Salmo 90 — APRENDENDO A CONTAR OS NOSSOS DIAS

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APRENDENDO A CONTAR OS NOSSOS DIAS (Salmo 90)

Salmos 90
(1)  Senhor, tu és o nosso refúgio, sempre, de geração em geração.  
(2) Antes de nascerem os montes e de criares a terra e o mundo, de eternidade a eternidade tu és Deus. 
(3) Fazes os homens voltarem ao pó, dizendo: “Retornem ao pó, seres humanos!”  
(4) De fato, mil anos para ti são como o dia de ontem que passou, como as horas da noite.  (5) Como uma correnteza, tu arrastas os homens; são breves como o sono; são como a relva que brota ao amanhecer; (6) germina e brota pela manhã, mas, à tarde, murcha e seca. 
(7) Somos consumidos pela tua ira e aterrorizados pelo teu furor. (8) Conheces as nossas iniqüidades; não escapam os nossos pecados secretos à luz da tua presença. (9) Todos os nossos dias passam debaixo do teu furor; vão-se como um murmúrio.
(10) Os anos de nossa vida chegam a 70, ou a 80 para os que têm mais vigor; entretanto, são anos difíceis e cheios de sofrimento, pois a vida passa depressa, e nós voamos!
(11) Quem conhece o poder da tua ira? Pois o teu furor é tão grande como o temor que te é devido.
(12) Ensina-nos a contar os nossos dias para que o nosso coração alcance sabedoria.
(13) Volta-te, Senhor! Até quando será assim? Tem compaixão dos teus servos!
(14) Satisfaze-nos pela manhã com o teu amor leal, e todos os nossos dias cantaremos felizes.
(15) Dá-nos alegria pelo tempo que nos afligiste, pelos anos em que tanto sofremos. (16) Sejam manifestos os teus feitos aos teus servos, e aos filhos deles o teu esplendor!
(17) Esteja sobre nós a bondade do nosso Deus Soberano. Consolida, para nós, a obra de nossas mãos; consolida a obra de nossas mãos!

DOIS ESCLARECIMENTOS PRELIMINARES
Duas explicações se fazem necessárias antes de uma entrada no texto:
O salmo 90 nos oferece duas indagações que precisam ser esclarecidas. A primeira tem a ver com Deus e o segundo, com a ciência.

1. A primeira dificuldade vem de duas afirmações
O poeta diz:
“Senhor, tu és o nosso refúgio, sempre, de geração em geração” (verso 1).  
Depois garante:
“Somos consumidos pela tua ira e aterrorizados pelo teu furor” (verso 7). Este “furor é tão grande como o temor que te é devido” (verso 11).
Como conciliar?
Deus é o nosso refúgio. Podemos contar com Deus sempre. A Bíblia está cheia destas afirmações de fé, baseadas nas experiências pessoais de pessoas em muitas gerações. Esta verdade está fora de questão.
Mas um “Deus furioso” é toda a questão. A fúria de Deus tem um sentido no Novo Testamento e outro no Antigo. No Novo Testamento, refere-se ao sentimento de Deus diante do pecado. Ele conhece “as nossas iniqüidades” que “não escapam os nossos pecados secretos à luz da tua presença” (verso 8).
Trata-se de uma ira emocional, que não contém pecado. É uma ira para o bem do homem, que se realiza quando o homem aceita a oferta extraordinária da cruz.
No Antigo Testamento, mostra a radical diferença entre Deus e o homem. Quando Deus age, ainda sem a revelação em Jesus, a natureza treme, tão o seu poder, tanta a sua santidade. Sua fúria é para mostrar ao homem quem Ele é e o que pode fazer pelo homem. Diante dEle, para não ser confundido com deuses de barro ou madeira, ninguém pode chegar perto e sobreviver. Este Deus age e intervém. Este é o sentido da sua “fúria”. Espera reverência, isto é, que o ser humano lhe preste atenção como o eterno e absoluto que é.
Neste contexto, vem a afirmação que a vida é um tempo em que Deus nos aflige (“Dá-nos alegria pelo tempo que nos afligiste, pelos anos em que tanto sofremos” — verso 15). O pressuposto da Bíblia (e bom seria que sempre o tivéssemos em mente) é que tudo o que nos acontece está sob a supervisão de Deus, porque Ele é o Senhor de tudo e de todos. Ele é o autor indireto de tudo, até do sofrimento. Os anos são bons? Deus os autorizou. Os anos são duros? Deus os permitiu. Quem chegou aos 80 e os superou deve saber que foi Deus quem autorizou esta abundância toda. Todos precisamos saber que a aflição vem, na verdade, do nosso pecado e do pecado do outro.

2. A segunda questão tem a ver com ciência. Há uma previsão que, nos 30 países mais industrializados do mundo, as pessoas nascidas em 2007 chegarão aos cem anos de idade. No Brasil (2009), já está próxima dos 73 anos, mesmo que no nordeste não alcance os 70 anos A propósito, entre as mulheres, a expectativa de vida no Brasil é de 76 anos e meio.
Foi o salmista superado? No sentido informativo, sim; no sentido, normativo não. As expectativas de vida variam na história e na geografia. Ainda no século 21 há países em que ela não passa de 38, como em Angola, e de 41, como em Moçambique. No contexto do autor, ele não lançamento mão deste tipo de comparação, desconhecida à época, mas olhava para as pessoas e via como viviam algumas e a que idade chegavam. Os que mais viviam chegavam a 70 e, no máximo, aos 80. Estes números podem subir ainda mais ou mesmo descer, como no caso dos países muito pobres.
O que permanece não é o número, mas a certeza que, por mais que viva uma pessoa, ela morre um dia, aos 70 ou antes ou depois dos 70. Permanece também a evidência que, em geral, quanto mais vive uma pessoa, mais chance terá de viver com as conseqüências do peso do tempo.
O objetivo do poeta é falar sobre a fugacidade (curta duração) da vida. E disto todos sabemos. Não vamos fazer a Bíblia falar o que ela não quer dizer.

TODOS PRECISAMOS NOS LEMBRAR
Todos precisamos nos lembrar que a vida é curta. Mesmo que chegue aos cem anos, é curta.
Todos precisamos nos lembrar que a vida passa muito rapidamente. Nosso tempo de vida  é como a hora que passou (verso 4). Nossos dias são breves como o sono (verso 5b). Nossa história pessoal é como a relva que brota ao amanhecer e murcha de tardezinha (verso 5c). Nossa começa e termina rápido como um gemido (verso 9). Passamos pela vida como se voássemos (verso 11).
Neste tempo curto, podemos contar com Deus como Aquele em quem podemos nos refugiar (verso 1). E podemos porque Ele é eterno.
Neste tempo curto, devemos fazer o que nos cabe fazer, sabendo, por exemplo, que o tempo jogado no lixo não volta do lixo. Nossa vida será o que nós fizermos dela.
Nossos antepassados podem ter deixado um legal (valioso ou horroroso), mas a responsabilidade por nossa vida é nossa. Só nós vivemos a nossa vida.
Nossos pais certamente nos influenciam, mas a responsabilidade, quando nos chega o tempo da responsabilidade, é nossa. Podemos culpar os nossos pais, que ainda assim vida será nós: cabe-nos vive-la.
As circunstâncias nos impulsionam para baixo ou para cima. Assim mesmo, a responsabilidade é nossa. As oportunidades não são iguais para todos, mas a responsabilidade por nossa vida é nossa.
E o nosso tempo de agir é hoje. Só temos um tempo: hoje.
Há pessoas esperando sua vida financeira melhorar porque vai fazer um grande negócio, que nunca faz.
Há pessoas que recusam empregos porque os salários são baixos, mas, enquanto esperam melhores rendimentos, não trabalham.
Há pessoas que sabem de concursos mas não os fazem porque os acham muito difíceis, mas alguns passam.
Há pessoas esperando que as coisas por resolver na sua vida se resolvam por si mesmas, mas a maioria das coisas não se resolve por si mesma, mas com esforço.
Todos que assim agem devem se lembrar que a vida é curta — eis o que o salmista nos diz.

TODOS PRECISAMOS APRENDER A VIVER
Viver não é fácil por causa do nosso corpo, que o tempo faz fortalecer e também enfraquecer. A velhice é a experiência da limitação do corpo.
Viver não é fácil por causa do nosso temperamento, que é a forma como convivemos com o meio e com as pessoas.
Viver não é fácil por causa das perdas que vamos acumulando. Quanto mais vivemos, mais pessoas queridas perdemos e mais amarguras recolhemos.
Viver não é fácil porque a vida nem sempre é justa.

A oração do salmista, diante das possibilidades da vida, é a mesma e deve ser a nossa: “Ensina-nos a contar os nossos dias para que o nosso coração alcance sabedoria” (verso 12).
É bom saber que Deus nos ensina a viver. Sem Ele, mal conseguimos sobreviver. Com Ele, podemos viver a vida em toda a sua plenitude, já que Ele que distribui graciosamente sua compaixão, se a queremos (por isto, o necessário pedido: “volta-te, Senhor” — verso 13). Por isto, a bela súplica: “Satisfaze-nos pela manhã com o teu amor leal, e todos os nossos dias cantaremos felizes” (verso 14).

