PARA LER O EVANGELHO DE LUCAS

PARA LER O EVANGELHO DE LUCAS

Por
MARCOS LIMA

Título: Evangelho de Lucas
Capítulos: 24
Versículos:1.151
Tempo aproximado para leitura: 180 minutos

UM DEUS HUMANO
Depois da salvação em Jesus Cristo e da efusão do Espírito Santo, o Novo Testamento é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber. Não há na literatura mundial, textos tão significativos, libertadores, elucidativos, relevantes e transformadores quanto n’Ele. Vejo como pura graça e amor da parte do Espírito Santo de Deus tal composição.
Deus é gracioso! Sabendo de que cada povo, cada nação e cada ser humano são diferentes, presenteou a todos com o Verbo, com o Rei, com o Servo, com o Homem Jesus, o único capaz de nos levar aos céus e vivermos com Deus. Neste sentido, a produção do Evangelho de Lucas é espetacular e, como já dissera alguém, “o Evangelho de Lucas é o livro mais espetacular já produzido na e para a humanidade”.
O terceiro evangelho é atribuído a Lucas que, como salienta Josef Schmid,  “é provavelmente o único autor gentio do Novo Testamento”. Também o é pela tradição que remonta a Marcião e ao Cânone de Muratori (170 d.C.), bem como os pais da igreja como Irineu (180 d.C.), Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orígenes, Eusébio e Jerônimo.
É consenso entre os historiadores que Lucas era natural de Antioquia da Síria. Ele fora amigo e companheiro de Paulo (Colossenses 4.14; 2Timóteo 4.11; Filemon 24) e também é o autor de Atos dos Apóstolos. Pouco se sabe sobre a sua vida, além de que era gentio e bem versado na cultura grega, um erudito quando comparado a outros escritores do Novo Testamento. Ele não foi testemunha ocular da vida de Jesus Cristo (Lucas 1.2) e, embora médico por profissão (Colossenses 4.14), Lucas tornou-se um extraordinário evangelista, acompanhando Paulo em algumas de suas viagens missionárias e estando com este em seu martírio (2Timóteo 4.11).
Para os que gostam de números, dos 1149 versículos do Evangelho de Lucas distribuídos em seus 24 capítulos, 547 versículos  (47%) são originais, ou seja, são citados apenas em Lucas, o que empresta ao texto lucano um caráter investigativo superior, reforçando o empenho pessoal empreendido por este médico para relatar os fatos mais significativos para a cristandade de seu tempo e por conseguinte para nós também. Como já dissemos, o propósito de Lucas era municiar os cristãos gentios, os não judeus, da verdade das “Boas Novas” proclamadas por Jesus Cristo, o Filho do Homem. 
Em seu evangelho, Lucas escreve sobre o Filho do Homem, fazendo questão de retratar e revelar que Jesus era totalmente humano. Experimentou e sentiu tudo o que nós sentimos e a tudo quanto era indevido disse não. No Evangelho de Lucas, Jesus busca o que estava perdido (Lucas 15.3ss). Lucas revela um Jesus não interessado em seu reino, em sua divindade ou em sua condição de servo, mas em mostrar-se humano. Jesus é o Filho do Homem capaz de reconciliar a humanidade com o Deus criador.

O CONTEXTO
Para entender a dimensão da humanidade de Jesus que Lucas retrata, precisamos entender o contexto do evangelista. É consenso entre os estudiosos que Lucas escreveu seu evangelho entre os anos de 58 d.C.e 63 d.C. Nesta época as pessoas eram influenciadas não só por Roma, mas também pela cultura grega, além do próprio judaísmo. As tradições religiosas da época eram politeístas, os cultos pagãos inflamavam as cidades e muitas das pessoas eram marginalizadas e muitas escravas. As mulheres eram desmerecidas e os doentes, desconsiderados.
Neste contexto de senhor e escravo, livre e algemado, rico e necessitado, são e doente é que a “boa nova” de Jesus cresce. Muitos romanos, judeus e gregos se convertiam e é para sedimentar a fé destes que Lucas destina seu texto. Creio que Lucas viu em Teófilo, pessoa de alto prestígio naquela sociedade, “excelentíssimo Teófilo” (Lucas 1.3) a possibilidade da expansão do evangelho, daí ter endereçado a este também o livro de Atos. Lucas constrói seu livro após cuidadosa pesquisa sobre os fatos mais importantes da vida de nosso Senhor. Lucas foi a campo e conversou com muitas pessoas que conviveram com Jesus, como Pedro e Barnabé em Antioquia, Tiago, Lázaro e suas irmãs, Marta e Maria, parentes de Jesus em Nazaré, João e de forma especial Maria, mãe do Senhor.
Além dessas fontes, Lucas utiliza outros textos, como os Ditos de Jesus, que eram ensinos Palestinos e também Marcos e o seu evangelho, bem como o apóstolo Paulo em diversas viagens missionárias. 

ESTRUTURA
O Evangelho de Lucas, para melhor entendimento, pode ser apresentado da seguinte forma:
I.    Prefácio: qual o método e objetivo do livro, 1.1-4
II.    A identificação do Filho do Homem com os homens, 1.5-4.13
III.    O ministério do Filho do Homem aos homens, 4.14-9.50
IV.    A rejeição do Filho do Homem pelos homens, 9.51-19.27
V.    A condenação do Filho do Homem em favor dos homens, 19.28-23.56
VI.    A vindicação do Filho do Homem perante os homens, 24.1-53

SÍNTESE TEOLÓGICA. 
Lucas ordena os fatos do ministério de Jesus, buscando dar um caráter universal a fé cristã. É Jesus Cristo o salvador universal que se interessa por todos os povos e a todos deseja salvar. Neste sentido Lucas faz questão de instruir a Teófilo sobre os valores do cristianismo (Lucas 1.4).
Lucas apresenta de forma especial a obra do Espírito Santo. Há dezessete referências ao Espírito Santo em seu evangelho, enquanto que Marcos faz apenas seis referências e Mateus doze. Por isso logo nos capítulos introdutórios o Espírito Santo enche João Batista, bem como Maria recebeu sua mensagem por agência do Espírito Santo, o Salvador Jesus foi batizado pelo Espírito Santo e em seu ministério foi acompanhado por toda parte pelo Espírito Santo. Jesus Cristo promete a mesma bênção do Espírito Santo aos seus discípulos, especialmente após a ressurreição. Também no livro de Atos, de autoria do mesmo Lucas, a pessoa do Espírito Santo ganha grande proeminência.
Lucas também destaca “a vida de oração” de Jesus Cristo, como logo após o seu batismo. Anntes da escolha dos doze, Jesus passou toda a noite em oração e também antes da transfiguração e no momento de sua morte “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lucas 23.46). Nenhum outro evangelho enfatiza tanto a oração quanto o de Lucas.
Também Lucas oferece uma perspectiva de gênero jamais visto entre os evangelhos. Em seu livro, as mulheres são destacadas e chamadas a participar da tradição do evangelho, como Maria, Izabel, a profetiza Ana, as “filhas de Jerusalém”. Mulheres também são destacas no livro de Atos, como Safira, Priscila, Drusila, Berenice, Maria ( mãe de João Marcos ), a criada Rode, Lídia, Damaris de Atenas e as quatro filhas de Filipe, que eram profetizas, bem como uma referência incidental de que Paulo tinha uma irmã (Atos 23.16)
Lucas tem interesse especial em fortalecer a fé dos cristãos na história do sepulcro vazio, daí seu livro ser repleto de detalhes e fatos não encontrados nos demais evangelhos sinóticos ( Mateus e Marcos ). Dessa forma esses temas e outros como a alegria em anunciar o evangelho ou as “boas novas” (Lucas 1.14), interesse especial pelos pobres, preocupação com os pecadores, destaque ao circulo familiar e o uso costumeiro do título “Filho do Homem” (19.10), fazem do evangelho de Lucas uma obra fantástica e apaixonante.

