mesmas condições?

A possibilidade e a realidade de sermos os ofensores nos devem levar a atitudes prévias e posteriores.

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ATITUDES PRÉVIAS À OFENSA

O padrão está dado: em nossos relacionamentos, no conflito e na paz, devemos adotar atitudes mais elevadas que as do mundo em que vivemos (Mateus 5.22). Pode ser que todo mundo aja assim ou assado, mas nós agiremos de outro modo. Podemos ser os únicos a manter o nível elevado de vida, mas nossa fidelidade deve ser a Deus, não aos homens.
Em nosso convívio, portanto, devemos pensar antes de falar. Devemos pensar e repensar antes de agir. Devemos pensar, repensar e recuar antes de julgar.
É sábio e santo pensar. É sábio e santo pensar e repensar. É sábio e santo pensar, repensar e recuar.
Se a nossa religião não nos torna mais generosos e mais atentos aos outros, ela não vale nada. Temos déficits na área da atenção aos outros. E não é por olharmos demais para Deus. Quando nós o contemplamos, Ele nos manda olhar para os lados, para ver os caídos. Nosso problema é que tendemos a olhar demais para nós mesmos, que ficamos sem tempo para olhar para os outros, prestar atenção aos outros, cumprimentar os outros, abraçar os outros. Precisamos orar para que Deus nos ajuda a nos livrar de nossa natureza centrada em nós mesmos, para olharmos para os outros. Não gostamos da atenção dos outros? Demos atenção aos outros. Não queremos ser ouvidos? Ouçamos os outros. Não gostamos de uma palavra amiga? Profiramos palavras amigas.
Eu sou muito devedor a um homem: é o pastor Sillas dos Santos Vieira. Um dia destes estava na igreja, num sábado, quando chegou um carteiro. Perguntou meu nome e me deu um telegrama. Era do Sillas, pastor da Igreja Batista em Santo Antônio, Vitória, Espírito Santo. Ele deve ter sabido de minha saída do Seminário, ocorrida em 31 de março de 2009. Vou ler todo o texto, exceto a última frase em que saúda minha esposa e minha filha: “Parabéns, Israel, pelo belo trabalho realizado na direção nosso querido Seminário Batista do Sul do Brasi neste período que lhe coube dirigi-lo, Damos muitas graças ao nosso Deus por sua vida, sua família e agora pelo trabalho realizado no Seminário do Sul. Deus o abençoe e à sua família que soube apóia-lo em todo o tempo e também à querida Igreja Batista Itacuruçá”. Ele e sua esposa, Alba, assinam o telegrama, que ele postou pessoalmente (não mandou ninguém) num balcão dos correios.
Sillas telefona nos três aniversários lá de casa. Ou telegrafa ou escreve uma carta. Foi meu chefe quando fui redator da revista Juventude Batista, da Jumoc, nos anos 70 e 80. Desde então não tem uma data importante na minha vida em que não esteja presente, fisicamente ou por correspondência, sem nenhuma retribuição de minha parte, exceto, para minha vergonha, modestos “muito obrigado”. Ele não faz para receber gratidão. Ele não faz esperando reconhecimento. Ele faz. A generosidade se tornou parte do seu estilo de vida. Certamente faz isto com outras pessoas.
Palavras amigas são com Sillas dos Santos Vieira.
Se as pessoas importarem para nós, dificilmente nós as ofenderemos. Seremos mais generosos, mais polidos, mais corteses.

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DEPOIS QUE OFENDEMOS

Reflitamos agora sobre nossas ATITUDES POSTERIORES à ofensa.
E agora que, supondo, descobrimos que ofendemos alguém?

Ofendemos?
1. Devemos nos lembrar que somos capazes de ofender. A aritmética é simples: para cada um ofendido, há um ofensor. Um dia somos ofendidos. Noutro dia, ofendemos. E não necessariamente nesta ordem.

Ofendemos?
2. Peçamos desculpas, mas desculpas de verdade, vindas de um sentimento de arrependimento diante da falha cometida por nós.
Não peçamos desculpas, pondo a culpa no outro, como, por vezes, fazemos, como o evidenciam alguns exemplos:
— Não acho que tenha errado, mas lamento muito que a minha atitude lhe tenta trazido algum dano.
— Não tive a intenção de ofender você, mas assim mesmo peço desculpas, pelo transtorno que involuntariamente causei.
— A sua atitude não me deixou alternativa, senão reagir desse modo. Lamento muito.
— Peço desculpas não pelo que fiz, mas pela forma que fiz; como vocês sabem, eu estava sob uma intensa pressão e me excedi.
— Não era esta a minha intenção, mas, se magoei você, queira me desculpar.
— Errei, mas, no meu lugar, qualquer um erraria. Desculpe.
— Desculpe, mas você sabe que eu sou assim.

O certo é dizermos:
— Perdoe-me pelo mal que meu erro lhe causou.
Acho a palavra “desculpas” suave demais. Perdão é mais forte. Perdoe-me é mais pessoal. Dizer perdão é para poucos, só mesmo para os bem-aventurados.
Pedir perdão demanda atenção, humildade e coragem.

Ofendemos?
3. Disponhamo-nos a pagar o preço.
Mesmo que nosso pedido de perdão não possa reparar o dano provocado (como no caso de um assassinato ou de uma maledicência), devemos nos dispor a pagar o preço, vestindo-nos com roupa de saco e pondo cinza sobre nossos corpos, como faziam os profetas do Antigo Testamento, para indicar o malestar em que estavam por terem pecado.
No plano humano, todo perdão implica em um preço a ser pago.

Se furtei, devo pedir perdão e ressarcir o que surrupiei.
Se fofoquei, devo pedir perdão e minimizar os efeitos do meu pecado.
Se usei palavras duras, devo pedir perdão e me dispor a não as repetir.
Se traí a confiança, devo pedir perdão e me propor a ser fiel.
Se atravessei a rua para não falar com alguém, mesmo que não me tenha visto, devo pedir perdão e me dispor a gestos mais solidários.
Se fui ríspido ou deselegante, devo pedir perdão e me vigiar mais para não explodir de novo.
Se faltei a um compromisso, devo pedir perdão e desejar, de coração, nunca mais faltar.
Se reagi impensadamente, com violência ou não, devo pedir perdão e orar para que meu jeito de ser seja transformado.

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O DIFÍCIL É POSSÍVEL

Será que, nestes casos, o difícil é possível?
Algumas atitudes podem nos ajudar.

1. Precisamos desejar viver de modo coerente.
Nossa grande meta deve ser que, em nosso comportamento, vida e religião guardem uma proximidade tal que     que o nosso desejo e a nossa prática formem uma identidade. Quem tem uma visão integrada (entre vida e fé) sabe que uma ofensa ao próximo é uma ofensa a Deus.

2. Precisamos desejar que nossos relacionamentos, nos conflitos e na paz, tenham padrões mais elevados do que o mundo em que vivemos. Jesus contrapunha as práticas equivocadas de antigos e contemporâneos com um “mas” (Mateus 5.22), propondo a partir daí um novo caminho.

3. Precisamos pedir coragem ao nosso Deus, para reconhecer que erramos, para admitir perante o outro que erramos contra ele e para decidir pagar o preço do nosso erro.

Nossa adoração, segundo Jesus, depende disto.