1. Precisamos de sabedoria para aceitar as limitações do corpo, mas também para viver de modo a diminuir seu enfraquecimento, com um estilo de vida saudável e cuidadoso (prestando atenção nele, exercitando-o). Conhecendo nosso corpo, capacitamo-nos para prolongar a nossa vida, na quantidade de anos e na qualidade das vivências, o que inclui cuidado na alimentação e sabedoria nas decisões.
2. Precisamos de sabedoria para aceitar que a vida é, ao mesmo tempo, passageira e definitiva. Passageira porque é curta. Definitiva porque é a nossa vida. É curta e é a que temos. Saber que a vida é passageira nos estimula à humildade. Saber que a vida é definitiva nos impõe o compromisso da ação. Precisamos de sabedoria para viver o presente, que não é uma tautologia porque muitos continuam presas ao passado e outros estão escravos da ansiedade, que é o medo diante do que pode acontecer. O presente, podemos dizer, “passa rapidamente, e nós voamos” (verso 10). Precisamos de sabedoria para contar o tempo ao modo de Deus, que não absolutiza o passado, mas o valoriza; não absolutiza o presente, mas o  dinamiza; não absoluta o futuro, mas o realiza.
3. Precisamos de sabedoria para aceitar que a vida tem leis próprias. É assim, por exemplo, que devemos ler o verso 15: “Dá-nos alegria pelo tempo que nos afligiste, pelos anos em que tanto sofremos”. Deus permite que os nossos atos tenham conseqüências sobre as nossas vidas e as vidas dos outros. Deus permite que os atos dos outros tenham conseqüências sobre as suas vidas e as nossas. Conseqüências boas e ruins. Uma área da vida nos ajuda a pôr em evidência esta realidade: o modo como ganhamos nosso dinheiro e o modo como o gastamos tem conseqüências que ultrapassam o tempo das decisões e ações.
A graça quebra essas leis, mas faz parte da natureza desta graça permitir que, na maioria das vezes, elas funcionem livremente, para que a nossa liberdade seja plena. Se Deus interrompesse as conseqüências dos nossos atos livres a toda hora, nos não seríamos realmente livres. Só há liberdade de ações onde há responsabilização destas mesmas ações. Do contrário, seria liberdade pela metade e liberdade pela metade não é liberdade. Nossos bons atos não podem ser livres para produzir suas boas conseqüências, enquanto nossos atos ruins não são livres para produzir suas conseqüências ruins.

A CONSOLIDAÇÃO DE NOSSAS AÇÕES
Sabedoria é pedir que esteja sobre nós a bondade de Deus (“Esteja sobre nós a bondade do nosso Deus Soberano” — verso 17a).
Sabedoria é pedir a Deus que consolide as nossas ações (“Consolida, para nós, a obra de nossas mãos; consolida a obra de nossas mãos!” — verso 17b).
Somos chamados a dar “atenção ao Senhor” e fazer “o que ele aprova”, dando “ouvidos aos seus mandamentos” e obedecendo “a todos os seus decretos” (Êxodo 15.26).
Deus manifesta sobre nós e nossos filhos todo a Sua bondade (verso 16), mas a maior manifestação da graça de Deus não é a intervenção sobre as nossas vidas de modo a não sermos alcançados por males, o que, de fato, acontece, mas é, sem dúvida alguma, a consolidação, ou confirmação, das nossas decisões e ações. A bondade está sobre nós quando consolida o que fazemos (verso 17).

Quando Deus confirma a obra de nossas mãos, essa obra tem o seu valor perenizado no tempo. Essa obra pode ser um exemplo de vida, uma palavra oferecida ou um livro publicado. Confirmada, perdura. Quantas pessoas ainda se lembram, com gratidão, de palavras que uma boca amiga proferiu a seu respeito!
Quando Deus confirma a obra de nossas mãos, essa obra é multiplicada no seu alcance. Quantas vezes projetamos e fazemos algo para alcançar uma família e ela alcança várias, para alcançar uma igreja e ela alcança várias!
Quando Deus confirma a obra de nossas mãos, essa obra abençoa a nossa geração e as próximas. Quantas pessoas hoje podem dizer que os seus pais ou avós, mesmo mortos, ainda falam!

Quando oramos para que Deus confirme nossas ações, estamos nos colocando no nosso lugar, fazendo a nossa parte, e sabendo que Deus está no Seu lugar, fazendo a Sua parte.
Só podemos fazer esta oração depois de num autoexame sério, para não pedirmos a Deus que confirme aquilo que nós sabemos estar errado.

O melhor presente que uma pessoa pode receber é ser aprovado por Deus.
No resumo biográfico de Davi, lemos que ele fez “o que o Senhor aprova e não deixara de obedecer a nenhum dos mandamentos do Senhor durante todos os dias da sua vida, exceto no caso de Urias, o hitita” (1Reis 15.5)
Pouco sabemos sobre Apeles, um auxiliar do apóstolo Paulo, mas sabemos que foi um homem “aprovado em Cristo” (Romanos 16.10)

Vivemos buscando o louvor dos homens, mas a glória que a importa é a aprovação por parte de Deus. Mesmo que os homens não nos nobelizem, o prêmio que vem de Deus é coroa de louros permanente sobre as nossas cabeças. Ser aprovado por Deus nos dá confiança e esperança para continuar o que estamos fazendo.
Perdemos muito tempo fazendo coisas que levem as pessoas a nos elogiar e amar. O elogio deve ser conseqüência de uma vida aprovada por Deus. Precisamos saber que o louvor humano de hoje é a reprovação de amanhã. Matar um leão todo dia para mostrar nosso louvor tem como resultado certo a drenagem de nossas forças. Devemos sempre fazer o melhor e esperar que Deus se agrade. Quando Ele se agrada, Ele se agrada e é para sempre. Ele não elogia hoje e retirar amanhã o louvor que nos dá.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO