UM HINO CONTRA A DESILUSÃO

UM HINO CONTRA A DESILUSÃO

Ouço, ao fundo, no prédio da escola ao lado o Hino Nacional Brasileiro. Imagino que crianças, que não devem entender dez por cento da letra que arrastam, cantem a canção, talvez em pé e mãos nos peitos. Talvez aplaudam no final.
Pode não ser muita coisa, mas é algo que fazem com um sentido coletivo, porque, desde cedo, todos somos empurrados para a lógica irrefreável do “cada-um-por-si”.
Os estrangeiros no Brasil nos vêem solidários, fraternais, grupais. Num restaurante, por exemplo, quando uma mesa canta “parabéns”, as outras fazem coro. No entanto, quando se trata de civismo, parece que o máximo a que chegamos é uma fugidia emoção durante o hino da Pátria. Aí somos o que somos: totalmente “cada-um-por-sistas”. E um país não se faz sem o sentimento do grupo, da coletividade, da comunidade, da nacionalidade. E este nos falta.
Os segundos brasileiros (supondo que os habitantes primevos da terra brasilis foram os primeiros) vieram com a ilusão de que ficariam ricos aqui mas aqui não ficariam. É possível que o gene “o-que-importa-é-eu-me-dar-bem” tenha sido transferido para outras gerações, começando nas famílias (o único lugar em que o sentido de grupo ainda permanece) e chegando aos palácios, lugares imaginados para serem ocupados temporariamente por uns em benefício de todos, mas que têm sido sonhados como espaços de fabricação de pés-de-meia próprios.
O resultado é que as pessoas em quem haja ainda algo sentido cívico (isto é, com interesse pelas coisas nacionais) procuram se afastar dos palácios. Secretamente, seus ocupantes aplaudem. Neste contexto, tem crescido o desdém pela obrigatoriedade da participação nas eleições. E pior: tem ficado mais forte, especialmente entre os jovens, o esforço pelo voto nulo. A derrama de promessas gera mais desilusão e mais apatia.
Só que a cidade (a nação) é de todos. A razão é simples: nós vivemos nela e nenhum de nós vive sozinho.
É por isto que a Bíblia nos diz para orar por nossa cidade (e, no contexto da ordem dada, cidade representava a nação). É também por isto que a Bíblia nos diz para orar pelas autoridades (num tempo em que essas autoridades perseguiam os que intercediam por elas). E é ainda por isto que a Bíblia nos concita a fazer a nossa parte para que vivamos bem.
Só ora quem tem esperança. Sem oração não há esperança. Sem esperança não há ação.
(Terminou o canto ao lado. Não ouvi, mas espero que também tenham orado pela Pátria.)

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Vemos nos parabrisas repetida a primeira parte do versículo 12 do salmo 33: “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”. Embora o texto se refira ao povo antigo de Israel, podemos nos apropriar deste desejo para o nosso país.
Uma nação que tem a Deus como Senhor não tem como senhores a desigualdade, a corrupção e a violência. Nestes quesitos continuamos campeões. Nosso IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é um acinte, verificando-se um crescimento muito tímido.
O momento é de otimismo, diante dos avanços do plano econômico, e devemos nos alegrar com o desenvolvimento, cujos benefícios se espanham verticalmente. Já temos até um clube de milionários, segundo os padrões internacionais. O momento é também de manter ligadas as antenas da crítica e da indignação contra todas as formas de engano.
No plano pessoal, precisamos estar vigilantes para que um pouquinho mais de dinheiro não nos torne prepotentes e insensíveis. Precisamos ter a cívica coragem de transformar nosso conhecimento da realidade em transformação desta mesma realidade. Um blá-blá-blá que não suja as mãos é apenas um blá-blá-blá.

Israel Belo de Azevedo