Colossenses 3.16: PARA QUE A PALAVRA DE CRISTO NOS HABITE

PARA QUE A PALAVRA DE CRISTO NOS HABITE

“Habite ricamente em vocês a palavra de Cristo;
ensinem e aconselhem-se uns aos outros com toda a sabedoria,
e cantem salmos, hinos e cânticos espirituais com gratidão a Deus em seu coração.”
(Colossenses 3.16)

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Para bem recebermos esta bela recomendação, precisamos vencer algumas barreiras.

A primeira barreira é epistemológica. Se entendemos que a palavra de Cristo é o conjunto de palavras proferidas por Jesus Cristo ao longo de sua vida, como registradas nos quatro Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), temos que admitir que nos falta um conhecimento adequado destas palavras.

A segunda barreira é ideológica. O apóstolo nos recomenda o ensino e o aconselhamento mútuos. Em outras palavras, teremos a tarefa de nos ensinar uns aos outros e nos ajudar uns aos outros na vida. No entanto, nossa ideologia sacraliza a privacidade. A vida de uma pessoa é algo que deve ser mantido na intimidade. A ideologia da privacidade impede que saibamos o que se passa com o nosso irmão; até aí, tudo bem… O problema é que a mesma ideologia impede que os nossos irmãos saibam o que se passa conosco; e aí, às vezes, a sensação de desamparo aperta o peito.

A terceira barreira é teológica. Somos aconselhados a acalantar um sentimento de gratidão a Deus pelo que somos e temos, gratidão demonstrada através do louvor. A forma deste louvor pode variar: pode ser um salmo do Antigo Testamento cantado com uma melodia; pode ser um hino composto há algum tempo e que já está cristalizado em nossa memória (como a igreja apostólica fazia cantando os hinos que estão em Filipenses 2.5-11 ou 1Timoteo 3.16), ou pode ser uma canção nova que estamos aprendendo. O que importa é que este canto seja em louvor a Deus, como forma de gratidão a Ele. E aqui está a barreira teológica: compreendemos mesmo que o que somos e o que temos provém de Deus ou provém do nosso esforço, mérito e competência?

Para vencer a barreira epistemológica, o primeiro passo é reconhecer a nossa ignorância e nos aplicar ao conhecimento da palavra de Cristo. Idealmente, teríamos que te-las memorizadas, o que não encontro eco no estilo de nossas vidas determinado pela sociedade em que vivemos. Como isto não é possível, precisamos pelo menos saber onde encontrar os textos de que precisamos. Sobretudo, precisamos ler as palavras de Cristo. Precisamos meditar nas palavras de Cristo. Se nós lermos a palavra de Cristo, a palavra de Cristo habitará em nossos corações.

E quanto à barreira ideológica? Precisamos vence-la. Penso que sim. Não estou defendendo o fim da privacidade. Não estou sugerindo que a vida de cada um de nós seja um livro aberto. O que deve ser um segredo deve continuar sendo um segredo e isto depende de pessoa para pessoa, de família para família, mas algumas exageram. Fecham-se em si mesmas, de modo que nunca poderão ser visitadas, acolhidas, aconselhadas. Uma igreja precisa cultivar espaços e oportunidades para a comunhão, que respeite a privacidade. Uma igreja — o que se aplica à sua liderança, vale dizer seus pastores, e aos seus membros — deve ser muito cuidadosa para não cometer abusos, tendo todos sempre em mente que uma igreja, mais que um lugar de correção e/ou disciplina, é um lugar de distribuição da graça; mais que ser um lugar em que as pessoas estejam com o dedo em riste, uma igreja é uma comunidade de pessoas que apontam seus dedos para o céu, de onde vem direção, correção e conforto. Se é certo que muitos se enconcham para proteger seus ouvidos das línguas desgraçadas, eles perdem a oportunidade de experimentar relacionamentos habitados pela palavra de Cristo. Quem anda fechado ao outro precisa pôr na balança se está perdendo ou, talvez, na realidade perdendo a oportunidade de construir novas sinapses relacionais.

A barreira teológica também não é fácil de ser vencida. A leitura do primeiro capítulo de Romanos nos ajuda a entender por que. Diz o apóstolo Paulo que os seres humanos, “tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis”. Nossa história é a história da idolatria. E é a idolatria que nos leva a uma “disposição mental reprovável”, para praticar o que não devemos, com elenco enorme de “injustiça, maldade, ganância e depravação”, bem como como de “inveja, homicídio, rivalidades, engano e malícia”. Por isto, somos “bisbilhoteiros, caluniadores, inimigos de Deus, insolentes, arrogantes e presunçosos”, “insensatos, desleais, sem amor pela família, implacáveis” (Romanos 1.21-31, partes). Tudo, portanto, começa com a idolatria, sendo uma de suas maiores expressões a ingratidão. O ingrato não diz “glória a Deus”, porque, se alguém merece ser louvado, é ele mesmo. A ingratidão é uma forma de ateísmo funcional, que é a crença daquele que afirma que Deus existe, mas não o reconhece como autor e consumador de sua vida. O cristão que vive reclamando está muito próximo de se tornar um ateu funcional.

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Os atos de um cristão, aqui recomendados, dependem da habitação da palavra de Cristo nele.
E o que faz a Palavra de Cristo em nós?

1. É a palavra de Cristo que nos gera de novo, isto é, faz-nos nascer de novo, faz-nos redimidos, lava-nos, faz-nos ter a mente d´Ele. Como ensina o apóstolo Paulo, “a fé vem por se ouvir a mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a palavra de Cristo” (Romanos 10.17) por isto que Ele é o autor e consumador de nossa fé” (Hebreus 12.2). A palavra de Cristo nos abre a porta para a salvação.