A MENSAGEM DE LUCAS
O evangelho de Lucas tem o propósito de relatar os fatos e acontecimentos que permearam a vida de Jesus Cristo, o Filho do Homem, buscando revelar a humanidade de Jesus, visto por Lucas como Médico, Mestre e Profeta. O texto lucano consagra de forma estruturada e bem sedimentada, enfocando e encarando a vida, a morte e a ressurreição como uma unidade completa e dissociável. Apenas Lucas narra a ascensão de Jesus Cristo, o que confere unidade e propósito à encarnação de Jesus. O Evangelho de Lucas demonstra interesse incomum pelos homens, revelando alguém convertido a Jesus Cristo, transbordante de amor pelas pessoas e compromissado com o Senhor.
Lucas concebe Jesus Cristo como salvador de todos, que para alguém oriundo de uma cultura greco-romana, onde salvação eterna era algo estranho, visto tratar-se de um conceito bíblico, Lucas, convertido ao Senhor entende e vive essa dimensão e apresenta-a de forma universal. Ela, a salvação, é para todos (Lucas 2.32). Deus ama a todos e Jesus é para todos, não diferenciando gênero e outra condição qualquer. Neste sentido, a genealogia de Jesus Cristo em Lucas não começa em Abraão, mas em Adão, pai de todos os homens e filho de Deus (Lucas 3.38).
Em Lucas, Jesus relaciona-se com os pecadores, sendo este seu alvo constante de amor e somente em seu Evangelho contêm a afirmação de que “o Filho do Homem veio para procurar e salvar o que estava perdido” (Lucas 19.10). Numerosos episódios, expressões e parábolas peculiares a Lucas apresentam a amizade e a compaixão de Jesus para com os pecadores (Lucas 13.6-9; 15; 7.36-50; 19.1-10; 18.10-14; 23.40-43; 7.11-17; 13.11-17; 14.1-6; 17.11-19). Para assegurar o caráter universal do amor e compaixão de Deus pelos homens, a concepção palestino-judaica do reino de Deus não se acha enfatizada em Lucas como o é em Mateus e Marcos.
A realidade presente da salvação vista em Lucas não reside no reino, mas no Espírito Santo, que é um dom de Deus (Lucas 11.13) e é atuante desde o princípio; no início da encarnação (Lucas 1.5, 35, 41, 67, 80); no testemunho mais antigo de Jesus (Lucas 2.25-27); na atividade do próprio Jesus (Lucas 4.1, 14, 17; 10.21). No Evangelho de Lucas a salvação cria uma atmosfera de alegria muito mais intensa do que em outros evangelhos (Lucas 1.4,28,58; 2.10; 10.17, 20s; 13.17; 19.6,37), pois há alegria no céu com o arrependimento de pecadores (Lucas 15.7,10,32).  
O envolvimento com as questões sociais, notadamente a pobreza, a injustiça, a fome, opressão e menosprezo aos desafortunados, o que hoje pode ser comum, em Lucas já era tido como a forma de dar objetividade à fé cristã (Lucas 3.10ss; 14.12-14; 16.25s; 3.10-14; 16.19-31; 12.13-21; 14.12-14).
Por esses e tantos outros motivos, por sua formação profissional (médico) e também por ser um gentio convertido ao cristianismo, alguém que fora alcançada pela graça de Jesus, fazem do Evangelho de Lucas um dos mais importantes textos do cristianismo.

PARA LER DEVAGAR
10.30-37 — A parábola do Bom samaritano, posso dizer é um clássico da literatura mundial. Independente do credo religioso de qualquer pessoa, as verdades contidas nela nos fazem refetir sobre a nossa prática de fé. Neste sentido, meditar constantemente reavaliando nossas posturas diante do compromisso que assumimos perante o Senhor, é algo imperioso e desafiador. Não nos perdermos diante do legalismo e ortodoxia da religião, para muitos da fé e outros da igreja, é o alerta que este texto nos traz. Jesus, o Filho do Homem, experimentado na humanidade e no tipo de religião de sua época, alerta sobre os equívocos que todos podemos cometer, desviando-nos da essência do Evangelho e de Deus. O interesse por gente é o cerne da mensagem de Jesus presente do livro de Lucas. Dessa forma, cultivar a fé, passa necessariamente pelo olhar horizontal – pelo meu e pelo seu próximo.
Assim, leiamos sempre esta parábola, deixando que o Espírito libertador nos esvazie para que Ele mesmo nos encha e faça transbordar a verdadeira religião.

TEXTOS QUE MAIS TOCAM MEU CORAÇÃO
1.46-55,  67-79 e 2.28-32 — Lucas apresenta em seu evangelho textos não presentes em outros livros do Novo Testamento, o que lhe confere preciosidades abençoadoras. Dentre estes textos, encontramos alguns cânticos. Lucas, não é apenas o médico amado, nem o evangelista meticuloso, é também um poeta do seu tempo cujos poemas chegaram até nós pela graciosa ação do Espírito Santo. Vejo nos cânticos de Maria (1.46-55); Zacarias (1.67-79) e Simeão (2.28-32) o jorrar de corações inundados pela graça e amor de Deus. Somente corações que amam a Deus, entendem seu propósito e esperam no Senhor derramam-se em hinos, salmos, cânticos e orações de júbilo por tudo o que Jesus é, Senhor, Salvador, Amigo e Confidente.

TEXTOS DIFÍCEIS
17.1- 4  – sobre o escândalo e o perdão. O escândalo e o perdão são temas que precisam estar sempre na mente do cristão. A vida cristã implica muitas atitudes, mas perdoar constitui-se um dos imperativos mais significativos e libertadores para o amadurecimento da pessoa. Quando Jesus afirma que devemos estar prontos a perdoar o quanto for demandado a nós, mesmo até em um único dia, é para o nosso bem primeiro. O perdão aos outros é tão importante em seu exercício, que ele passa a ser condição para obtermos do próprio Deus o seu perdão pelos nossos erros. Fazendo assim, estaremos limpos e santificados, e em sua presença fruímos o shalom divino (paz com Deus, conosco e com o próximo). Interessante que Lucas trata esse tema, estabelecendo uma relação com o escândalo. Penso, e aqui reside a dificuldade, que embora nos escandalizem, devemos estar prontos a perdoar, pois nos tornaremos motivos de escândalos quando não perdoamos. Difícil, mas é da vontade de Deus e que, independentemente do tipo de afronta e situação, devemos sempre perdoar. A reconciliação entre os irmãos é uma recomendação expressa de Deus. Meditemos e exercitemos tal recomendação.

Lucas 12.49-53 – Jesus traz julgamento e dissensão à humanidade. À primeira leitura estes versículos são duros e estranhos quando vindos da boca de Jesus. Como pode um Deus que transborda amor ser assim?  Na verdade, não é bem assim. Se considerarmos que Jesus está se referindo a si próprio, no que diz respeito a sua vida e morte no madeiro. O que Ele foi e será, acompanhado de tudo o que realizou, certamente para muitos daqueles ouvintes e para nós também passa a ser motivo de desolação, juízo e dissensão. O que Jesus procura identificar é que por causa d´Ele muitos deverão estar prontos a renunciar suas próprias vidas e sustentar suas posições diante de seus amigos e familiares e que por conta disso, em algum momento a situação sai do controle. Somente na vida de Jesus encontramos sentido e propósitos para as nossas próprias vidas.

Lucas 16.19-31 – comunicação entre o mundo dos mortos e dos vivos; o céu e o inferno. Muitos cristãos têm sido confrontados por pessoas de outras religiões sobre a possibilidade de comunicação entre mortos e vivos e vice versa. Em primeiro lugar, devemos ter em mente que um fato isolado, sem a devida conformação com todo o espírito das escrituras não nos autoriza a sedimenta-lo doutrinariamente; em segundo, o propósito de Lucas aqui é revelar que Jesus pregava a realidade da Vida Eterna e do Mundo Espiritual e não há comunicação entre mortos e vivos, céu e inferno. Aprendemos na Bíblia que sempre que houve tentativa de unir estas dimensões, os resultados foram severos e catastróficos (lembremos do rei Saul).
A Bíblia, em todo o seu conteúdo aponta que a única alternativa de se alcançar o céu é a decisão por Jesus Cristo como salvador, e que está decisão se toma individualmente, voluntária e enquanto se está vivo. Os ensinos de Jesus neste texto revelam o que nós sabemos. Que muitas pessoas vivem pensando que tudo o que são e fazem é fruto de suas próprias virtudes, forças, poder e no caso específico, o dinheiro. Nada disso! A vida eterna é para ser sorvida no tempo presente e só Jesus pode nos conferi-la. Embora saibamos que desde os primórdios da humanidade muitos “adorem a mamom”, Jesus tonifica, e de forma contundente no Evangelho de Lucas, que não se pode servir a dois senhores. O rico desta parábola viveu sua vida regrada de tudo o que o dinheiro pode comprar, ele até demonstra genuíno interesse pelo bem estar de seus amigos e familiares, mas o texto revela que todos têm Moisés e os profetas, como que dizer em nossos dias.  todos “têm a igreja e a Bíblia”.
 
VIVENDO OS ENSINOS LUCANOS
A leitura do Evangelho de Lucas tem a capacidade de nos tornar mais humanos e ver em Jesus, o Filho do Homem, um ser humano espetacular e fantástico.
Lucas consegue demonstrar toda a intensidade do amor de Deus por cada um de nós. Os ensinos de Jesus em Lucas nos desafiam a uma humanidade mais divina, digamos assim. Pois em Jesus, redimidos e transformados, perdoados e justificados, vislumbramos a melhor porção do homem que habita em nós e é esta porção que nossas almas anseiam e devemos aprimorar. Neste sentido, a leitura deste evangelho é fundamental. Jesus amava e ama as pessoas, gostava e gosta de estar com elas, de abraça-las, de estar á mesa com elas, e nós?
 
PARA MEMORIZAR.
Que tal, como desafio, memorizarmos um dos cânticos registrados por Lucas. O de Maria, (Lucas 1.46-55); o de Zacarias (Lucas 1.67-79) ou o de Simeão (Lucas 2.28-32)?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAMPLIN, R.N. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo 2. Hagnos, São Paulo, 2002.
HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. Juerp, Rio de Janeiro, 1983.
MACHENZIE, John L. Dicionário Bíblico. Edições Paulinas, São Paulo, 1984.
UNGER, Merrill Frederick. Manual Bíblico UNGER. Vida Nova, São Paulo, 2006.