A VOCAÇÃO DE DAVI E A CRISE NA LIDERANÇA EVANGÉLICA NOS DIAS ATUAIS (Altair Germano)

 A VOCAÇÃO DE DAVI E A CRISE NA LIDERANÇA EVANGÉLICA NOS DIAS ATUAIS
 
O estudo sobre a vida de Davi é algo de bastante valor. Sua humanidade, complexidades, virtudes e vicissitudes, conquistas e fracassos, acertos e erros, nos revelam as contradições do ser humano em toda a sua plenitude. Ser humano que apesar de imperfeito, não cessa no jornadear em direção a vontade de Deus, buscando de todas as formas, com todas as forças e intensidade agradá-lo.
 
Davi é ungido, rei, filho, marido, pai, mas, acima de tudo humano, demasiadamente humano.
 
1. O CONTEXTO DA CHAMADA DE DAVI
 
O contexto histórico, o cenário em que Davi é chamado por Deus, nos remete para alguns acontecimentos e condições que passaremos a brevemente delinear.
 
– É um momento de instabilidade Espiritual. O livro de Juízes nos relata claramente essa realidade através dos altos e baixos do povo em sua disposição (ou não) de obedecer a Deus;
 
– É um momento de instabilidade Moral. Todo declínio espiritual desencadeia naturalmente um certo relativismo ético e moral. Dessa forma, é comum em ambiente de baixo fervor espiritual se perceber uma alto índice de imoralidade;
 
– É um momento de instabilidade Política. O fortalecimento do poderio militar das nações vizinhas, agregado (principalmente) a atitude rebelde do povo, promovia uma condição vulnerável e instável em termos de segurança e autonomia.
 
2 – UMA LIDERANÇA EM CRISE
 
A crise na liderança fica evidenciada claramente no texto de 1 Sm 8. 1-3:
 
“Tendo Samuel envelhecido, constituiu seus filhos por juízes sobre Israel. O primogênito chamava-se Joel, e o segundo, Abias; e foram juízes em Berseba. Porém seus filhos não andaram pelos caminhos dele; antes, se inclinaram à avareza, e aceitaram subornos, e perverteram o direito.”
 
Os filhos de Samuel não aprenderam com o bom exemplo do pai. Filhos de bons líderes nem sempre alcançam a excelência da liderança. Em vez de se inclinarem para fazer a vontade de Deus “se inclinaram à avareza, e aceitaram subornos, e perverteram o direito”.
 
Diante deste quadro, a primeira atitude dos anciãos de Israel foi a de mudar o modelo da liderança da igreja:
 
“Então, os anciãos todos de Israel se congregaram, e vieram a Samuel, a Ramá, e lhe disseram: Vê, já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos; constitui-nos, pois, agora, um rei sobre nós, para que nos governe, como o têm todas as nações.” (1 Rs 8.4-5)
 
O atual modelo de governo, para eles, não funcionava mais. Vale aqui destacar, que nem sempre a mudança do modelo é a solução para as crises na liderança. Em muitos casos, é nas pessoas que lideram, e não no modelo de governo onde reside o problema. É preciso bastante cautela e buscar a direção de Deus na hora de tão importante decisão.
 
Nos dias atuais, pentecostais, tradicionais, reformados e outros segmentos evangélicos reclamam do modelo, quando geralmente o problema está na liderança.
 
Mudaram o modelo para o governo monárquico, mas os problemas não cessaram.
 
É nesse contexto que o povo pede um rei, entendendo que de alguma forma isto fortaleceria o status e promoveria certa segurança nacional (1 Sm 8.1-22). Conforme as exigências do povo Saul é escolhido (1 Sm 9.1-27).
 
3. UM LÍDER EM CRISE
 
A postura, as atitudes, as decisões e os comportamentos de Saul sinalizam um líder instável e em crise. Neste ponto da Lição Bíblica é interessante comparar a crise de liderança de Saul com a atual e dura realidade na vida de alguns líderes:
 
– É uma crise Espiritual. Crises espirituais resultam de negligência em nossa relação com Deus e sua Palavra. Na desobediência à sua vontade:
 
“Porém Samuel disse: Tem, porventura, o SENHOR tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do que a gordura de carneiros. Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria e culto a ídolos do lar. Visto que rejeitaste a palavra do SENHOR, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei. Então, disse Saul a Samuel: Pequei, pois transgredi o mandamento do SENHOR e as tuas palavras; porque temi o povo e dei ouvidos à sua voz. Agora, pois, te rogo, perdoa-me o meu pecado e volta comigo, para que adore o SENHOR. Porém Samuel disse a Saul: Não tornarei contigo; visto que rejeitaste a palavra do SENHOR, já ele te rejeitou a ti, para que não sejas rei sobre Israel. Virando-se Samuel para se ir, Saul o segurou pela orla do manto, e este se rasgou. Então, Samuel lhe disse: O SENHOR rasgou, hoje, de ti o reino de Israel e o deu ao teu próximo, que é melhor do que tu.” (1 Sm 15.22-28)
 
Tais crises são geralmente precedidas por uma certa acomodação na leitura devocional da Bíblia, na oração, na contemplação, no relacionamento íntimo e na amizade com Deus.
 
Uma liderança mais apegada com o fazer em detrimento do relacionar-se, mais apegada com o ter (poder e posses) em detrimento do ser, mais apegada às coisas em detrimento das pessoas, mais apegadas ao cargo em detrimento das tarefas, mais determinada em sucumbir às pressões do povo do quem fazer a vontade de Deus, certamente vivenciará e agravará momentos de crises. Estamos em crise no Brasil. A postura de uma grande fatia da liderança evangélica cristã nos revela e comprava esta verdade. O Senhor está rasgando alguns “reinos evangélicos” nos dias atuais. Não demorou muito para espíritos malignos viessem a atormentar Saul (1 Sm 16.14-15);
 
– É uma crise Moral e Ética. Neste nível, desencadeada pela crise espiritual, os valores pessoais são invertidos, o certo é tido como errado e o errado como certo. Valores culturais, sociais e morais do tipo família, casamento, amizade, honestidade, fidelidade e outros, são dia após dia relativizados e banalizados. A liderança, desta forma, vai perdendo a sua autoridade espiritual e moral, qualidades essenciais no líder cristão verdadeiramente vocacionado por Deus:
 
“Fiel é a palavra: se alguém aspira ao episcopado, excelente obra almeja. É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar; não dado ao vinho, não violento, porém cordato, inimigo de contendas, não avarento; e que governe bem a própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito (pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?); não seja neófito, para não suceder que se ensoberbeça e incorra na condenação do diabo.” (1 Tm 3.1-6)
 
– É uma crise Emocional. A alta carga de trabalho e responsabilidade estão acabando (em alguns já acabou) com a saúde emocional de nossos líderes. O stresse, com todos os seus efeitos colaterais (fadiga, mau humor, irritação, insônia, dor de cabeça etc.), as pertubações mentais, a ansiedade, os temores, a angústia, a depressão, a síndrome do pânico, a bipolaridade temperamental e outros males, acabam por fragilizar o líder tornando-o incapaz de lidar com o povo e consigo mesmo:
 
“Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Continua nestes deveres; porque, fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes.” (1 Tm 4.16)
 
– É uma crise relacional. Os problemas emocionais acabam afetando as relações interpessoais, onde muitas vezes o líder transfere para aqueles que o cercam (família, amigos, liderados) as suas mazelas. Tal situação tende a ficar insustentável. A falta de saúde e equilíbrio emocional descredencia o líder vocacionado por Deus. Saber relacionar-se é imprescindível:
 
“e que governe bem a própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito (pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?);’ (1 Tm 3.4-5)
 
“Não repreendas ao homem idoso; antes, exorta-o como a pai; aos moços, como a irmãos; às mulheres idosas, como a mães; às moças, como a irmãs, com toda a pureza. Honra as viúvas verdadeiramente viúvas.” (1 Tm 5.1-3)
 
Líderes em constante e aguda crise não se sustentam por muito tempo (a não ser em regimes absolutistas e ditatoriais). Muitos que hoje se mantém nos cargos, mas, já perderam a liderança. Deixaram de ser seguidos para serem temidos, deixaram de ser amados para serem odiados, deixaram de ser aceitos e foram rejeitados.
 
São nestes momentos e condições que Deus interfere soberanamente na história, destituindo e estabelecendo lideranças, promovendo um novo líder para substituir aquele cuja disposição do coração em muito se afastou do Senhor, da sua vontade, da sua Palavra.
 
Foram por estas razões que Saul foi reprovado e rejeitado (1 Sm 13.14; 15.26-28) e Davi levantado como o novo líder da nação (1 Sm 16).
 
4. A VOCAÇÃO DE DAVI
 
Em termos etmológicos, César (2002, p. 19), em sua obra “Vocação, perspectivas bíblicas e teológicas”, ele nos informa que o termo “vocação” na literatura neotestamentária tem origens gregas no verbo kaleo (chamar, nomear convocar, cf. Ef 4.1) e suas variações, o substantivo klêsis (vocação, chamado, convite, cf. 1 Co 1.26) e no adjetivo kletós (chamado, convocado, cf. Rm 1.6). Esses termos podem ser usado no sentido de vocação precedente da parte de Deus para a salvação e para o serviço.
 
Em termos conceituais e teológicos, Leon Dufour (apud CÉSAR, Idem, p. 20-22) define vocação como:
 
“[…] o chamado que Deus dirige ao homem a quem Ele escolheu para si e que destina a uma obra especial no seu plano de salvação e no destino do seu povo. Na origem da vocação há, portanto, uma eleição divina; no seu termo, uma vontade divina a cumprir.”
 
A vocação de Davi estava fundamentada:
 
– Na graça de Deus (2 Tm 1.8-9). Por sua graça Deus não nos escolhe com base em nossos méritos pessoais, mas, fundamentado em seu favor imerecido.
 
– Na soberania de Deus (Is 44.1-2). Por sua soberania Deus nos escolhe por ser Senhor absoluto sobre todas as coisas. Ele manda e não é mandado, estabelece e não é removido, diz e faz.
 
– Na determinação de Deus (Sl 139.16). A determinação de Deus está associada a sua soberania. Os nossos dias estão escritos em seu livro. Cabe a nós conhecer a sua vontade e livremente escolher obedecê-la.
 
– No conhecimento de Deus sobre nós (Jr 1.5). O conhecimento de Deus implica em Ele saber coisas sobre nós, da nossa disposição em amá-lo, serví-lo, buscá-lo, obedecer-lhe, apesar se sermos quem somos, apesar de nossas fraquezas, de nossas instabilidades e limitações.
 
“[…] a vocação de Davi fez parte da vontade de Deus, que na sua soberania e presciência escolhe a quem quer para a realização dos seus desígnios. Nada está fora do seu controle e nada acontece sem a sua permissão. Mesmo em mei às crises e reveses da vida. Ele continua sendo Senhor da história” (JOSÉ GONÇALVES, Lições Bíblicas, 4º Trimestre/2009, p. 8, CPAD)
 
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