2. É a palavra de Cristo que nos ensina a viver, porque é a palavra de sabedoria por essência. Para ensinar uns aos outros, precisamos de sabedoria. Para nos aconselharmos mutuamente, precisamos de sabedoria.
Portar a palavra de Cristo não implica em desprezar a palavra do mundo. Precisamos ouvir o mundo. Precisamos ouvir Cristo. Entendemos a palavra do mundo ouvindo a palavra de Cristo. A palavra de Cristo é a régua com a qual medimos a palavra do mundo. Quando cedemos e corremos na pista contrária, não alcançamos nosso alvo, que é conhecer Cristo e transformar o mundo. Transformamos o mundo quando nos transformamos.
Para ensinar a Bíblia uns aos outros, precisamos das ciências bíblicas, que nos ajudam a entender a profundidade do texto sagrado. Para nos aconselharmos mutuamente, precisamos das ciências que cuidam dos sentimentos e das emoções para entendermos a complexidade do ser humano.
Ouçamos o mundo porque o que houver de sábio nele está referendado pela palavra de Cristo. O que não  for aprovado pela palavra de Cristo não merece nossa adesão. Devemos conhecer o pensamento do mundo, todo e qualquer, mas conhecer é muito diferente de aceitar, concordar.

3. É a palavra de Cristo que nos ensina a ser gratos.
Se a palavra de Cristo habitar em nossos corações, seremos agradecidos a Deus pelo que somos e temos. E até pelo que não somos e não temos. Deus nos curou; foi a Sua graça. Deus não nos curou; foi a sua graça. Ah, mas isto é muito difícil. É muito difícil; por isto, só alcançamos esta prática pela palavra de Cristo em nós.
O teste é triste: olhe para você mesmo. Se você não anda agradecendo a Deus, é porque a palavra de Cristo não está habitando no seu coração. Ah, você não sabe os meus problemas, dirá alguém. Não brigue comigo. Brigue com Deus. É Ele quem ensina que devemos dar graças em tudo. Não brigue com Deus. Peça-Lhe para lhe dar um coração agradecido. Não importa como vá sua vida, bendiga o nome do Senhor.

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Enquanto preparava esta mensagem, meus ouvidos foram inundados por uma série de palavrões vizinhos, que se dizem cristãos.
Pensei comigo: será que a palavra de Cristo habita naquela casa?
Porque  a vida com Cristo é algo prático. Uma afirmação de fé (“eu tenho a mente de Cristo” ou “a palavra de Cristo habita em mim”) precisa passar pelo teste prático da provocação, da provação e da tentação.
Então, como reagimos quando somos provocados?
Somos negligenciados. E negligenciamos?
Somos desrespeitados. E desrespeitamos?
Somos injuriados. E injuriamos?
Somos xingados. E xingamos?
Somos atacados. E atacamos?
Somos traídos. E traímos?

Como reagimos quando somos provados?
Quando a doença nos atinge, a nós ou a alguém de nossa família de sangue ou de amor, como passamos a olhar para Deus?
Quando o emprego nos é tirado (ou nem nos chega), de nós ou de alguém de nossa família, muda a nossa confiança no Deus cuidador?
Quando estamos na condição de perdedores e não de vencedores, deixamos de lado a idéia de um Deus que nos ama em todas e quaisquer situações?

Como reagimos quando somos tentados?
Quando a sedução (seja sob a forma do sexo fora do casamento, do poder que nos é entregue ou do dinheiro que ganhamos) bate à porta dos nossos olhos ou ouvidos, o que fazemos? Deixamo-nos vencer?

***
O que fazer para que a “palavra de Cristo” habite em nós?
“Habite ricamente” é, na realidade, um convite.
Trata-se de um convite para que Cristo esteja em casa na nossa casa.
Cristo está á vontade na sua casa?
A sua casa é a casa de Cristo?
Para que a palavra dEle habite ricamente em você, você precisa deixar que esta palavra  habite em você. Não basta ler ou ouvir a palavra de Cristo. Tem que deixar que ela entre.
Você anda cansado? Deixe a palavra de Cristo entrar no seu coração, para lhe dar ânimo e força.
Seus relacionamentos andam pobres? Deixe que sejam enriquecidos pela palavra de Cristo.

Você anda influenciado pelo que ouve ou lê? Decida seguir as palavras de Cristo. Pense o que vem de Cristo. Ensine o que vem Cristo. Aconselhe com as palavras de Cristo. Cante com as palavras de Cristo.

Se a palavra de Cristo habitar em seu coração, você terá a Sua companhia.
(Para começar, será salvo, mediante a fé, e passará o resto de sua vida (agora e depois) na comunhão dEle.)

Se a palavra de Cristo habitar em seu coração, você vai ensinar com sabedoria.
(Você terá um interesse renovado por aprender, porque só aprende pode ensinar.)

Se a palavra de Cristo habitar em seu coração, você vai aconselhar com empatia.
(As pessoas lhe importarão, seja quando estão alegres e podem partilhar a mesa com você, seja quando estão tristes e precisam do seu ombro para as lágrimas a recolher.)

Se a palavra de Cristo habitar em seu coração, você vai louvar a Deus com alegria.
(Mesmo que não veja as bênçãos gotejando do Alto, você louvará. Se elas chegam que não consegue contar, você louvará.)

Então, que a palavra de Cristo habite plenamente em você, para que você ensine a quem precisar, aconselhe quem lhe procurar e cante com prazer que Deus é o Deus da sua vida.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO