Estudo analisa atuação do Dops contra a teologia da libertação

Por Rodrigo Martins (Agência USP)
 

No regime militar brasileiro, o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) foi um dos órgãos governamentais mais importantes para o funcionamento da repressão política. Tudo e todos eram investigados, inclusive a Igreja Católica. Com base em pesquisas realizadas no Arquivo Público do Estado de São Paulo, o historiador Admar Mendes de Souza analisou principalmente documentos que tratavam dos religiosos ligados à corrente católica conhecida como “Teologia da Libertação”, destacando o período de 1954 a 1974.Estudo analisa investigações do Dops sobre a Igreja

A “Teologia da Libertação” ou como o esquisador prefere chamar, o “cristianismo de Libertação” foi uma corrente teológica muito presente na América Latina a partir da década de 1960. “Diante de uma realidade marcada profundamente pela pobreza e pela exploração do trabalho desenvolve-se um movimento social que, a partir dos valores cristãos e do evangelho, vão se rebelar contra essa realidade”, define Mendes. No início, muitos de seus adeptos eram jovens ligados aos grupos de “Ação Católica”, movimento religioso que buscava maior inserção do catolicismo na sociedade brasileira e que promovia ações sociais em comunidades pobres.

Com o golpe militar em 1964, religiosos e leigos, ao questionarem a realidade política e social do País, acabaram se tornando um dos principais alvos de investigação por parte do Dops, principalmente os clérigos ligados à ordem dos dominicanos que se associaram à Ação Libertadora Nacional (ALN), grupo de guerrilha comunista que se opunha ao regime.

O historiador conta que durante esse período os religiosos que se opunham abertamente ao regime eram retratados na documentação não como membros da Igreja, mas como comunistas infiltrados na instituição. “A estratégia era dizer para a hierarquia: ‘há problemas na base da Igreja. Nós (o regime) sabemos que os bispos, que o Papa, que a perspectiva da Igreja não é comunista, mas tem gente infiltrada na base’”, explica o pesquisador.

O Dops teve origem ainda na primeira metade do século XX. Uma de suas estratégias de ação, como explica o pesquisador, era a vigilância social. “Eles observavam constantemente, não tinha problema se você estava ou não questionando, criando ou não problema. O que se encontrava no Dops era esse registro a longo prazo que servia como subsídio num momento de ação repressiva. Hoje você não é problema, mas amanhã poderá ser, essa era a lógica.”

Mendes explica que escolheu um período anterior ao golpe que instaurou o regime militar pois gostaria exatamente de saber como nos registros policiais a Igreja era tratada e como ela agia numa época onde as liberdades democráticas eram maiores. Ele relata que até 1964 a Igreja era apontada pela documentação como “uma entidade absolutamente irmanada com o poder político, com o governo.” A Igreja primava então mais pela caridade, não por uma luta pela promoção da justiça social.

Após o golpe, e principalmente, após o endurecimento do regime com o AI-5, em 1968 a Igreja muda de postura. Os religiosos presos pelos militares, até então motivo de constrangimento para a alta hierarquia católica, passam a ser defendidos e seus acusadores, atacados. “A Igreja percebe que ou ela tomava uma postura ou ela mesmo seria atingida”, completa.

Neste momento os bispos e padres levantam como bandeira principal em suas ações a defesa dos direitos humanos e o retorno à democracia. Para o historiador, essas foram algumas das bandeiras assumidas pela Igreja que obtiveram grande simpatia em toda a sociedade. “Quando se falava em direitos humanos, por exemplo, se falava para vários setores da sociedade que particularmente começaram a sofrer com o regime militar. Quando essa ação ganha repercussão os bispos entendem que essas eram bandeiras fortes que deveriam ser assumidas em nome da sociedade e contra repressão praticada pelo regime militar,” completa o pesquisador.

O trabalho de investigação e repressão feito pelo Dops sobre a Igreja Católica foi o tema da tese de doutorado do historiador, “Estado e Igreja Católica: o cristianismo de libertação sob vigilância do DOPS/SP” defendida recentemente na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.