Passo a ler agora um texto muito conhecido:

Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus.
Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor.
Foi assim que Deus manifestou o seu amor entre nós: enviou o seu Filho Unigênito [Único] ao mundo, para que pudéssemos viver por meio dele.
Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados.
Amados, visto que Deus assim nos amou, nós também devemos amar uns aos outros.
Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor está aperfeiçoado em nós.
Sabemos que permanecemos nele, e ele em nós, porque ele nos deu do seu Espírito.
E vimos e testemunhamos que o Pai enviou seu Filho para ser o Salvador do mundo.
Se alguém confessa publicamente que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece nele, e ele em Deus.
Assim conhecemos o amor que Deus tem por nós e confiamos nesse amor. Deus é amor.
Todo aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele.
Dessa forma o amor está aperfeiçoado entre nós, para que no dia do juízo tenhamos confiança, porque neste mundo somos como ele.
No amor não há medo [medo de não ser aceito; medo de não ser perdoado]; ao contrário o perfeito amor expulsa o medo, porque o medo supõe castigo.
Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor.
Nós amamos porque ele [Deus] nos amou primeiro.
Se alguém afirmar: “Eu amo a Deus”, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê.
Ele nos deu este mandamento: Quem ama a Deus, ame também seu irmão.

(1João 4.7-21)

Leio este texto e me sinto chicoteado e espero que lhes chicoteiem também.
Leio também a afirmativa de um pastor contemporâneo: “Vivemos em uma época em que o ódio é a norma e por excessivas vezes essa atitude transborda para dentro da igreja, mas as Escrituras deixam claro que a devoção total a Jesus Cristo inclui viver em paz com os nossos irmãos” (Bill Hybels). Eu me sinto também chicoteado e espero que a frase também lhe esteja doendo nas costas.
Se eu amo meu irmão, é porque o Espírito Santo está conduzindo o meu coração. Se não amo, tenho que me perguntar: quem está me conduzindo? Se eu amo, sou nascido de Deus. Se deixo o ódio crescer dentro de mim, de quem sou nascido? (E aqui lembro que o ódio, se não for espiritualmente estancado, vai naturalmente crescer. A pessoa odiada não precisa fazer mais nada, que será cada vez mais odiada.)
Se eu amo, eu aperfeiçôo o amor de Deus. Que linda responsabilidade. Se eu não amo, posso concluir que aperfeiçôo o ódio, inoculado e alimentado por Satanás no meu coração.
O amor, portanto, é o teste prático da fé. Se digo que creio em Jesus, mas não amo, eu não creio em Jesus. É por isto que Jesus diz: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus” (Mateus 7.21). Há gente pensando que vai para o céu, mas não vai. Lá não cabe este tipo de pessoa. Imaginemos por que: aqui você odiou aqui alguém; desejou até que ela morresse. Bem, ambos morrem, aqui em tempos diferentes, mas no céu não tem tempo. De repente, ao chegar ao céu, você se encontra com quem odiou aqui. Vai pedir a Deus um lugar distante dessa pessoa? Não há essa chance: quem odeia não vai estar lá, porque não crê em Deus e demonstra que não crê, odiando.
O assunto, portanto, é mais sério que os nossos temperamentos, nossas emoções e nossas biografias.
Temos muito a caminhar e eu espero que o Espírito Santo seja a nossa força. Se dependermos de nossos próprios espíritos (temperamentos, sentimentos, biografias), vamos produzir apenas ódio, mais ódio, porque esta é a nossa natureza.

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ANALISANDO NOSSO PRÓPRIO CORAÇÃO

No Rio de Janeiro (e isso acontece em todas as cidades brasileiras), uma família sai de um culto e, já chegando em casa, é assaltada. Tudo é entregue ao ladrão. No entanto, a moça, de nome Karla, pede para conservar a Bíblia e o crachá da empresa onde estagiava. A resposta é um tiro que lhe tira a vida.
A rotina triste das cidades brasileiras foi quebrada pela atitude da família, que decidiu perdoar o assassino.
No dia do enterro de Karla (dia 30 de março de 2009), sua mãe, Ionete Fátima Leal, disse: “Senhor, fico feliz que ela esteja nos seus braços, mas me dá um consolo. Que esse rapaz venha para a casa do Senhor”.

Talvez uma enquete sobre este perdão teria como resultado a condenação dos perdoadores. Possivelmente, até mesmo entre cristãos a atitude não seria unanimemente apoiada. Um argumento é que o perdão contribui para a impunidade, o que é uma desculpa para não perdoar.

Precisamos analisar nosso próprio coração. Algumas perguntas indigestas nos ajudam nesta tarefa.

1. Tirando de lado a complexa questão política, que beneficio tem uma família em não perdoa o assassino de um filho? É evidente que que o estado fará justiça que pode fazer, talvez condenando o homicida a alguns anos de prisão.
Que benefício tem uma mulher em não perdoar o marido que a traiu? Perdoar, é claro, não implica em fazer de conta que a ofensa não existiu.
Que benefício tem uma menina que não perdoa o parente que abusou dela sexualmente. Perdoar, é claro, neste caso não implica em esconder a ofensa cometida, devendo o ofensor ser denunciado, para que não faça outras vítimas.
Sei que a pergunta “que benefício” é incômoda, mas é uma forma didática de nos ajudar a pensar sobre o que fazer com os nossos sentimentos, quando somos ofendidos.

2. Nossa raiva do ofensor está aumentando, mesmo que ele já não nos agrida mais?
A pergunta não é incômoda, mas a resposta pode ser. Se, por exemplo, a cada dia odiamos mais nosso ofensor, mesmo que não esteja nos fazendo mal atualmente, há algo de errado e é conosco mesmo. O que fizemos para chegar a este ponto? Que mal estamos nos fazendo a nós mesmos!

3. Que resposta damos à ofensa que recebemos?
A resposta dos escribas e fariseus?
Aqui estou pensando nas palavras de Jesus: “eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus” (Mateus 5.20). Se diante de uma ofensa, um cristão age do mesmo modo que agiria um não-cristão, estamos diante de um cristão ou de um não-cristão?
Em que grupo nossa resposta nos coloca?
Cuidado com a justiça. A nossa justiça deve exceder à dos fariseus. Eles perseguiam (Paulo foi um perseguidor de cristãos, contra quem “respirava ameaças de morte” — Atos 9.1) e matavam (como fizeram com Estêvão).

4. Por que aquela pessoa nos ofendeu?
Quem lê  o livro “A cabana”, de William P. Young, depara-se com um convite. Deus convida o personagem principal na história a perdoar o assassino de sua filha, pensando nele também como uma vítima, como alguém que age em conseqüência dos traumas que enfrentou. Na verdade, o assassino não sabia o que estava fazendo.
Esta foi a visão de Jesus. Ele olhou para os seus assassinos como pessoas que não sabiam o que estavam fazendo. Para eles, crucificavam alguém que era uma ameaça ao seu sistema; não crucificavam o Filho de Deus, não crucificavam o Salvador do mundo. Eles não sabiam quem crucificavam (Lucas 23.34).
Esta foi também a visão de Estêvão, que martirizado acusado de ter proferidos blasfêmias que não disse, “caiu de joelhos e bradou: ‘Senhor, não os consideres culpados deste pecado'”  (Atos 7.60).
Aquelas pessoas, que crucificaram e apedrejaram, precisavam de cura para os seus ódios. A pessoa que nos ofendeu precisa de cura. Precisamos deixar nossos ofensores nas mãos de Deus para que Deus as cure. Não é a nossa resposta na mesma moeda que vai curar a pessoa que nos ofendeu.
Os ressentidos que nos ofendem ficarão apenas mais ressentidos enquanto não forem curadas por Deus.

5. Peço agora a sua permissão para fazer uma pergunta ainda mais incômoda, que vou colocar na primeira pessoa: será que eu sou melhor que meu ofensor?
Fui ofendido pela língua solta de alguém, que lançou penas no ar a meu respeito? Quanto a mim: nunca fiz isto?
Fui ofendido por uma pessoa que explodiu e descarregou em cima de mim sua raiva? E eu? Nunca explodi, falando ou fazendo o que não devia?
Fui traído por uma pessoa em quem eu confiava? Nunca traí?
Se não sou melhor que meu ofensor, porque não o perdôo, como gostaria de ser, se eu fosse o ofensor?
Se sou melhor que meu ofensor, nada tenho no meu currículo que me desabone nesta área, não estou contemplando minha própria bondade e me auto-exaltando, colocando-me como a fonte de minhas virtudes?

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PARA UM ESTILO DE VIDA SEGUNDO A MENTE DE JESUS

Quero sugerir duas expressões, como convites a um estilo de vida perdoador.

PERDOAR, UMA QUESTÃO DE INTELIGÊNCIA

Pessoas inteligentes perdoam.
Ou perdoamos ou morremos.
Ou perdoamos ou matamos, realmente ou simbolicamente.

Que fazemos quando somos ofendidos?
Uma atitude é descarregar nossa raiva, nascida da ofensa, contra o ofensor ou contra que(m) estiver por perto.
A sabedoria popular tem ensinado que é saudável não levar desaforo para casa. Este é o padrão dos fariseus. É sábia outra atitude.
Pesquisas biomédicas recentes têm demonstrado que pessoas propensas a acessos de raiva e agressividade têm 19% mais risco de sofrer de um evento cardiovascular, mesmo quando são saudáveis. Em outras palavras, rompantes de raiva contribuem para o aumento da chance de se ter um problema cardiovascular,  e não o contrário. A explicação é que, durante o episódio de agressividade, o organismo libera adrenalina; este hormônio eleva a freqüência e a força dos batimentos cardíacos e causa contração das artérias. A pressão arterial também sobe, levando o coração a precisar de mais oxigênio. Um entupimento dos vasos leva a um desequilíbrio na oxigenação do coração e pode causar de isquemias a infartos.
Portanto, descarregar a raiva em alguma coisa (um travesseiro, por exemplo) ou em alguma pessoa (que nos ofendeu) não é uma boa forma de acabar com a ira. O melhor mesmo é respirar fundo e tentar relaxar para dissipar a raiva. A raiva se dissipa melhor quando NÃO é descarregada. O ideal é o autocontrole, não xingamentos ou socos e pontapés. Aprendemos isto no Antigo e Novo Testamento: “Quando vocês ficarem irados, não pequem. Apazigúem a sua ira antes que o sol se ponha” (cf. Efésios 4.26 ou “ao se deitarem”, cf. o salmo 4.4, que Paulo cita).
É fácil acalmar a nossa ira? Não, mas nós temos um Acalmador: o Espírito Santo de Deus. Temos orado quando ficamos irados? Quando oramos com raiva, o primeiro pedido é fogo do céu contra nosso ofensor. Deus não nos atende. Então, vamos orando e aprendendo a orar. Orando, nosso coração vai sendo mudado pelo Espírito de Deus.

Pessoas inteligentes perdoam.
Ou perdoamos ou morremos.
Ou perdoamos ou matamos, realmente ou simbolicamente.

Conhecer a teoria e prática do padre colombiano Leonel Narváez nos ajuda a entender o valor pessoal do perdão. Ele tem atuado em situações de violência, a partir de sua experiência na Colômbia. Para ajudar na construção da paz, ele criou a ESPERE — Escolas de Perdão e Reconciliação. Diz ele: ” perdoar não é esquecer nem impedir o trabalho da lei. É um exercício pessoal de destilar o veneno. Ao entender que ao reciclar venenos estamos causando danos a nós mesmos, o ato de perdoar se converte em um exercício de saúde pessoal”. (NARVÁEZ, Leonel. Entrevista.)

Pessoas inteligentes perdoam.
Ou perdoamos ou morremos.
Ou perdoamos ou matamos, realmente ou simbolicamente.

PERDOAR, UMA QUESTÃO DE OBEDIÊNCIA

Voltemos ao início de nossa perícope: “Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados: ‘Não matarás’ e ‘quem matar estará sujeito a julgamento’. Mas eu lhes digo que…” (Mateus 5.21-22a).

Tomemos cuidado para que nossos relacionamentos, nos conflitos e na paz, não se conforme aos padrões do mundo em que vivemos. Nossos padrões têm que ser mais elevados. O mundo diz “levou, bata”. E nós, o que fazemos, quando levamos? Batemos também? Respiramos ódio ou nosso rosto se parece com o de um anjo? Nossa meta deve ser imitar Estêvão, sobre quem lemos: “Olhando para ele, todos os que estavam sentados no Sinédrio [acusando-o] viram que o seu rosto parecia o rosto de um anjo” (Atos 6.15)

Tomemos cuidado para que não sejamos possuídos pela maldade que recebemos. Se permitirmos que isto aconteça conosco, procurarmos oportunidades e formas de alcançar os outros com maldade, sob varias e disfarçadas formas, como a indiferença, que é uma forma de vingança. É evidente que devemos buscar a justiça. No entanto, não podemos nos esquecer que “a verdade não é só a do ofendido, que normalmente acredita ser o detentor único da verdade. A verdade é também do ofensor”. (NARVÁEZ, Leonel. Entrevista.)

Tomemos cuidado para não nos tornarmos desobedientes. Quando nos dispomos a obedecer a Palavra de Deus, perdoamos. Se não temos força para tanto, não desistamos mas peçamos a Deus a força e a sabedoria que precisamos para perdoar. É nessa hora que a nossa fé é provada. E podemos ser aprovados ou reprovados. É um exercício de fé entregar a ofensa a Deus, na perspectiva que foi cometida contra Ele, não contra nós. Estranho? Uma questão de fé.

Conclusão
VOCÊ PODE PERDOAR.

Cada um de nós tem um episódio pessoal que quer perdoar.
Como ponto de partida, neste processo, considere que perdoar é um imperativo da graça. Na oração que ensinou a fazer, Jesus nos pediu para pedirmos perdão a Deus do mesmo modo como perdoamos os nossos ofensores. O perdão é uma das marcas da santidade.

Então, há três coisas a não fazer:

1. Não adie a atitude de perdoar. Não procrastine este gesto. Não deixe esta escolha para amanhã, porque pode não não haver amanhã. Mesmo que haja, porque continuar sofrendo.
2. Não perdoe com sua própria força. Mesmo que tenha “a capacidade heróica de perdoar o imperdoável”, não confie demasiadamente em você. Ore por você mesmo, para que seja capacitado para perdoar. Ore pelo seu ofensor, para que Deus use você como instrumento de bênção para ele.

3. Não desista em sua caminhada de perdão porque o outro não está sendo receptivo à sua disposição. Pendências de anos não podem ser resolvidas em minutos. Diques de águas profundas não podem ser esvaziadas em segundos. Mágoas acumuladas precisam ser escavadas camada por camada.

Ainda há três coisas a fazer:

1. Procure olhar o seu ofensor com um olhar diferente e novo, não com o mesmo olhar de sempre, olhar que tem alimentado o desejo de vingança.

2. Comece por  bloquear o desejo de vingança guardado no seu coração. Não desejar se vingar ainda não é perdoar, mas é um belo começo.

3. Abra um caminho até o seu ofensor. “A reconciliação começa geralmente pela parte ofendida. O perdão é um presente ao outro, um chamado para a bondade. Quando alguém me ofende, o mais bonito é que quem tem o poder de perdoar sou eu”. (NARVÁEZ, Leonel. Entrevista. Para outros materiais, acesse aqui.

Você é capaz de perdoar.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO

REPRODUÇÃO — Autorizamos a reprodução deste conteúdo com a condição que seja citada a fonte nos seguintes termos: Reproduzido do site PRAZER DA PALAVRA, de Israel Belo de Azevedo, que pode ser ser acessado em www.prazerdapalavra.com.br.