A igreja cristã foi fundada sete semanas depois da ressurreição de Jesus. Seus seguidores estavam reunidos em Jerusalém, onde esperavam o poder do Espírito Santo.
A partir da prática e do ensino de Jesus, os seguidores se constituíram numa comunidade (fixa) numa cidade (Jerusalém), de onde saíram para evangelizar outras cidades.
ATOS DO ESPÍRITO SANTO
O livro de Atos dos Apóstolos, que algum prefeririam chamar de Atos do Espírito Santo, ou mesmo Atos de Jesus, começa contando a história da igreja em Jerusalém e termina narrando a história da igreja em Roma, depois de registrar muitos outros começos, em Antioquia, Filipos, Colossos, Éfeso, entre tantas. Seu foco começa com Pedro, mas brilha sobre Paulo.
É obra de um historiador meticuloso, que fala do seu método. Em certo sentido, é o segundo volume de uma uma obra dupla, em que a primeira (“Evangelho de Lucas”) narra os antecedentes da igreja (que foi o que Jesus “começou a fazer e a ensinar” — cf. Atos 1.1).
O método de Lucas é anunciado no prefácio do volume 1: trata-se de um relato ordenado dos fatos, que resultou de uma pesquisa cuidadosa do período da encarnação de Jesus e de uma participação na história, como testemunha e agente, do período da “encarnação” do Espírito Santo (Lucas 1.1-4). Portanto, o primeiro volume é obra de pesquisador, que lê documentos e ouve as testemunhas; o segundo volume é obra de uma testemunha ocular da história, que também não abre mão dos documentos e da precisão dos dados.
O livro duplo foi preparado para um leitor de nome Teófilo (amigo de Deus), que tanto pode ser uma pessoa específica e/ou todo aquele/aquela que, sendo amigo de Deus, tem interesse em conhecer o que Ele faz.
Como em todos os livros, o título (Atos dos Apóstolos) não faz parte do original e foi atribuído posteriormente. Um dos primeiros a chamá-lo por este título foi Irineu, no final do século segundo.
Segundo o consenso, foi escrito por Lucas, a quem Paulo chama de “médico amado” (Colossenses 4.14), em função da profissão que exercia antes de se tornar um cooperador no seu ministério (2Timóteo 4.11 e Filemon 1.24) e companheiro de Paulo em algumas de suas viagens (como lemos nos capítulos 16, 20, 21, 27 e 28).
O período narrado vai do ano 28 (ou 30), quando Jesus é ressuscitado em Jerusalém, até o ano 60 (ou 62), quando Paulo fica preso em Roma.
ESTRUTURA
Atos é um livro inacabado, com 28 capítulos, dos quais 16 (capítulos 9, 13, 14, 16-28) acompanham o apóstolo Paulo.
O livro pode ser dividido em duas grandes partes. A primeira pode ser chamada de “livro dos primórdios” (capítulos 2 a 14). A segunda é o “livro dos avanços”, que é, na verdade, um livro de viagens, com todos os ingredientes das grandes aventuras. Entre os dois está um interlúdio (capítulo 15), que é o ponto de mutação, que define que o cristianismo é judeu para os judeus e universal para os demais. Um cristão não precisa ser judeu para ser cristão. Um judeu não precisa deixar de ser judeu para ser cristão, o que se aplica aos nacionais de quaisquer países e em todos os tempos.
Na verdade, Lucas parece interessado em mostrar o impacto provocado pelo evangelho quando ele chega a determinado lugar, depois do que fez em Jerusalém (Atos 1 a 8). A partir daí, o cenário vai mudando, para a Judéia e Samaria (Atos 9), Síria (Atos 12), Ásia Mentor (Atos 16), Europa em geral (Atos 19) e Roma em particular (Atos 28).
SÍNTESE TEOLÓGICA
O propósito de Lucas é mostrar que o Evangelho é universal, devendo ser levado até os confins da terra, a partir de Jerusalém.
O livro é amplamente cristológico. Por isto, o Espírito Santo é apresentado como o Espírito de Jesus (Atos 16.7). É o seu Nome que cura e salva (Atos 3.16; 5.41). Por isto, “Atos termina em 28.31, mas a história de Jesus prossegue onde quer que seu Espírito encontre hoimens e mulheres dispostos a crer, a obedecer, a dar, a sofrer e, se necessário, a morrer” (WILLIAMS, p. 30).
Há outros temas no livro, como a afirmação de que as profecias do Antigo Testamento se cumpriram (Lucas 10.23). Lucas argumenta também que os cristãos não são inimigos do império romano. O biógrafo da igreja também esclarece que os judeus se excluíram da salvação ao rejeitarem o Evangelho de Jesus (Atos 10.39). Atos é o livro da missão da igreja.
Os resumos que Lucas faz da vida em comunhão, experimentada pela igreja em Jerusalém, permanece como um ideal absoluto para todos nós, ontem, hoje e amanhã.
PARA LER DEVAGAR
. Jesus “lhes respondeu: ‘Não lhes compete saber os tempos ou as datas que o Pai estabeleceu pela sua própria autoridade. Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra´”. (Atos 1.7-8)
. “Pedro respondeu: ‘Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo para perdão dos seus pecados, e receberão o dom do Espírito Santo. Pois a promessa é para vocês, para os seus filhos e para todos os que estão longe, para todos quantos o Senhor, o nosso Deus, chamar´”. (Atos 2.38-39)
. “Todos os dias, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas, e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos”. (Atos 2.46-47)
. “Então Filipe, começando com aquela passagem da Escritura, anunciou-lhe as boas novas de Jesus. Prosseguindo pela estrada, chegaram a um lugar onde havia água. O eunuco disse: “Olhe, aqui há água. Que me impede de ser batizado?” Disse Filipe: “Você pode, se crê de todo o coração”. O eunuco respondeu: “Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus”. Assim, deu ordem para parar a carruagem. Então Filipe e o eunuco desceram à água, e Filipe o batizou”. (Atos 8.35-38)
. “O carcereiro pediu luz, entrou correndo e, trêmulo, prostrou-se diante de Paulo e Silas. Então levou-os para fora e perguntou: “Senhores, que devo fazer para ser salvo?” Eles responderam: “Creia no Senhor Jesus, e serão salvos, você e os de sua casa”.
. “Certa noite o Senhor falou a Paulo em visão: “Não tenha medo, continue falando e não fique calado, pois estou com você, e ninguém vai lhe fazer mal ou feri-lo, porque tenho muita gente nesta cidade”. (Atos 18.9-10)
. “Alguns judeus que andavam expulsando espíritos malignos tentaram invocar o nome do Senhor Jesus sobre os endemoninhados, dizendo: “Em nome de Jesus, a quem Paulo prega, eu lhes ordeno que saiam!” (…) Um dia, o espírito maligno lhes respondeu: “Jesus, eu conheço, Paulo, eu sei quem é; mas vocês, quem são?” Então o endemoninhado saltou sobre eles e os dominou, espancando-os com tamanha violência que eles fugiram da casa nus e feridos. (Atos 19.14-16)
. “Por dois anos inteiros Paulo permaneceu na casa que havia alugado [em Roma], e recebia a todos os que iam vê-lo. Pregava o Reino de Deus e ensinava a respeito do Senhor Jesus Cristo, abertamente e sem impedimento algum. (Atos 28.30-31)
O TEXTO QUE MAIS TOCOU O MEU CORAÇÃO
Tendo que deixar Éfeso, para alcançar outras cidades, o Paulo decidiu se despedir dos presbíteros (líderes) da igreja. Então, o apóstolo lhes diz:
“Agora, compelido pelo Espírito, estou indo para Jerusalém, sem saber o que me acontecerá ali. Só sei que, em todas as cidades, o Espírito Santo me avisa que prisões e sofrimentos me esperam. Todavia, não me importo, nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se tão-somente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Senhor Jesus me confiou, de testemunhar do evangelho da graça de Deus. (…) Sei que, depois da minha partida, lobos ferozes penetrarão no meio de vocês e não pouparão o rebanho. E dentre vocês mesmos se levantarão homens que torcerão a verdade, a fim de atrair os discípulos. (…) Agora, eu os entrego a Deus e à palavra da sua graça, que pode edificá-los e dar-lhes herança entre todos os que são santificados”. (Atos 20.20-32, excertos)
VIVENDO OS ENSINOS
Atos é didático, mas é sobretudo narrativo. Nele temos o perfume da igreja primitiva, pelo que devemos ler este livro com cuidado. Como adverte John Stott, “tem sido um exercício salutar para a igreja cristã de todos os séculos comparar-se com a igreja do primeiro século e tentar reconquistar algo daquela confiança, daquele entusiasmo, daquela visão e daquele poder. Ao mesmo tempo, precisamos ser realistas. Existe o perigo de romantizarmos a igreja primitiva, falando dela em tom solene, como se não tivesse falhas. Isto significaria fechar os olhos diante das rivalidades, hipocrisias, imoralidades e heresias que atormentavam a igreja, como acontece ainda agora. Todavia, uma coisa é certa: a igreja de Cristo fora enchida pelo Espírito Santo, que a espalhou para testemunhar”. (STOTT, p. 10)
Em busca da mente de Cristo, e tendo os horizontes daquela igreja e da nossa, daquele mundo e do nosso, precisamos ler e mastigar as seguintes narrativas, entre outras:
1. Precisamos receber o poder do Espírito Santo, o que acontece se temos a mesma disponibilidade dos primeiros cristãos (Atos 2).
2. Precisamos ter a coragem de pedir as pessoas que não crêem em Jesus para quem olham para nós para que creiam nEle (Atos 3).
3. Precisamos ser generosos, fiéis e verdadeiros, como José Barnabé (Atos 4), e não indiferentes, desonestos e mentirosos, como Ananias e Safira (Atos 5).
4. Precisamos estar dispostos a obedecer o Espírito Santo, como fez Felipe que, tendo ouvido o Espírito foi até o eunuco apresentar Jesus Cristo ao eunuco, a quem acabaria batizando (Atos 8)
5. Precisamos ouvir a voz de Jesus, para que possamos nos converter, como aconteceu com Saulo, que não resistiu à voz de Jesus (Atos 9).
6. Precisamos abrir mão de nossas visões teológicas para o bem da unidade, que é um valor maior na comunidade, como fizeram os cristãos judeus e os cristãos helenistas (gregos, universais), em que o Cristianismo foi compreendido como não pertencendo a nenhuma pátria (ou etnia) para ser o que é: para todos, em todos os lugares e em todos os tempos (Atos 15).
7 . Precisamos manter nossa confiança em Deus, mesmo diante da injustiça e da sensação de abandono, vivendo como Paulo e Silas, os presos que cantaram (Atos 16).
8. Precisamos ter uma expectativa acerca de nossa própria vida, que não a idolatre, mas antes a ponha a serviço de Jesus, como fez Paulo ao se despedir dos presbíteros de Éfeso (Atos 20).
9. Precisamos nos preparar para apresentar o Evangelho às pessoas com uma perspectiva mais racional, como fez Paulo ao dialogar com os atenienses reunidos no Areópago (Atos 17).
10. Precisamos saber que, pelo fato de sermos fiéis a Deus, não ficamos livres das injustiças e mesmo das desgraças, como Paulo que experimenta um naufrágio (Atos 27) e mesmo uma prisão (Atos 28).
PARA MEMORIZAR
“Todavia, não me importo, nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se tão-somente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Senhor Jesus me confiou, de testemunhar do evangelho da graça de Deus!” (Atos 20.24).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
STOTT, John. A mensagem de Atos. São Paulo: ABU, 1994.
WILLIAMS, David J. Atos. São Paulo: Vida, 1996.
LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. Rio de Janeiro: Exodus. 1997.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO
