Por Gilberto Garcia
O Brasil não precisa de leis para regular o exercício de fé, pois todos os direitos são assegurados na Constituição Federal.
Desta forma, todas as Igrejas e Organizações Religiosas, independente de sua história, do tamanho de seu patrimônio, de seu poderio econômico, sua influência política na sociedade, da quantidade de fiéis etc, estão submetidos ao ordenamento jurídico vigente no que tange a prática de sua religiosidade no âmbito da sociedade civil organizada, quanto ao seu envolvimento com questões legais no exercício da fé, tais como, leis trabalhistas e contábeis, leis de registros públicos para seus estatutos, tributárias e fiscais, civis e associativas, administrativas e financeiras, previdenciária, inclusive quanto a eventuais crimes e contravenções cometidos pelos líderes religiosos e os fiéis.
Contudo, apesar de todas as manifestações contrárias da sociedade civil organizada, especialmente através de grupos e organizações de defensores do Estado Laico, que é o Estado sem religião oficial, com destaque para atuação da Frente Evangélica Parlamentar, a Câmara de Deputados em Brasília/DF, aprovou o Acordo Internacional, que é uma Concordata Católica, firmado pelo Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, em novembro de 2008, com o Papa Bento XVI, na Cidade do Vaticano, sede da Santa Sé.
E, mais, quando da homologação da Concordata Católica, a Câmara de Deputados Federais também aprovou Projeto de Lei 5.598, denominado de Lei Geral das Religiões, uma espécie de “Concordata Evangélica?!”, à qual estende a todos os grupos religiosos existentes no país os privilégios legais concedidos a Igreja Católica e a seus Institutos Eclesiásticos, tais como: imunidade tributária, “blindagem” trabalhista, inserção de ensino religioso confessional, a obrigatoriedade da reserva de espaços públicos para fins religiosos, a preservação dos patrimônios das Igrejas financiado pelo Estado, validação e anulação dos casamentos religiosos pelos tribunais eclesiásticos, entre outros.
Num retrocesso histórico em pleno século 21 este posicionamento adotado pela Câmara de Deputados rompe uma tradição de quase 120 anos de história do Brasil republicano, pelo que, desde 1891, Igrejas de qualquer confissão religiosa, sejam evangélicas, católicas, espíritas, umbandistas, candomblecistas, mulçumanas, judaicas, orientais etc, e ainda os agnósticos e ateus, têm sua ampla liberdade religiosa amparadas pela Constituição Federal brasileira. Por isso, até hoje não existe necessidade de leis especificas para regulamentar o exercício da fé em solo brasileiro.
Esta é uma das mais relevantes razões porque construímos ao longo da história republicana uma sociedade pluralista que tem conseguido manter a liberdade de expressão espiritual para as variadas representações religiosas de todos os matizes de fé, às quais convivem pacifica e harmonicamente, e esta Lei Geral de Religiões, que é a “Concordata Evangélica?!”, no caso das Igrejas e Organizações Religiosas poderá, entre outros, provocar conflitos de representatividade legal junto a sociedade civil organizada, inclusive junto a órgãos públicos e privados.
Também por isso é que esta Concordata Católica e a Lei Geral das Religiões – “Concordata Evangélica?!” necessitam ser rejeitadas no Senado Federal, pois se forem ratificadas pelo Congresso Nacional, logo após a sanção do presidente da república, os grupos defensores do Estado Laico, inclusive os evangélicos, necessitarão promover uma Ação de Declaratória de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, guardião maior da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, para que mantenha o princípio constitucional da Separação Igreja-Estado, que é o Estado Sem Religião Oficial, vigente desde 1891 em nosso país.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, assegura a liberdade de crença e consciência, não tendo o cidadão brasileiro a obrigação de declarar diante de qualquer órgão público ou privado sua opção de fé, valendo esta garantia constitucional, inclusive, para o censo nacional patrocinado pelo IBGE, ou pesquisas oficiais.
