PARA LER O EVANGELHO DE JOÃO JAKLER NICHELE NUNES Título: Evangelho de João Capítulos: 21 Versículos: 879 Tempo aproximado de leitura: 80 minutos Também chamado de Evangelho Segundo João, o quarto evangelho do Novo Testamento é uma de suas obras mais utilizadas, cujas belas páginas servem para reflexão, oração e inspiração para a missão da igreja. Dentre os evangelhos, é o que apresenta a teologia mais profunda a respeito da pessoa de Cristo. Escrito entre 90 e 100 d.C., foi objeto de longas disputas, controvérsias, aceitações e rejeições ao longo da história devido às diferenças de estilo e estrutura em relação aos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). Seu autor é anônimo. A tradição atribuiu a autoria a João, o apóstolo; alguns comentaristas, porém, citam-no apenas como o Discípulo Amado e não necessariamente o relacionam a ele. Outros preferem dizer que a autoria é de uma comunidade próxima ao apóstolo João, a Comunidade Joanina. DIFERENÇAS COM RELAÇÃO AOS SINÓTICOS O leitor atento pode perceber, com facilidade, diferenças marcantes como, por exemplo: a) apenas no Evangelho de João, Jesus fala bastante sobre si próprio; b) em João, há uma quantidade substancial de material que Jesus partilhou apenas com seus discípulos; c) dos 29 milagres presentes nos Sinóticos, João só relata 3. No entanto ele apresenta outro conjunto de milagres que não aparecem nos Sinóticos; d) somente em João, Jesus é explicitamente identificado como Deus. Destacam-se diversas citações do tipo “Eu sou”; e) em João, não há expulsão de demônios, mas ênfases em discussões de Jesus com chefes judeus sobre curas e seus resultados na vida concreta. COMO ESTUDAR O EVANGELHO DE JOÃO O texto do Evangelho de João será mal compreendido se lido de maneira puramente histórica. Algumas características do texto como discrepâncias observadas na sucessão de fatos (como, por exexemplo, passagem de 14.31 para 15.1), a omissão de alguns dados, a ênfase em informações aparentemente irrelevantes sob perspectiva histórica, tornam difícil a atribuição do texto a alguém que queria apenas fazer história. Por outro lado, a organização das cenas, a maneira como elas são narradas e os símbolos presentes no texto, com forte significado para o mundo judaico da época, sugerem que a principal intenção do autor é apresentar uma teologia a respeito de Cristo, interpretando sua pessoa e obra a partir da experiência de fé da comunidade cristã próxima a João. Sob este ponto de vista, torna-se desnecessário considerar como “problemas” algumas dificuldades que o texto apresenta sob a perspectiva histórica. Não faz sentido, por exemplo, discutir se João é mais exato que os sinóticos quando situa a expulsão dos vendedores do templo no início da vida pública de Jesus e não no final. O que interessa neste e em outros fatos é seu significado dentro da estrutura teológica do evangelho e descobrir se, a partir dela, se justifica sua colocação no conjunto. A coerência de João não busca precisão histórica, mas a coesão temática em relação a seu plano teológico. SÍNTESE TEOLÓGICA O conteúdo dos textos e os símbolos presentes no Evangelho de João permitem construir sua teologia a partir de dois temas: a criação e o êxodo. Estes temas se entrelaçam ao longo da obra nos permitindo entender o objetivo e a maneira com que Jesus realiza sua missão. a) Tema da Criação: Este tema é a chave de interpretação da obra de Jesus. A sequência de dias que aparece no início do evangelho (1.19,29,35,43; 2.1) faz com que o anúncio e início da obra de Jesus ocorram no mesmo dia da criação do homem em Gênesis 1, o sexto dia. A razão e o resultado da obra de Jesus seriam, então, terminar a criação, o que culminou com sua morte na cruz. O “Está consumado!” (19.30), duplamente interpretado sob esta ótica, ocorre também no sexto dia, como recorda o autor com outras indicações (12.1: seis dias antes da Páscoa; 19.14,31,42: preparação da Páscoa). Com isso, toda a atividade de Jesus, até sua morte, fica sob o símbolo do “sexto dia”, indicando o fim a que se destina: terminar a obra criadora, completando o homem com o Espírito de Deus (19.30; 20.22). A parte final do evangelho completa o tema da criação por se situar no “primeiro dia” (20.1), que indica o princípio e a novidade da criação terminada. Temas como “vida” e “luz”, centrais no evangelho (1.4-9), assim como o do nascimento (1.13; 3.3-21), estão na linha da criação. b) Tema do Êxodo: Traz vários de seus elementos: a presença da glória na Tenda do Encontro ou santuário (1.14; 2.19-21), o cordeiro (1.29), a Lei (3.1-21), a passagem do mar (6.1), o monte (6.3), o maná (6.31), a passagem do Jordão (10.40), etc. Este tema também está intimamente relacionado com o tema do Messias (1.17), que, como outro Moisés, tinha que realizar o êxodo definitivo e, por isso também, com o tema da realeza de Jesus (1.49; 6.15; 12.13-19; 18.33-19.22). O “mundo”, inimigo de Jesus e dos seus (15.18-16.4), de onde ele e o Pai tiram (15.19; 17.6), faz parte do tema do êxodo e adquire o sentido de terra de escravidão. A Páscoa, oportunidade para relembrar o êxodo, faz parte das seis festas que enquadram a atividade de Jesus. Delas, a primeira, a terceira e a última são a própria festa da Páscoa (2.13; 6.4; 11.55; 12.1). Destaca-se a insistência no número seis: sexto dia, sexta hora, seis dias antes da Páscoa, seis festas, seis talhas. Este número indica o incompleto, um preparatório, o período da atividade que visa a um resultado. O número sete aparece somente em uma ocasião, a sétima hora (4.52), e indica o fruto da obra completa: a vida que Jesus dá. Relacionando os temas, podemos dizer que o desejo de Deus é terminar a criação do homem dando-lhe o princípio de vida que supera a morte (o Espírito); em fazer do “homem-carne” “homem-espírito” (3.6), o que exige a livre opção do homem (3.19). Contra o cumprimento deste desígnio existe o fato de o homem, enganado e submetido por forças