No artigo 19 da Constituição Federal está escrito de forma clara e objetiva a proibição do estabelecimento de qualquer tipo de aliança do Estado com uma Igreja, e é isto que a Câmara dos Deputados acaba de fazer ao homologar integralmente a Acordo Internacional pactuado pelo Governo brasileiro com a Santa Sé, que é a representante legal da Igreja Católica Apostólica no Mundo, referendou pela primeira vez na história republicana do Brasil que um presidente desconsiderou o salutar princípio constitucional da separação Igreja-Estado, vigente em nosso país de 1891 ao promover aliança com uma Igreja, e ainda aprovou a chamada Lei Geral das Religiões, uma espécie de “Concordata Evangélica?!”.
Esta Lei Geral das Religiões (“Concordata Evangélica?!”) visa estender aos demais grupos religiosos os privilégios concedidos a Igreja Católica na Concordata com o Vaticano, entretanto, todas as Organizações Religiosas, inclusive as Católicas, já possuem, além do resguardo constitucional para o exercício da fé, leis que aplicam de forma geral a todos os cidadãos – pessoas físicas e pessoas jurídicas de direito privado, como são nominadas juridicamente as Igrejas e Organizações Religiosas, de qualquer confissão religiosa, inclusive a Católica Apostólica Romana, que tem no Bispo da Diocese, dirigente legal da Mitra Arquiepiscopal sendo o representante para todos os efeitos das paróquias, como inserido no Código Canônico.
O Código Canônico é o Estatuto dos Fiéis e Clérigos Católicos, sendo o conjunto de regras que regulamenta a atividade religiosa e eclesiástica da Igreja Católica Apostólica Romana em todo o mundo, tendo sido instituído em 1917, e reformado em 1983, o qual é pouco conhecido, inclusive pela grande maioria dos católicos brasileiros, e é ignorado pelos demais religiosos, especialmente os evangélicos, e aí pelo desconhecimento confunde-se a atuação dos fiéis católicos, que são os freqüentadores, os quais participam das missas, dos sacramentos, exercem atividades religiosas e sociais, entregam seus dízimos e ofertas, mas sem qualquer compromisso no sentido jurídico-legal, dos que efetivamente fazem votos, assumindo compromissos junto a Ordens Religiosas, mas que também tem vinculação legal, por isso eles são associados eclesiásticos, estando sujeitos as autoridades eclesiásticas, entre estes: Coroinhas, Seminaristas, Padres, Freiras, Bispos, Arcebispos, Cardeais e o Papa, que é o líder da fé católica no mundo, tanto no sentido religioso-espiritual, como no sentido jurídico-legal.
É importante lembrar os católicos romanos possuem um governo episcopal, que é centralizado na figura dos Bispos, Arcebispos, e sob a liderança mundial jurídico-eclesiástica do Papa, o que facilita sua administração e representatividade, e aí a Concordata com o Vaticano é um instrumento jurídico direcionado para todas as Paróquias, Dioceses, Mitras e Organizações Eclesiástica etc, o que no caso dos demais religiosos brasileiros, sejam espíritas, candomblecistas, judeus, mulçumanos, orientais, e, especialmente evangélicos, eis que estes são multifacetados, cada qual possuindo Estatutos Eclesiásticos e Regramentos de Fé com suas peculiaridades, com as diversas denominações, às quais possuem governos diferenciados, que são o episcopal, presbiteral, congregacional e ainda o misto, não existindo um órgão centralizador que os represente, o que é altamente salutar.
Por isso rejeitamos a Lei Geral das Religiões (“Concorda Evangélica?!”), que agora tramita no Senado Federal, eis que a Concordata Católica, já foi aprovada pelo Senado Federal, às quais se homologadas pelo Congresso Nacional obrigará aos líderes religiosos acionarem o judiciário brasileiro, para a manutenção do princípio constitucional do Estado Laico.
É de se elogiar o posicionamento da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, que neste ano completa 60 anos de fundação, adotado em defesa do princípio da Separação Igreja-Estado, que é Laicidade Estatal, na Nota pública divulgada junto a mídia nacional: “A Comissão Nacional de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), composta por representantes de todas as entidades filiadas, vem a público manifestar apoio aos movimentos contrários à incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro do Acordo Brasil e Vaticano.
A AMB ressalta que o modelo constitucional vigente instituiu a laicidade do Estado brasileiro, garantindo a liberdade religiosa a toda cidadania. O acolhimento do Acordo pelo Congresso Nacional (onde tramita como a Mensagem n° 134/2009) implicará em grave retrocesso ao exercício das liberdades e à efetividade da pluralidade enquanto princípio fundamental do Estado. Rogamos que as autoridades legislativas atuem nesta questão com rigorosa conduta constitucional. Mozart Valadares Pires – Presidente da AMB”.
A magistratura nacional, que recebe nosso aplauso, reconhece que o Estado brasileiro, representado pelos poderes republicanos, está proibido pelas constituições brasileiras, desde 1891, inclusive na Constituição Federal de 1988, de legislar em matéria religiosa, seja para facilitar ou criar empecilhos, ou ter sobre elas qualquer tipo de ingerência, ou mesmo a instituição de alianças com Igrejas ou Organizações Religiosas, no que tange a sua espiritualidade ou seus dogmas, desde que respeitados no exercício de fé os limites da lei e dos bons costumes, será o último bastião de cidadania na garantia da laicidade do estado brasileiro.
É com alegria que vemos esta manifestação, eis que já temos nos posicionado reiteradamente de que esta é mais uma afronta a Constituição Federal, sendo inconstitucionais ambas as Concordatas Religiosas, devendo o Congresso Nacional não ratificá-las, seja pelas contundentes razões expostas, e ainda, porque todas as Igrejas já possuem legislação comum, às quais se aplicam a todos os cidadãos, inclusive na legalidade do exercício de fé em nosso país.
A Sociedade aguarda com grande expectativa a manifestação de outras instituições que historicamente tem se posicionado em defesa do Estado Laico, do princípio constitucional da Separação Igreja-Estado, tais como a OAB -Ordem dos Advogados do Brasil, ABI – Associação Brasileira de Imprensa, o IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros, ABL – Academia Brasileira de Letras, que, entre outras, entidades de representatividade nacional, permanecem num inexplicável silêncio num tema que tem tão grande apelo e importância para o povo brasileiro.
Num salutar exemplo divulgaram seu posicionamento contrário a aprovação da Concordata Católica, como fez a AMB, a SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, UNE – União Nacional dos Estudantes, Conselho Federal de Serviço Social, Conferência Nacional de Educação/2009 – Etapa São Paulo, Associação Brasileira de Antropologia, Sociedade Brasileira de Sociologia, Centro Feminista de Estudos e Assessorias, OMEB – Ordem dos Ministros Evangélicos do Brasil, AELB – Academia Evangélica de Letras do Brasil, Movimento Brasil para Todos, CIMEB – Conselho Interministerial de Ministros Evangélicos do Brasil, Grande Loja Maçônica do Estado do Rio de Janeiro, Organização Católicas pelo Direito de Decidir, e ainda, Partidos Políticos, como o PSOL – Partido Socialista, Igreja Metodista Brasileira, Igreja Presbiteriana do Brasil, Convenção Batista Brasileira, entre outras diversas entidades civis, religiosas e evangélicas.
Destaque-se a aprovação, através do voto de lideranças, pelo Senado Federal do Acordo Brasil-Vaticano, ficando o Projeto: 5598, Lei Geral das Religiões, que é a “Concordata Evangélica?!”, aguardando a nomeação do relator para oportuna deliberação pelos Senadores; restando agora, com relação a “Concordada Católica” apelar, através de uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, ao Supremo Tribunal Federal para que mantenha vigente o princípio constitucional da Separação Igreja-Estado em nosso país, que um Estado Laico, País Sem Religião Oficial, como estabelecido em todas as Constituições, desde 1891, em 120 anos da República Federativa do Brasil.